17.12.09

II – Audições: Manoel de Oliveira em Belo Horizonte – por André Bandeira

Ouvi, no podium e do outro lado da mesa, Manoel de Oliveira. Foi engraçado ver alguém da mesma cidade onde nasci e em que renasci ao ver o seu filme «Porto da minha Infância». O seu discurso de agradecimento ao Doutoramento honoris causa não foi uma oração de sapiência mas serve de testemunho ao que fica dos olhos de um homem que viveu 100 anos e que viu as coisas de um modo que não nos esqueceremos tão cedo.
Manoel de Oliveira fala de um plano em que o centro de gravidade não é, certamente, aquele que ocupa o nosso plano de visão, todos os dias. Começou por abordar a sua comunicação, dizendo que admira mais os santos do que os revolucionários e acrescentou que há uma diferença entre a guerra e o terrorismo, pois o terrorista mata covardemente.
Constata que o progresso nos leva a situações catastróficas mas acrescenta que o homem ama as situações de perigo, embora se deixe dominar pelo pânico. Evocou Lincoln, Thomas Moro e Ghandi como modelos.
No limiar em que se encontra, considerou que a eternidade é uma ideia que o atrapalha. Se o Mundo começou a existir com o Big Bang, o que existia antes? Por isso, considerou que toda a ética se funda nas religiões.
Perguntou-se também se o gesto dos financeiros de Wall Street, não teria sido um gesto utópico. Notou que atravessamos uma crise moral e perguntou-se se um castigo assim não seria pelo Mundo se ter tornado em Sodoma e Gomorra.
No fim de tudo, a dúvida vive sempre ao lado da Esperança e citou S.Paulo para dizer que, se Cristo não ressuscitou, toda a Fé é vã.
Mas o pessimismo é a conclusão do optimista. A bondade da Natureza falha na sua também extrema crueldade.
Por fim citou o seu colega David Kronenberg para dizer que «todo o homem é um cientista louco e a vida o seu laboratório».

9.12.09


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2.12.09

1 de Dezembro - por André Bandeira

No Primeiro de Dezembro, recordo a independência de Portugal. Sim, a independência. Durante muito tempo, imaginei-o como um acto de coragem de um punhado de portugueses que atacou o centro da ocupação castelhana antes que esta pudesse reagir. Tudo recomeçara ali. A guerra demoraria 28 anos. Não estou crente que, se o Conde-Duque de Olivares tivesse optado por reprimir Portugal, em vez de reprimir a Catalunha, que Portugal não moveria a mesma resistência. Portugal foi sempre um projecto extra-europeu. Em 1648 e 1649, nas duas batalhas de Guararapes, os portugueses do Brasil, expulsaram os holandeses que poderiam, a partir do Recife e Pernambuco, ter iniciado um Brasil inteiramente diferente.Em 1959, os holandeses partiram definitivamente, derrotados pela gente de um português do Brasil, Vidal de Negreiros, de um índio, Felipe Camarão e de um comandante negro, Henriques Dias. Henrique Dias não foi um santo. Jogou com os seus interesses, serviu-se da liberdade de muitos escravos mas usou a escravatura de outros. Foi um comandante notável duma gente notável.Sem a batalha de Guararapes e sem o Império do Brasil, Portugal não teria crédito, no continente, para comprar armas a França e reagir contra Espanha.
Portugal deve a sua independência também à batalha de Guararapes. Não há uma única estátua a Henrique Dias ou a Felipe Camarão, numa praça de Portugal.
Henrique Dias era negro. Foi-lhe prometida uma comenda. Nunca lha deram. Tentou viajar a Lisboa para a reivindicar. Viajou mas não lha deram.
Morreu pobre e ignorado.
Enquanto Portugal não honrar aquilo que foi universal, recusando-o como «História», Portugal ver-se-á a morrer, todos os dias, à frente dos seus próprios olhos.Talvez num quilombo perdido do Brasil, a campa rasa de portugueses negros esperem ainda o que lhes é devido. E talvez assim, Portugal se reconcilie consigo próprio e não se deixe sangrar, imparavelmente, todos os dias.