30.7.10

LI -- (Re)Leituras: Brasília Kubitscheck de Oliveira, por Ronaldo Costa Couto, de André Bandeira

Um livro, cheio de sinais. Não, o livro não tem nada de esotérico mas traduz um certo fascínio juvenil do Historidor Costa Couto, que foi de Tancredo e de Sarney, por uma cidade que ele acha, talvez acertadamente, ser um plano esotérico. Sonhada por S.João Bosco, pela Inconfidência Mineira, habitada pelo fantasma de Getúlio Vargas e jogada pelos magos Juscelino e Niemeyer, Brasília terá uma série de afinidades com a Tel el-Amarna do Faraó egípcio Akenathon, provável pai de uma Nação deambulado sem Terra pela Ásia. Juscelino foi o Presidente da Bossa-Nova, na sua sublimidade e no seu azedume. Com Niemeyer se entende que o Comunismo não foi só Tirania, mas também houve um Comunismo tropical que era uma forma de arte e não uma estratégia de golpe de Estado. O mesmo se poderá dizer da social-democracia de Juscelino Kubitscheck, o qual poderia ter dado uma dança às aspirações comunistas sem se lhe entregar nos braços. E pode ter dançado depois com o Capitalismo norte-americano, na dança seguinte, antes de outra e outra dança, até cair, porque a morte também é boémia. No fundo, talvez Juscelino Kubitscheck não tenha sido assassinado pelo Plano Condor da CIA, mas que fazia parte da lista de abate da mesma, lá isso fazia. E, se não foi morto por ela, foi moído até à lepra, como a Inveja que acaba a arrastar pelo chão um dançarino brilhante. Talvez, no fundo, comunismo e capitalismo sejam apenas dois pares de dança para os dançarinos tropicais, dançando a uma música que só eles ouvem, que só eles regatam à noite, escutando-a até ao fim, o qual é uma ilusão de óptica. Se essa dança vinha do sangue cigano de Juscelino ou do de Niemeyer, só o fim de festa da Bossa Nova, geralmente amargo, o poderá dizer. Brasília foi um grande erro, como os militares se limitaram a constatar, mas o erro, como outros, ficou, tal qual o aluímento da parede de um rio.
Onde está o rio, afinal? O erro é o de se julgar que a Beleza não pertence às pessoas, mas à própria Beleza. Por isso, na Cidade Administrativa Tancredo Neves, provavelmente a última grande obra de Niemeyer, as salas para lanche, entre os espaços abertos de trabalho, não têm luz natural. Ora Niemeyer parece não saber que um esguicho de água, que é curvo e um raio de sol, que é recto, se encontram num mesmo plano, sem se cruzarem.

24.7.10

L - (Re)Leituras - l'Incandéscent, de Michel Serres, por André Bandeira

Eis um livro bem francês, deste Professor de Stanford, especialista na História das Ciências, e com grande estrutura matemática. É um livro chato, apesar das técnicas modernas, de Televisão, que emprega,mas sempre sugere algo interessante para as Universidades. Com um são universalismo francês, um pouco histérico, celta mas generoso, Serres propõe, ao fim, um ano básico em todas as Universidades do Mundo, em que se começaria por uma História unificada das ciêncis «duras» e se acabaria com princípios de Linguística e o mosaico de culturas.É muito interessante, vindo de um bom Professor como Serres. Mas o seu livro, um pouco autobiográfico e já no Inverno da Vida, não traz muito de novo, em doutrina, que valha a pena repetir. O mesmo princípio de Prigogine, contra Einstein, ou seja, o da entropia e da direccionalidade do Universo; umas frases francesas muito bem apanhadas como a de que a Ecologia é uma nova domesticação; uma dúvida constante, como a se o Big-Bang existiu ou não (mas sempre pressupondo-o como quem diz «Bom, eu não sou crente, mas...»); a Biotecnologia como o perfazer do Neolítico; e uma graça que nem ele notou e faz pensar: dadas várias fotos a uma macaca, Sara, para ela separar (animais, plantas, pessoas que ela conhece, e ela própria), a macaca separa, dum lado, macacos, animais e plantas e, no outro lado, as fotos dos cientistas e ela própria. Serres -- que à boa maneira gálica, faz ataques de todos os lados à Verdade -- talvez toque a Verdade, de vez em quando, no meio do texto. A macaca não revelou nada de abstracto para os cientistas anotarem. Ela amou quem lhe perguntava, no «critério» que usou. Pois é: ciências, julgamentos, modas, ideias. De cada vez que somos confrontados nesta breve existência, nós e os macacos, não queremos é que nos batam. Realmente, o calor do afecto é que é bom. De resto, são tudo modas: Serres vem do campo, é gascão e occitano(zona de Bordéus) e é um bocado parôlo, como a França desde que estabeleceu a sequência maluca da Revolução francesa e do Império. Ao falar dos pais e, depois, do Big-Bang, Serres exprime sem o saber que fomos todos sujeitos pela Cultura e pela Ganância, a uma amputação das nossas raízes, a qual nos fez, até, assassinarmo-nos entre irmãos. Realmente, os piores ódios são aqueles dentro de uma família, até porque passam de geração em geração, sem Guerra aberta.
Enfim: nem tudo o que se publica é diferente das modas e das Artes. Asseguro-vos que é mais fácil entender os mistérios da Ciência de Stanford, estudando as modas da Belle Époque na Europa, do que procurar um curso de Física quântica. E Serres sabe-o. Em prol da Paz, que ele não teve no país, nem na Família (como muitos de nós), ele propõe como parte final desse «Primeiro ano Universitário» universal, a contemplação das Obras de Arte catalogadas pela Unesco.

19.7.10

XLVIII - (Re)leituras -- Cristiano Ronaldo pai, por André Bandeira

Cristiano Ronaldo anunciou sucintamente que foi pai. Já tinha avisado. Anunciou, pediu poucas perguntas e guardou a identidade da mãe. Conhecemo-lo pelas muitas namoradas que teve. Não foi o brilhante jogador que esperávamos no Mundial. Mas foi pai, pai solteiro, sem discutir, sem fugir às responsabilidades, sem dizer que não tinha idade, que não tinha uma situação familiar, tenho a certeza que não pediu à mãe do bébé para abortar. Foi pai e acolheu o menino que lhe nasceu, como uma bênção do Céu. É certo que tem uma família à sua volta, a qual poderá cuidar do menino com amor e não lhe falta dinheiro para atender às necessidades dele, durante os primeiros anos de vida.
Cristiano Ronaldo não diz os disparates dos campeões que se sentam ao nosso lado e que se cruzam connosco todos os dias, como no poema de Fernando Pessoa. Diz que se arrepende de coisas que fez. E diz que herdou da sua mãe a tenacidade e de seu pai -- curiosamente -- a bondade e o amor pelas pessoas. O seu pai, humilde pessoa da Madeira, morreu com câncer e Cristiano Ronaldo tentou tudo para o salvar, embora o dinheiro que tinha não chegasse. Quis ser pai como o seu pai foi pai dele.
Tenho a suspeita que, embora Cristiano Ronaldo goze de uma situação que muitos pais não têm, antes de pensarem no aborto, não duvidou uma vez que fosse assumir aquele nascimento e, com isso, fiquei com a suspeita que Cristiano Ronaldo, na sua simplicidade e na sua nobreza, foi campeão mundial e fez Portugal campeão mundial.

15.7.10

XLVII - (Re)leituras -- Descolonização Portuguesa - o malogro de dois planos, de Carlos Dugos, por André Bandeira

De novo retorno aqui a este meu caminho, levantando um pé, de cada vez, cheio de livros e de inscrições. É um caminhar pesado mas o caminho faz-se caminhando, não é? Olá a todos, aos que lêem, aos que comentam e aos que olham...
Este livro de 1975, seria um livro chamado de reaccionário. E, contudo, como ele, sinto-me como se tivesse levado um bofetão de um espírito, num corredor escuro da minha casa. É um livro de um português de Moçambique que nos diz, de uma forma muita clara e concisa tudo o que aconteceu. Havia dois planos para as Colónias portuguesas: o plano de Spínola, chamado de auto-determinação e o plano de independência, do Partido de Álvaro Cunhal. Spínola perdeu e perdeu-se. Mas o 25 de Abril tinha sido todo feito para resolver as questões das Colónias, em particular Angola. Angola e o Zaire são metade de África e metade de África é um domínio enorme do Mundo. O plano de Cunhal venceu e ele perdeu-se e perdeu-se a URSS. Ficaram guerras civis, de que nunca conheceremos os mortos, tiranias e explorações de fazer corar os antigos. E ficou uma esperança de liberdade e dignidade em que, afinal, só os fortes é que ganham. Ai dos vencidos!O autor diz uma coisa muito simples. Escrevera-o em 1972, mas foi censurado: depois da libertação das Colónias, quem libertará Portugal? Sim. Portugal sobrevivera graças à sua quase miraculosa expansão marítima. Já Norton de Matos pensara numa Federação portuguesa em que o Brasil teria uma parte importante. E D. João VI. Já o próprio Marcelo Caetano pensara numa auto-determinação das colónias em que, a independência inevitavelmente se seguiria e só ficariam os laços morais e culturais. Hoje, por mais que forcemos, num só dia mau, todos esses laços podem ser cortados e, quando resta um só, alguém vem para a rua exigir que se o corte também.
Meu Deus, que desperdício, que crime até! Será que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é assim tão importante?! Será que é preciso encontrar na Lei um lugar para tudo, só para que a Lei regule os mais ínfimos pormenores da nossa vida?!
E tudo o que este livro diz é verdade, brutalmente verdade, mas agora é tarde demais. E eu próprio me sinto horrorosamente culpado...
Meu Deus, Portugal bateu-se por um mundo demasiado tímido para sobreviver e, afinal, o mundo arrogante dos Russos desfez-se pouco depois e o mundo arrogante dos norte-americanos, arqueja mortalmente ferido. É isto tudo um delta de histórias triste que acabam todas tragicamente?!
Que poderemos fazer para ainda dar sentido à nossa existência como algo que não apareceu por acaso, algo que inclui responsabilidade pelos outros? Algo que ainda passará como os que se foram antes de nós mas de que nos lembramos, até com carinho.