2- “Viva Maria! Viva Maria, nossa Mãe!”, o refrão de um cantor, na mesma Igreja, com uma voz ligeiramente rouca. Parecia uma daqueles rapazes de classe alta de Lisboa, que já não têm voz para enfrentar um Mundo rude e réptil, e que começam a dizer coisas “frescas”, sem muito nexo ( ou com muito!) como um espadachim que prolonga aos tropeções a sua queda, antes de ser atropelado pela brutalidade dos tempos. Mas ainda uma Voz capaz de aquecer o coração de quem ouve, com a sua lealdade ascendendo para o teto, com o seu timbre de pureza. De um tempo em que vozes como aquelas ainda pediam uma rapariga em casamento e sabiam sofrer por amor quando eram recusadas.
3- “Quem é honesto não sai da cêpa torta!” dizia uma mulher num quiosque da Praça do Comércio. E acrescentou que “se eu fôsse governante, um dia apenas, limpava isto tudo!”. Senti-me um pouco tocado, eu que escolhia e deixava à vista, diligentemente, livros em quinta mão, a um Euro. Quando levantei a cabeça, e vi o estendal de revistas pornográficas que rodeavam a vendedora, como lamaprinas votivas em torno de um guru hindu, estive para lhe dizer: “ Olhe , minha senhora. Comece por limpar isto tudo, aqui do seu estaminé!” Mas, depois, ao olhar de soslaio para as raparigaças das capas, bem alimentadas, saudáveis e sorridentes, percebi que estas imagens multiplicadas são símbolos modernos de fecundidade e que a gente fica bem-disposta quando se alumiam na televisão, ou nas paredes, como se, num vale aos nossos pés, pascolasse uma manada ou uma seara madura nos bafejasse os olhos.
4- “Ela ficava mais contente, se o marido dela a tivesse traído com um homem do que com outra mulher!”. Reconheci a voz dolente duma loira portuense que viajava na minha carruagem de 1ª Classe, ao lado do seu companheiro, um brasileiro intelectual e frágil, como um português do Séc. XIX que dominara quase completamente o sotaque tropical. Aquela voz dolente enchia, desde os primeiros rumores, até às conclusões, a carruagem, enchia-a com doença. Era uma dessas namoradas do Porto, abastadas, como um eterno pôr-de-sol na Foz onde o próximo passo, depois do Sol desaparecer, é cair abaixo da Ponte D. Luís. Tinha um ar de lantejoula de arte-nova, escondida na sua discrição envolta, como uma herdeira com casa de Verão, na Granja. Lentamente, ia tecendo uma malha de queixumes em torno da sua arrogância de Burgo, com uma série de dolências amorosas, de carências de ser punida e de ser amada ao mesmo tempo e ainda um brio em roer a base do mundo se não o conseguisse. Valia tudo naquele queixume que rapidamente declinava para uma zaragata: pôr homens e mulheres em posições degradantes para que, no azedume geral ( como um pôr-do-sol na Foz) pudesse adormecer (ou morrer descansada) na mesma cadeira de damasco, em que as senhoras do Porto, nos áticos, escutam sem ser vistas, as vozes da rua. Ao lado, o brasileiro ( ou direi melhor: o luso-brasileiro), como um homem jovem seduzido pelas ideias generosas do 25 de Abril, geria a sua fragilidade, sem saída possível.
2 comments:
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