2.2.06

A Encíclica de Bento XVI, por andré bandeira

Li a Encíclica “Deus é Amor…” a qual, pelo menos pelo título, ficará na Memória como o sêlo de um Pontificado católico, a Ocidente, na franja da Eurásia, nas margens do rio Atlântico, onde a corrente flui ao contrário.

Eu gosto deste Papa. É claro que estava à espera que quando surgisse à varanda, tivesse surgido um de pele mais escura, como negra são todas as côres concentradas antes da alvorada ( é que não páro de esperar pela alva anunciada por um galo negro, em chamas).

Gosto dele, porque, como S. Tomás, o que um homem sábio verdadeiramente arrisca, é chegar ao fim e ver o inútil de de todo o seu saber, saltar para uma nuvem do Céu e dar um pontapé na escada.

Gosto dele, até de ter sido soldado alemão e mais ainda de ter desertado, sem vergonha nem reparo, do seu olhar bom e apesar do seu sibilar alemão e da sua mania do Amor e porque gosta de gatos – eu, que sou homem de cães, sei que os gatos apenas nos toleram ( Só muita humildade para os imitar).

A Encíclica é, como de costume. Linguagem simples branqueada, sobre um convexo edifício teológico que, agora, junta a um certo pedantismo do grego, um bocado de hebreu. Eu sei que os alemães têm um machado de sílex nas costas, como o demonstrava Julius Streicher, em Nuremberga, dizendo que aprendera a ser anti-semita, de cada vez que entrava na catedral de Colónia. Mas falar do Amor em escalas, como quem joga com as palavras, em arte socrática, à qual se dão os padres, como outros jogam com cartas. Na verdade, fala do Amor como um código para a corporação que Ratzinger elegeu à sombra de João Paulo II, como sendo a sua missão. Do que para aí se diz da Encíclica, malhando na Modernidade ou seja, que “Amor”é palavra demasiado preciosa para se escrever nas portas das casas-de-banho, pouco encontrei.

Mas se não encontrei, é por tradição gibelina, de que a espada virada ao contrário é uma desesperada imitação do madeiro de Jesus, dos que não queriam dilatar a Fé ( pudessem tê-la todos os dias!) mas porque tiveram de preencher o vácuo das boas intenções.

A Encíclica fala do Amor a dois tempos, como quem nos encarcerasse na pergunta, fala em ambivalências. Mas fala também do Amor, de um modo demasiado teórico, como da Ordem do Dia dum convento se tratasse, cita coisas banais de Sto-Agostinho que mais o pintam de maniqueu lógico (se comprendêssemos Deus, não era Deus) e termina em Teresa de Calcutta que luta, além da Morte, por ser Santa, como lutam as massas dos miseráveis e dos excluídos por nos salvararem, almas preguiçosas de Ocidentais.

Mas o Amor – como diz a Encíclica – é danado para a brincadeira. Toma-nos sem pedir licença ( a rapariga que diz que está a cair, já está caída de todo, o rapaz, quando se irrita com Fulana, já está completamente à defesa). E sei que Amor tomou o Papa Bento XVI, que mais que ele lutasse a vida toda por quadrar o círculo, nunca conseguiria doutrinar o Amor.

Bendito seja, pois, Bento, bendito seja o Amor por todo o lado.

O problema é que a Encíclica, com um catálogo tão extenso de sentidos, para o Amor, faz-nos de certeza pensar nas lésbicas, nos homossexuais (problema que afligiu a Igreja) e sobretudo no sentido de Monique Wittig, da Universidade de Périgord, ou seja, no lesbianismo, como toque a reunir dum exército de mulheres mal-tratadas, em auto-defesa. Ora , este Amor também é possível, por muito que me custe e saia, assim, de rastos, com as ilações que se podem tirar da Encíclica...

Tudo terminaria aqui se não houvese um pequeno gesto de Graça e de Amor, na Encíclica, em favor de alguém que sempre admirei e que, tenho a certeza, Bento XVI também admira: Juliano o Apóstata. Ora a Encíclica diz de Juliano exactamente o que era preciso dizer: que o pequeno Juliano viu os pretorianos, sob as ordens do mui cristão Constâncio, massacrarem a sua família. Juliano não era um homem de família, nem de vendetta. Era um solitário, meio fascista, meio comunista. O que Juliano rejeitou sempre foi o massacre e , por isso, voltou-se para o Sol ( que, na sua mente, talvez fosse o antónimo de massacre – inventem uma palavra, nenhuma me ocorre).

Juliano pretendeu fazer racional a caridade, empenhar o estado com todas as suas forças, na Caridade. Que é isto? Um amor “lésbico”por Juliano?! Um meio caminho para considerar a “diferença sexual” do Código Civil uma simples questão de comportamento e pouco de fisiologia? Não, o que tem é que a admiração por Juliano é outra forma de Amor que nos tomou.

Talvez Bento XVI, escreva um dia uma Encíclica em que Deus é também a Terra e o céu inteiro, num dia de Sol.

É que eu gosto deste Papa, porque até ao fim acumulará palha em torno do mesmo altar. É isso, que devemos ser. Diáconos incansáveis.

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