27.12.05

Filosofia Política e pensamento matricial

Começo hoje a publicar em série a minha comunicação no recente do Congresso Internacional de Filosofia em Braga. Para os mais distraídos, a Faculdade de Filosofia de Braga, sob o impulso de Porf. João Vila-Chã, reuniu mais de trezentos especialistas ( dos quais metade portugueses, metade do resto do mundo) e publicou os resumos das comunicações num número especial da Revista Portuguesa de Filosofia que comemorava 60 anos
Apesar de não ser matéria muito bloguítica, aqui fica para os interessados.

1. A experiência de vulnerabilidade

Os acontecimentos históricos do nosso início de milénio, a culminar tendências de longo curso encetadas na segunda metade do séc. XX, tornam premente que a filosofia política apresente as experiências decisivas, as questões relevantes e as respostas orientadoras da humanidade contemporânea, adiadas pela sabedoria convencional. Esses elementos dispersos nas obras dos verdadeiros pensadores do século XX - criadores de verdades e destruidores de mitos - dificilmente encontram eco numa época como a nossa que já não acredita em ideologias - porque a ciência desmistificou os respectivos fundamentos unilaterais - mas que vive e pensa recheada de detritos ideológicos sem um pensamento matricial capaz de acolher contributos de metodologias diversas.
Para os “optimistas” a última década caracterizou-se pela expansão da democracia, tecnologia, economia de mercado, sociedade de informação e tentativas de paz pelo direito. Para os “pessimistas” - os “optimistas informados” - persistem as tendências negativas: guerra não declarada, genocídios, pobreza, novos fundamentalismos, degradação ambiental, desemprego, esvaziamento do significado do trabalho, e doenças sociais de que o SIDA e o consumo das drogas são óbvios exemplos.
As ilusões que as tendências históricas podem ser sintetizadas por um determinismo sobre “o sentido da história” não desapareceram na última década. Alguns usaram as fórmulas optimistas de "nova ordem" e de “fim-da-história”, com evidentes ecos hegelianos filtrados pelo “hobbesianismo primário” das correntes anglo-saxónicas. Também surgiram as visões pessimistas do “choque de civilizações”, uma variação pós-hegeliana culturalista. Os “transitólogos”. falaram de “compromissos pragmáticos” - a transição das sociedades já não para “amanhãs que cantam” mas para os mercados ditos “livres”. Em todas esta variantes, a persistência positiva das comunidades ocidentais foi justificada e legitimada - em contraste com o defunto totalitarismo soviético - não pelas suas virtudes sociais e políticas, mas pela satisfação das ambições materiais dos seus cidadãos.

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