A certa altura, o Pensamento começa a ficar o que é: pensamento. E, por isso, começa a ficar silencioso.
A certa altura, o bom pensamento começa a ficar acção, silenciosa. Porque as palavras, muitas vezes suscitam a desconfiança de quem aprendeu a lei de que quanto mais se prega uma coisa, menos se a faz. E, se as palavras dão a volta ao todo, as acções ficam-se pela parte, mais humildes, menos conhecidas. De A a B, o caminho é comprido. Talvez Santiago nunca tivesse estado em Compostela, talvez Nossa Senhora de Fátima fosse a filha do Profeta. Mas, do caminho que o peregrino faz sózinho, nem um passo se perde, nem uma gota de suor, nem um espasmo de costas são
As palavras têm que ter ritmo, para dar ritmo ao pensamento. E o pensamento, por fim, cessará de nos cansar, de perseguir a própria cauda. Dará lugar talvez ao Verbo Daquele que é e que foi. E que será. E faremos uma tenda para ficar ao pé Dele. Eu sou! Um ser humano. Eu sou! Um ser humano. Diz o canto comanche. E outro diz: Todo o dia é bom. Porque estás vivo. Todo o dia é bom. Porque estás vivo.
Bendito seja o caminho de A a B, que nunca terá reconhecimento. Muitos se encontram pelo caminho. Uma senhora que tenta passar à frente, aflita e que, depois, de passar, fica para trás de todos, correndo com o seu saco pesado. Dá-lhe a mão. Mesmo que te atrases, pois o momento da tua chegada é outro.
Na fila para comprar bilhetes, um africano jovem dá o golpe. E um velho romeno quase perde as estribeiras, na força da idade, quando teve que ser trôlha num país estranho. Um jovem rico pergunta a um japonês se ele espera na fila para comprar um bilhete para a China. Depois, o japonês, humilhado, ameaça com um gesto de artes marciais (que se vê que domina como andar a pé) o africano, que invoca a mãe doente, para ultrapassar quem espera há horas. Eu sou. Um ser humano. Eu sou. Um ser humano.
Venho dali e vou para longe. Como é pura a concha que o peregrino de Santiago leva sobre o peito. E puro é o mar que deposita esta sua pérola na solitária montanha.
São Tiago: peço-te que salves a minha amiga Mílvia. É o único amparo do meu amigo Roberto. Sim, que era fascista e filho de fascista, e tremeu com o pai, de espingarada na mão, contra os partigiani. E que chegou a vice-Director dos Correios de Roma e que se recusou a acatar a ordem de não dizer a uma centena de funcionários, que iam ser despedidos. E que, mal saíu da sala, sabendo o que o esperava se o fizesse, chamou os delegados sindicais e disse-lhes que dissessem aos seus associados o que ia acontecer. E que, a dois anos da reforma, acabou como caixeiro. Mas que ainda hoje, o delegado socialista e o comunista, o vão visitar e se pegam a discutir pela tarde inteira.
Santiago, do caminho solitário, Romeiro dos Romeiros, Deus deu-lhes uma vida difícil. Um filhito que nasceu prematuro e não mais filhos, quando morreu. Uma casa para pagar que os fez passar fome.
Santiago, salva a minha amiga Mílvia, como a batalha da ponte de Roma em que todos, não apenas Constantino, vimos uma Cruz no céu.
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