18.7.05

Acabou-se a Festa! - De Viena por André Bandeira


Visão em Viena, ao contemplar uma gravura do Kaiser Franz Joseph, a rezar

Ebbers, o antigo boss da World.Com, de sessenta anos, foi condenado para o resto da vida. Chorou. A juíza era uma mulher senhora do seu nariz e espetou-lhe com a justiça social, dos pequenos aforradores da “New Economy” ou das minorias como a dela, a das mulheres donas de casa com êxito profissional. O grandalhão, que fora porteiro de discotecas, comera e dormira muitas vezes mal mas não pertencia a ninguém conhecido, nem se escapara a tempo.

Mohammed Sadique, o gigante bom, partiu de Yorkshire em 7 de Julho, com uma mochila às costas. Não ia de Inter-Rail, a dormir nas gares. Era um rapaz escuro, feião, de bom coração, que ajudava moços aleijados a aprender a nadar ( como Baruch Goldstein curara muitas das vítimas que metralhou de costas, no túmulo dos patriarcas). A ele e aos amigos tinham-lhes fechado o campo de futebol onde os paquistanese de Segunda geração, cujos pais se limitaram a aprender ‘cricket’ como cadis e mordomos, sonhavam já com a glória mais simples e mais directa deste mundo: a de Pélé. Os mestiços da escravatura têm o Pélé, os crioulos do genocídio dos índios tinham o Maradona, os latinos ‘white trash” tinham o Che Guevara, os islâmicos em fuga, só têm o Bin Laden, porque não acreditam nem em Hussein, nem que o Mundo ficou ao contrário depois da batalha de Kerbala…

Germaine deixara há muito de acreditar na profecia Rastafari de Bob Marley, do retorno do Jah People a Siam, onde um Negus de Ouro, imortal, guardaria o Templo dos justos, e juntou-se aos modernos MRPPs, com um líder de olhos parados, como um perplexo sem Maimonides, pelas grutas de Tora Bora. Como as cem túlipas negras que foram cortadas de um só golpe em Mazar-I-Shariff quando tentavam uma Grande Evasão. Como eles, teve mais realização que a de Johnny Walker Lindh…he kept walking …até King’s Cross.

O petróleo sobe, os furacõs rugem, a terra seca ou arde, três ciclos económicos como três cavaleiros apocalípticos aproximam-se do seu ponto mais baixo em 2006/2007. Com eles vêm, ao que parece, as costumeiras manchas solares dos tempos difíceis. Donald Rumsfeld mostra sinais de impaciência. Já viu isto tudo antes mas os outros teimam e ele mexe a boca como um ancião irritado. Não tarda nada, passará apenas a exclamar, como o velho Buddenbrook: “É curioso!”.

Não sei se os terroristas não são covardes. Sei que não são medrosos. Mas covarde, sumamente covarde é a sua dominação do medo, fechando os olhos, suspendendo a respiração e adormecendo tudo com um “clique”, daqui para o Paraíso. Fim de Festa. A TV apagou-se ao cabo de um enorme sábado desocupado na poltrona que fôra estreada nos fabulosos anos sesssenta. Para os fabulosos anos sessenta só restam mesmo as festas do “OLÁ Semanário”.

Lembro-me de uma jovem empresária da “New Economy’ que, quando se pensava que a SIDA já estava dominada e com uma magreza acutilante de falta de pai, profetizava : “ O prazer vai regressar!”

Em vez do prazer, regressei eu de Viena, de um Seminário sobre África, da International Peace Academy e da Favoriten Akademie onde ouvi, de boca aberta, o seguinte:
n Arranjar um Homem, em África, com uma Kalashnikov, pronto e sapiente em usá-la, custa 70 dólares
n O processo da ONU, de pagar a bandos armadas para se desmobilizarem, começou em 1989, em Moçambique
n Os pagamentos devem ser feitos logo a seguir ao acordo de paz ( no máximo, 6 meses) a quem quer que surja com uma Kalashnikov ou uma bazuka, mesmo crianças, velhos e mulheres, para que se ganhe um tempo precioso. O perigo não são as armas ferrugentas mas as tribos em movimento. Em Angola calhou mal pela primeira vez e - disse-se - morreram um milhão de pessoas(!). Mas há que continuar, disse-se também.
n Todos os processos de paz em África estão por um cabelo. Só parece sobreviver o da África do Sul e o do Burundi ( três exércitos integrados) mas este, altamente volátil.
n Em 2003, na Libéria, foi evitada mais uma tragédia, por uma unha negra, sem que o Mundo sequer se apercebesse. Há tantas, para lá.
n Só há processo de paz com desenvolvimento sustentado e se as fronteiras forem seladas. De outro modo, os desarmados reaparecem armadas até aos dentes, crianças emergem da selva em arrastões, com Kalashnikovs novinhas em folha.

A Agenda “for Human Security” de Lloyd Axworthy prometia que o dilema Segurança/Justiça seria resolvido pela autonomia individual. O “Millenium Project” prometia uma injecção massiva de fundos para África e outras regiões degradadas. O mesmo prescrevia a “Partnership for Africa’ de Gordon Brown e, em geral, a estratégia Nacional de Defesa de Condoleezza Rice e do Pr. Bush. A União Africana de Tabo Mbeki e de Kadhaffi prometia um renascimento do Continente.

Acabou-se a festa.

Não vai haver nenhum “regresso do prazer”. Depois das manipulações racionalista e materialista, do Woodstock, da Ecologia e da ‘New Age” não restará nem um bocadinho de mente sã, ao fim de um bilhão de imagens passadas em “zapping” pelos nossos sentidos. Tudo o que parecia sagrado não permanecerá mais que um segundo na nossa mente, um fantasma virtual, como um spot publicitário: Platão, Buda, Jaina, Jesus, Moisés, Confúcio, Shun, Fu & Lu…

Nos últimos (destes) tempos aparecerão seres que se assemelharão a Messias. Serão aparentemente bons, justos e curarão com as mãos (leia-se: com os sentidos). Cada dito ou gesto na rua parecerá a intervenção de uma nova Providência ou Profecia, no quotidiano, cada momento parecerá, finalmente, o umbral do estado de Graça.

Depois de horas preguiçosas entre ruas sem nome mas cheias de bancos de parede que lançam notas de Euro a toda a hora, carros velozes que ronronam como os ribeiros do Paraíso, depois de corpos belos de jovens em frescura permanente…teremos súbitas ordálios transcendentes, que nos deixarão vitoriosos e saciados em tardes quentes, gozando as delícias de um final feliz, várias vezes ao dia. Nos semáforos piscaremos o olho e diremos” eu sou o ‘último Homem!”. Como no "Assim falava Zaratustra"!

Mas, oh Legião em que te tornaste: já contaste se tens dez pensamentos sãos dentro de ti? Ah! Não olhes para trás, Lot! Obedece uma vez na vida.

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