13.7.05

Duarte Lima recuperou: Meditação sobre os poderosos, por André Bandeira


Soube, ao tomar um comboio do Altar para o Trono ( de Roma para Viena) que Duarte Lima recuperou da horrível doença que o afligia. Fiquei muito, sinceramente feliz!

Neste tempo de loucura sanguinária, de jovens desenraízados com uma imagem luciferiana de Deus e Governos enlouquecidos pela vã gloria de mandar, é preciso lembrar que estas doenças não acontecem só aos pobres e explorados da terra. Nem que só acontecem aos dirigentes como provas especiais de Deus. Sejam os inocentes de Bophal na India que já vão no 16ºto milhar de mortos pelos lixos tóxicos da Union Carbide, a qual se escapou com uma choruda indemnização ao Governo de New Dehli, ou os inocentes do paraíso socialista de Chernobyl ou, ainda, os inocentes do país mais livre do Mundo, onde uma das criações da "liberdade" , a Philip Morris, cancerizou os clientes, durante décadas, com um tabaco especialmente viciante...nenhum destes casos esgota as surpresas dessa grande igualizadora que é a Morte.

Espero que as lições de sabedoria que Duarte Lima recebeu durante este calvário possam ser postas ao serviço do Bem Público. Assim como Deus o permitiu sobreviver, Deus permitiu-lhe ser um dirigente político importante antes do calvário ter começado e, por isso, lhe indica que deve continuar.

Não gostava dele. Era arrogante e gelava os jornalistas, quase todos de Esquerda, nos tempos de Cavaco, com aquela sensação que antecipava algo hoje geralmente consabido: que a linguagem pública não celebra a liberdade mas que abafa, que todos os sons humanos, em vez de libertarem, prosseguem estratégias fechadas como um ovo. Quando não se diz nada, ao menos sempre se pode comunicar pelo tom de voz e por uma cara que deixa ainda mensagens humanas, quando a manipulação não chegou aí, ainda. Ora Duarte Lima gelava com o seu olhar impante, as suas respostas sibilantes.

Recusei um dia um seu favor, oferecido por uma amigo comum, como recusei depois o de um conhecido Embaixador socialista, trazido por uma namorada. Regressado do Grande Ultramar, mal com os homens e bem com o Rei (por agora, a Consciência) respondi-lhe do modo que outros me ensinaram: quem me protege, depois, dos meus protectores?

Mas estive, em espírito, com Duarte Lima, quando ele, abandonado pelos Homens e lutando talvez com a terrível tentação de que fora também abandonado por Deus, tocava órgão em Igrejas vazias.

A Morte não nos torna, nem todos iguais, nem todos diferentes. Torna-nos todos Outros, num para-além sobre o qual os discursos são de pouca valia, algo que não sabemos mas que esperamos como o pai do filho pródigo, de coração partido, esperava a sua reconciliação familiar.

Bem ou mal, alto ou baixo, belo ou feio, todos lá vão. Mas não devemos evocar a Morte como o faziam alguns dos mais belos poemas encontrados nos uniformes dos paraquedistas das SS, porque não é por invocarmos Deus a todas as horas que temos mais sorte ou por invocarmos a Morte que gerimos o azar. A Morte nivela tudo a um grau que exige silêncio e uma humildade infinita, uma confiança infinita...

É por isso que, se o Destino nos impediu de morrer agora, nos devemos concentrar nas coisas mais simples, como os japoneses arrebanhados para os aviões Kamikaze colhiam ervinhas do chão, a despontarem entre o betão das pistas de descolagem. Devemos colher até o que Duarte Lima conseguiu como figura pública, toda a sua enorme experiência política e Humana, como algo salvo das águas. Devemos ver positivamente tudo, aproveitar tudo o que existe pela riqueza enorme de tudo quanto vemos, contra a enormidade cósmica de tudo quanto não vemos, nem sabemos.

Bem-vindo sejas de volta, Duarte Lima, obrigado por teres sobrevivido, Irmão. Para lá do Marão da Morte, mandam os que lá foram!
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