12.10.05

Ao pé da janela de Miguel de Vasconcelos com Álvaro de Vasconcelos e José Calvet de Magalhães

Mostrar os Dentes sem Rir
“ Durante os anos todos da minha carreira, nunca precisei de mentir” Embaixador José Calvet de Magalhães, Curso de Adidos de Delegação, em 1988
Diz-se que um Ministro dos Negócios Estrangeiros não é um Diplomata, no livro ”Conversas com José Calvet de Magalhães – Europeístas e Isolacionistas na Política Externa Portuguesa”, de Álvaro de Vasconcelos ( Bizâncio, Lisboa, 2005). Subentende-se também que um Diplomata não é Ministro pois não lhe cabe definir a Política Externa.
Ao longo de todo o livro, o falecido Embaixador Calvet de Magalhães mostrava opiniões muito marcadas sobre alguns personagens, polarizados em “isolacionistas” ou “europeístas”. Parece que – como se verá mais adiante – devido a um subtil paradoxo de ideias, que se preferiu discutir pessoas, com todos os riscos do subjectivismo. Mas a Experiência, por si só, ou não é Sabedoria, ou sabe esconder esta última muito bem e não é uma agenda geopolítica, com um pressentimento inquieto, quem a desoculta.
Dá-se no livro um conceito agressivo de nacionalismo, defendendo mesmo o entrevistado, a repressão de movimentos nacionalistas. Esquece-se o papel unificador e pacificador de muitos nacionalismos os quais, no livro, são livremente associados com tribalismo. Mais: as nações grandes teriam nacionalismos internacionalmente perigosos, enquanto as pequenas, tê-los-iam talvez perigosos só para si próprias.
O que é europeu é bom. Diz-se que o reino mouro de Granada tinha “muito de europeu”. Ora o Islão, desde Bali até à Sibéria teria muito em comum menos ser “muito europeu” mas se os Mouros foram expulsos de Granada, foi por alguma razão europeia que não lhes dizia respeito. Como os Almohadas e os Almorávidas, parcialmente gerados na Pérsia e na Mesopotâmia e que floresceram no Sul da Península ibérica, como os mouros negros que de lá foram até Veneza.
Álvaro de Vasconcelos lidera a conversa dizendo que, durante o Estado Novo, os inimigos do americanismo eram os mesmos do europeísmo e que, hoje, também são inimigos de Espanha. Ou seja: deixa induzir que, se formos europeístas hoje, seremos pró-espanhóis. Os salazaristas eram anti-europeus e, por isso, eram anti-americanos porque a Europa, em suma, é como a América.
Filipe II era português e Portugal sobreviveu a três reis espanhóis, diz-se. Pois. Filipe I de Portugal mandou matar um Almirante de seu nome de baptismo Diogo, que desembarcou da Índia, pouco depois, para impedir a usurpação da Coroa portuguesa. E permaneceu um personagem desconhecido, até quando, há alguns anos, um grupo de escultores, tentou erigir-lhe uma modesta estátua. Enquanto Carlos V falava espanhol com Deus, francês com as mulheres e alemão com os cavalos, Filipe não falava nem português, nem asturiano, nem catalão.
O entrevistado era contra a Europa da ponderação dos votos porque queria uma Federação de Nações, à americana, em pé de igualdade. Então como é possível federar se as Nações são tão más e o nacionalismo péssimo, sem que se faça um Directório? O entrevistado é, claro, um idealista. Mas Franco Nogueira também era, só que mais aguerrido. No Idealismo do entrevistado tudo é óbvio até o paradoxo, que ele confunde com Lógica, por ser claro. Confundir claridade com verdade é um erro antigo e entregar aos outros paradoxos bem formulados é uma arte retórica e cortante.
Mas Álvaro de Vasconcelos explica-lhe que a ponderação dos votos é importante para legitimar a Federação europeia. Pois é: a democracia pode agora transformar o Homem em Mulher, o feto em aborto e o abeto em cinzas. Diz muito bem Vasconcelos que estamos como alguns intelectuais lusos, na iminência das invasões francesas. Sim, podemos até chegar a estar como a Casa dos 24 na iminência da invasão espanhola, como os pomos de Adão dos notáveis de Lisboa ante a tesoura de Fernão Vasques, em 1385, ou Miguel de Vasconcelos perto da janela. Sim, ao contrário dos revolucionários republicanos de Nápoles, em 1793, como o Almirante Caracciolo que se lhes juntou quando já estavam perdidos, como Gennaro Serra Di Cassano ou a nossa “Lénor” Fonseca Pimentel que não esperaram pelos franceses para dar o cabedal ou que o deram definitivamente, mesmo depois dos franceses partirem. A questão é de carácter e não de política.
Os federalistas estão em dúvida.É que uma Nação se faz de luta, com carácter, em vontade e circunstância. Um Amor não acaba porque a Beleza passou.
As Nações não se medem aos palmos. Se o Embaixador (de quem guardo a mais grata memória e cujo exemplo - citado acima- me forneceu argumentos em situações difíceis da vida) achava óbvio que tudo o que era europeu era basicamente bom, talvez não se tivesse posto nos sapatos de Franco Nogueira. Assim talvez tivesse reparado no que este vira: nem tudo o que era nacional, era europeu.
Mas como poderia o Embaixador Calvet de Magalhães querer que as Nações europeias se federassem em pé de igualdade? Na América, os Estados tinham de americano e em comum a Idade da Pedra, enquanto na Europa da Reconquista, quem sabia grego eram não-euroupeus, circunstancialmente adiantados quatro séculos.
Em suma: os que querem fugir das determinantes nacionais, passam-nas em silêncio, outros são mesmo capazes de as deturpar. Uns dizem-se descomplexados porque não aprenderam a dançar. Os outro permanecem simples e herdarão a Terra sem precisarem de a federar.
No tempo de D. João V, um terço da população de Lisboa era negra. O Fado é uma canção de origens directamente africanas. Somos gregos e fenícios, romanos da diáspora, celtiberos que se estenderam de Marrocos à Líbia e Atlantes por pressentimento.
No livro, os interlocutores acabam por concordar que, se a Diplomacia é fazedora de Paz, a Política Externa também inclui a Guerra. Koffi Annan não diria mais. Mas já o clássico Harold Nicholson falava em “Kraftprobe” e “Shop-keeping” na Diplomacia, muito antes de se passar à Guerra, que foi assunto sobre o qual não discreteou.
Diplomacia não significa dizer apenas o que é agradável de ouvir, mostrar os dentes sem rir. Franco Nogueira foi um grande Diplomata, não nos queiram induzir o contrário.
O luso-tropicalismo não era a solução mas decerto que continua a fazer parte dela. Hoje, Portugal e Espanha não liderarão nenhum processo de ibero-americanismo, apesar das línguas de origem peninsular crescerem pela América acima, porque fizeram precipitademente uma opção europeia, cujos contronos não estavam definidos ( e assim permanecem). Contudo, a Latinidade não acabou com a tragédias como a de Mussolini.
Filipe II era português mas D. Miguel era espanhol, diz-se no livro. Pois, D. Miguel foi o líder porque D. Pedro era tão mau que foi reinar para o Brasil depois de ser corrido a pedrada pelo povo de Lisboa, e ter deixado apenas o coração, quando já ninguém o queria, no Porto. Insinua-se que Salazar era miguelista. Sim. E também o Povo que suportou Salazar, que cria em Spínola e que votou em Sidónio Pais ou em Eanes. O Rei é apenas uma forma de representação da Nação, entre outras, quando a Nação é, por si, já uma forma de representação. Mas esta, como outras formas de linguagem, não se votam ao dia, tipo preço do peixe na lota.
É bom pensar que Portugal é atlântico muito antes do que se pensa. Que somos fugitivos do Mediterrâneo a quem moderámos os impulsos frios e pagãos com as brumas de Avalon, com a ternura infinita africana e a sua inveja incendiária, pondo em tudo um Coração gaélico. Estas são as fontes puras de Portugal que nos reflectem e que não votámos. Atlânticos para além da Europa e Globais para além do Atlântico, como alternativa ao Mediterrâneo, além da Europa, num Mar sem fim.

1 comment:

Anonymous said...

El inteligente atlantismo portugues de Ferro /Sampaio/Sócrates contrasta con el anti-americanismo furibundo de Zapatero.....