9.10.05

Quem é realista nas relações internacionais?


Com tanto ideólogo auto-designado “realista” a escrever sobre relações internacionais - quand são, de facto, “realistas do poder” – é saudável que se reaprecie o estatuto actual do direito internacional.
1. Em primeiro lugar, " o direito internacional existe?." Este é um velho problema. Se o direito internacional for compreendido em termos positivistas, como ordem do soberano, apoiada por uma sanção, então não existe. Mas não podemos ser tão estritos. Enquanto matéria jurisprudencial, e matéria prática, o direito internacional é um facto. As relações globais são possíveis mediante a observância de regras formais e obrigatórias a que chamamos o direito. Infelizmente, como disciplina académica o direito internacional construiu-se como uma refutação da acusação de que “não existe”. A energia que os juristas gastam nesta refutação é suspeita. Seria melhor um pouco mais de filosofia política para ver que a visão geral do direito internacional,é uma questão de grau e não de “ser ou não ser”.
2. Em segundo lugar, o direito internacional teve êxito no seu projecto do século 20 de regulamentar o uso da força? É o que se tem em mente quando se diz mal do direito internacional. O tratado de Versalhes, o Pacto de Briand/Kellogg, e a Carta da ONU foram esforços de usar o direito para terminar a guerra. Esforços…hum… menos bem sucedidos. O esforço de estabelecer um direito eficaz da guerra (ao contrário de uma teoria da guerra justa), não teve êxito. E agora? Que fazer? Redobrar de esforços? Manter a existência do direito, e a viabilidade da Carta, apesar das falhas frequentes? Desfazer-se de tudo? Manter uma hipocrisia séria?
A confusão actual é grande como se observa no excelente livro editado por Michael Byers e Georg Nolte, da University of Göttingen, (RFA) United States Hegemony and the Foundations of International Law. Cambridge, 2003. Como dizem os autores, esteve para terminar co9m um jantar de confraternização em Goettingem e acabou com um debate cruel. Eu gosto particularmente dos comentários de Maarti Koskenniemi, o mesmo autor de O suave civilizador das nações, uma história do projecto legalista, isto é, o esforço de criar a paz pelo direito segundo o velho modelo liberal (a compreensão "westfaliana" do direito internacional, após 1648, no fundo a época de Grócio). Contudo, Maarti detém-se ao redor de 1960. Assim “não vale”; e, como disse em post anterior, o livro é mais intelectual que prático.
Entre os americanos que acreditam no direito internacional – e são muitos - há académicos como Michael Glennon, de Harvard, e David Kennedy e Anne-Marie Slaughter, de Princeton e advogados internacionais como Abe Chayes. Consideram que a Carta da ONU falhou na tentativa de criar um direito internacional obrigatório para o uso da força – como escreveu Michael Glennon, em Limits of Law, Prerogatives of Power: Interventionism after Kosovo. Palgrave MacMillan, 272 pages e mais recentemente em “Why the Security Council Failed”, Foreign Affairs, May/June 2003. Nenhum deles é ideólogo como os auto-designados “realistas” das relações internacionais.
3. Terceira área de disputa. “Pode o direito internacional ser um projecto idealista? Se houver "Paz no mundo" -- onde é que eu assino? Nestas áreas campeiam as desilusões como em Koskenniemi e ainda Anthony Anghie, cujo livro Imperialism, Sovereignty and the Making of International Law, Cambridge, 2005, é inovador. Anthony Anghie, da Universidade de Utah, argumenta que o confronto colonial foi decisivo na formação do direito internacional e no seu conceito fundamental, a soberania. A crítica destes autores não é que o direito internacional não exista, mas sim que, como sempre sucede nas paragens jurídicas, a linguagem é tão distante, alienante, modernista, e liberal que poucos a entendem menos usam e acaba por beneficiar o status quo. Deixo para depois a apreciação de From Apology to Utopia, de Martti Koskenniemi, recentemente reeditado (2005).