9.6.06

Morreu o Condómino da Democracia Global, por André Bandeira

Um dia destes, ocorreu-me uma aflição terrível. E se Zarqaoui tivesse sido uma criação? Não digo que ele não existisse, que não fôsse um jordano, de origem palestina, traumatizado desde a infância por ter crescido em campos de refugiados, regularmente metralhados pelos aviões israelitas, que cresceu apenas com o refresco do ódio, que depois tomou o gosto de matar e sobreviveu, durante algum tempo e êxito, como quem se vicia nesse cálice negro e antigo. Não digo, tão-pouco, que ele tivesse sido exagerado pelos mecanismos psicológicos da Guerra, para se transformar num alvo ou numa bandeira e, depois, ser abatido para pontuar uma vitória, no meio de tantas derrotas.

A criação é muito mais perversa: é a criação do eterno rebelde que determina, pelo lado contrário, o campo de quem está no Poder. A lenda de David, do Robin dos Bosques e dos outros. Ou seja: cria-se o rebelde para cair, depois de fazer um arco luminoso. O rebelde estimula as nossas correrias adolescentes quando devíamos ser mais meditativos, celebra as nossas fanfarronadas e, por fim, tudo acaba num apagada e vil tristeza em que nos encolhemos por não termos sido nós a ser eliminados. É isso: a revolta, a Revolução, a libertação comunista em que os Senhores e os Tiranos morderiam o pó é uma invenção dos próprios Tiranos para perpetuar a saudade de ser rebelde, de querer e poder, que é o lema do Tirano. Porque não vimos, da esquerda para a direita e da direita para a esquerda que Hitler, Estaline e Mao Tsé-Tung eram todos a mesma coisa, não queremos ver hoje que uma Democracia que bombardeia e abusa do seu Poder, é a mesma coisa que uma Ditadura. E Zarqaoui foi criado para ser o outro titular de um condomínio que, como Russos e Americanos, faziam de nós um algarismo, enquanto todos encolhem os ombros dizendo: “É assim...” “Assim...” é a nova forma de dizer sim, ou até de votar.

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