2.6.06

Síntese noticiosa II, por André Bandeira

Podia-se passar na 24 de Julho e foi em 8 de Junho de 2005. Foi filmado, o que é bom e é engraçado, embora o que se vê seja horrendo. Em Stratford, Inglaterra, Griffiths, de 19 anos fala e ri-se com Pollen, de 20. Estão encostados a um suporte de bicicletas, fazendo um espaço estreito como se estivessem num bar. A madrugada é cálida, falam das férias e de uma festa de anos de um deles. Ao fundo da rua aproximam-se Sullivan, de 16 e Onokah, de 24, em passo descontraído, sorrindo, em conversa amena...

De repente, Onokah arranca para trás de Griffiths, Sullivan prega-lhe um murro, em travelling, que lhe parte o maxilar e Onokah torce o braço a Pollen, que baixa a cabeça, enquanto Sullivan se baixa, frente a ele, para o encarar e ditar-lhe a sentença de morte, desferindo duas navalhadas de baixo para cima que lhe atingem o coração. Volta ainda atrás e espeta-lhe quatro navalhadas no flanco. Depois metem-se num carro, desses utilitários azuis a parecerem desportivos e arrancam. A noite paira. Pollen cai no chão e morre, Onokah tenta perseguir Grifiths que foge. Um ano depois foram condenados, mas não por assassínio e por motivos que a Polícia britânica considera obscuros.

Dois homens matam um outro, como um cão. Sempre se passou. Surgem várias explicações da qual a que mais gosto é a da “cultura da navalha”, em Inglaterra. E digo: cuidado. O rosto, jovem que vês na rua, no metro, e que te observa há anos, nos bares, na rua, nas avenidas amenas de Verão, o rosto que envelhece a olhar-te desde o fundo dos tempos, o rosto do retrato famoso, estão apenas a saborear-te. Quando o medo e o almíscar atingirem o seu ponto de rebuçado, o rosto expectante pronunciará alguma sentença rude de quem tem dificuldades a pensar e espetar-te-á o espigão do medo e da rejeição, várias vezes até o deixares de olhar. Por isso arma-te, com o que souberes, a começar pelo desprezo pela condição humana que não é engraçada. Despreza os jovens e despreza os velhos, mas despreza acima de tudo o rosto expectante que te observa, despreza-te a ti próprio, não tenhas pena. O náufrago do deserto cobre o rosto, quem olha o céu, cobre os olhos. Triste e amarga é a existência humana se esperas nela. Se te for possível, vive longe do Mundo. Se não te for possível, esconde um jardim do paraíso no teu pensamento. Poderás visitá-lo em sonhos, e ele te visitará a ti, poderás a certa altura sonhar acordado. Os teus olhos não foram feitos para serem furados, mas para iluminarem o mundo. O Bom não olha nos olhos de ninguém, ilumina-o todo com o olhar.

Dedico isto ao adolescente Keynan, que morreu num metro de Londres, ao intervir corajosamente numa luta, levando uma navalhada no estômago pela qual sangrou até à morte. As suas últimas palavras foram: ‘não me deixem morrer”. E nós deixámos.

1 comment:

Anonymous said...

I love your website. It has a lot of great pictures and is very informative.
»