5.6.06

Na morte de Raúl Indipwo, por André Bandeira

Quem diria, Raúl, que ias morrer de uma pneumonia? Talvez porque o cantor e o poeta, vivem no vento, talvez porque os seus pulmões filtram o ar do mundo, como num canto tibetano, absorvendo tudo o que é pesado e escuro e expelindo o sol, o céu azul da madrugada. Por isso, passeiam na sombra da noite onde tu, vestido de branco, parecias um príncepe antigo, fantasma sorridente e benfazejo, dum tempo mais doce, feito de Sol e Esperança. Fico no muro da minha infância, a cantar o “Maria Rita”. Sim, ter amigos é fortuna, mesmo quando só nos resta a amizade de Jesus e Nossa Senhora e o véu de dúvidas que nos separam deles. Tu e o Milo MacMahon ensinaram-nos também que os Homens fizeram um acordo final, acabar com a guerra, viver em amor. Sabias que andaste, com isso, a espalhar o Evangelho sem latins, quando os sons que zuniam nos ouvidos dos jovens já eram muito psicadélicos, para te tolerarem e os snobs do S. Carlos obviamente te ignoravam? Pois eu ainda assobio as vossas canções e vou lembrar o teu rosto sorridente, de quem, de noite, absorveu o fel dos portugueses e o trazia talvez ajoelhado sobre o peito, tu que não escolheste ser, ou angolano ou português, e que também me ensinaste Lisboa, porque escolheste não ser ou Europa ou África com o teu rosto sempre jovem, com qualquer coisa - digo isto porque está de moda, até deixar de estar - de timorense. A tua juventude tinha um segredo: lutares sempre, ajudares a gente de África com a Fundação Ouro Negro, como quando desde pequeno, em Angola, desenhavas sobre tudo o que, então, aparecia. Um cartão, uma tampa de caixa de sapatos...
Espero que se lembrem agora de Artur Garcia, de António Calvário, de João Maria Tudela e de outros que também nos fizeram cantar ou assobiar, agora que um tipo assobiar lhe pode valer uma facada, ou um despedimento. Talvez para nos lembraramos, enquanto ainda estão vivos, dos ídolos de pés de barro que não pretendiam fazer política e que, quando a sorte mudou, sempre se souberam comportar com uma doce dignidade.

2 comments:

Anonymous said...

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Anonymous said...

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