16.2.07

Um duelo sobre o Aborto, por Jessie James

Há que encarar as coisas sem as delícias de ter uma multidão a aplaudir-nos, seja ela composta por um milhão ou por dois milhões, tenha ela sotaque do Sul ou sotaque do Norte.
Se se é contra o Aborto, porque se é pela Vida, tem de se ter a noção de que não há nada mais certo a seguir à Vida, do que a Morte. Tem de se ter a noção de que a decisão de muita gente que aborta, é semelhnate à decisão de cortar um braço para não perder a vida, de aceitar uma operação da qual se pode não acordar, ou de denunciar à Policia um irmão que cometeu algo inadmissível.
Mais que a Morte heróica pelas suas convicções, uma pessoa deve ter a vontade heróica ( não lhe restando senão ser herói, como todos alguma vez, sem excepção, somos) de viver a vida como ela é.
O "Sim" ganhou, mas temos todo o direito de duvidar da constitucionalidade do Referendo e temos a certeza que ele não é vinculativo de acordo com as regras vigentes. Um país não é feito de maiorias de momento, por menos relativas que elas sejam. Votámos em outros dirigentes, em diferentes momentos, equilibrámos os votos e temos o direito de exigir que os eleitos actuem do modo com que lhes demos os votos. A nossa História também votou e estamos condicionados de algum modo.
Mesmo se o Presidente achar que deve promulgar a Lei, mesmo que os Tribunais achem que a Lei é constitucional, temos o dever de saber o que é que as disposições da lei Fundamental, nascida de uma ordem revolucionária que não se impõe ou legitima apenas porque passoaram 36 anos, significam. O princípio da defesa da Vida Humana não é fácil. Há quem morra por o defender ou apenas por discordar de que seja atacado. Como disse no início, a seguir à Vida não há algo mais certo que a Morte o que significa que, logo desde nascermos ( e, pelos vistos, antes de nascermos) a Morte se vai apresentando de mansinho. Há a Morte do Amor e até a "pequena Morte", há a morte estética, a morte lenta, a morte súbita, a tristeza até à morte e a morte clínica. E há mais, tanto quanto a Vida consegue exprimir aquilo para o qual não inventou palavras...
Temos o direito inteiro e o completo dever de discutir esta questão até aos fundamentos do próprio Estado e disso a que ainda se chama Portugal. Se o núcleo essencial for invadido, bater-nos-emos nos campos, nos locais de desembarque, nas nossas vidas privadas, nas nossas vidas com os outros...mas nunca nos renderemos. Se estivermos vivos.
Que interessa o que alguns, muitos, a maioria, pensa na Europa?! Portugal pensa por si próprio há muito mais tempo que essas circunscrições de decisão, retalhadas e recosidas da Europa. E nós não somos apenas europeus.
Se mesmo assim perdermos, temos pelos menos o direito de exigir um novo Pacto Social a que se chama Portugal. Ou de sair dele: na Antiguidade, as classes que não se davam, partiam a fundar uma nova Nação. Esse tempo já passou mas, enquanto estamos vivos, temos a fatalidade de viver, deste modo, cheio de riscos, em que a luz se destaca, delineada pela sombra da morte.
E nada disto significa que não respeitamos os outros, por mais estranhos ou enganados que eles nos pareçam. Não respeitaremos ninguém se não formos respeitados.
Em qualquer pacto social, todos têm de ter vontade. Mesmo quando se concorda em que não estamos de acordo, não é por maioria que se resolve. É a morte do pensamento que permite o milagre da vida, porque a vida lhe é anterior. Se isto significa que todos os fetos sobreviverão, não sei.
Mas sei que isto significa que a decisão de gerar e pôr fim a esses fetos é muitas vezes uma decisão humana. Ora, humana e misteriosa é a nossa condição.
Viver é humanizar este mistério.
As coisas não são feitas de mãos, como dizia Manuel Alegre. São feitas de caras.

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