Em ano (2006) de sucessivas eleições presidenciais sul-americanas, há conclusões a tirar. O novo capítulo das élites políticas etnonacionalistas sul-americanas foi inaugurado por Hugo Chavez em 1998. Quatro anos depois do contra-golpe vitorioso de Chavez, a sua permanência no poder não é apenas um reflexo do aventureirismo de esquerda ( que tem) nem do apoio de Fidel ( tão útil quanto nocivo na região) mas de uma tendência de fundo das populações ibero-americanas de tomarem o constitucionalismo democrático e o Estado de direito nas suas mãos, contra os interesses oligárquicos da velha classe política rotativista. Há paralelos a fazer entre a permanência de Lula no Brasil desde Outubro de 2002, de Lúcio Gutiérrez no Equador desde Janeiro de 2003, a eleição em Dezembro de 2005 de Evo Morales na Bolívia, e o candidato presidencial peruano Ollanta Humala.
Começando, então por Chávez.
A luta era sobre o controle do petróleo. Os oligarcas mobilizaram uma enorme manifestação. Houve disparos e mortes perto do palácio e Chavez, acusado de negligência para com os direitos humanos foi sequestrado após se recusar a renunciar. Não se sabe quem iniciou os disparos mas a imprensa internacional limitou-se a transmitir os "press releases" dos golpistas. Quase teve êxito. Mas "quase" é a distância que vai do palácio à prisão.
O presidente interino, Pedro Carmona, apenas deu corpo ao ressentimento da oligarquia; anulou toda a obra de Chavez – constitução democrática, assembleia nacional, tribunal supremo, ministérios, procuradoria, etc..Mandou a polícia prender todos os ministros e apoiantes de Chavez, incluindo militares. A população venezuelana aprendeu com este golpe de Estado. Muitas forças se combinaram para defender a ordem constitucional .
A maior parte do Exército, sobretudo as unidades de combate, permaneceram leais a Chavez. Parlamentares e ministros recusaram-se a aceitar a alegada renúncia de Chavez, e pediram respeito pela Constituição que exige da Assembleia Nacional ratificar a renúncia. Muitos governos ibero-americanos não reconheceram o novo governo. A organização dos estados americanos (OAS) considerou aplicar sanções. Finalmente, veio o contra-golpe com a mobilização popular, em especial a população de Caracas, que reclamou Chavez de volta.
A primeira conclusão é que existe uma nova tendência em favor do constitutionalismo ibero- Americano. O Estado de direito democrático deixou de ser um presente dos militares apoiados pelos EUA, exactamente como era o golpe de estado anti-democrático. É uma idéia que começa a ser respeitada por políticos, militares, e população, até porquew tem origens no constitucionaliosmo espanhol e português que foi legado aos países sul-americanos, como explica o prof. Colombiano Ricardo Velez Rodriguez. Os generais já não podem fazer golpes à vontade por muito desacreditada que esteja a classe política, lição bem aprendida na Argentina, cuja elite política é tão má como a da Venezuela em 1998.
A segunda conclusão dirige-se aos EUA, que se encontram outra vez sozinhos perante o resto do mundo ao querer derrubar Chavez. Os EUA não podem continuar a querer trocar a sua sacrossanta “rule of law” por trinta dinheiros, ou barris de petróleo. A liderança americana do mundo é a de uma política externa sem rumo que não conduz a nada, porque ninguém a segue.
A terceira conclusão é sobre Chavez . Pode ter génio para criar opositores mas é um populista real, não é só um demagogo, e representa os povos nativos sul- americano na revolta contra a aculturação ocidental, tal como Qechuas em Colombia, Bolívia e Peru, Aztecas e Toltecs na América Central, e mesmo os Maipuche no Chile e os Tupinamis
A última conclusão é sobre os meios de comunicação, na maior parte privados. que participaram no golpe contra Chavez. Os apoiantes de Chavez tiveram que conquistar a estações de transmissão para publicitar as mensagens do governo constitucional. Os meios americanos serviram a oligarquia venezuelana, com total desprezo para com a democracia crioula. Só passam informação sobre a impopularidade de Chavez.
Este silenciamento sistemático da informação sobre a nova mobilização popular nos países sul-americanos reflecte a incapacidade das neo-teorias conservadoras americanas em compreender que a democracia e o liberalismo não tem de vir da América para ser bom. O que acontece sobre a Venezuela deve ser mais um sinal de alarme dos perigos de uma imprensa controlada por um punhado de interesses privados. Uma comunicação social totalmente privada é um perigo para a democracia em todo o mundo.
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