Mais vale ser Eu por um dia que Outro toda a vida. Oh, Nau de Sesimbra, velha, que eu seja o último da fila dos pobres a quem se distribuem os restos e que me calhe a sardinha mais pequenita, que nem os gatos querem. Que o mar uniu e me acolheu com o seu manto vasto. Que as lágrimas foram sal e as noivas rezaram em vão. Que talhámos com o nosso machado as tábuas do nosso caixão. Que morremos devagar e fundimos com a nossa resistência a lâmina desse machado. Que não gosto de Fado porque ainda não sofri o suficiente. Que somos quarenta ou quatro gatos, ou temos os quatro membros ou nem isso, mas que vamos lá de madrugada e, Deus te valha, Vasconcelos, que não te valerá o armário. Que se o Duque não quiser, faremos uma República do Mar, à espera do Desejado, que seus guerreiros de coral e conchas virão debaixo do mar salvar os pobres de Canudos, de faca nos dentes, no pó, esperando os Federais. Que D. António, o Prior, ainda marcha dentro de nós, que sairemos da selva, em tropas de cangaceiros. Que 10 de Junho é escuro como a tristeza de Camões, sombra humana no Sol esplendoroso e 1 de Dezembro é velinha acesa, Conceição de Nossa Senhora, no Inverno da Desolação. Que a Naçom não somos todos, nem tudo de nós é, que João Brandão e Zé do Tilhado, num dia só se redimem. Que um gesto bonito salve uma vida de crimes, como um Vento faz num momento, toda a Sseara dourada. Tortos e cegos somos, mas ainda Te procuramos. E, que se um dia, nos libertares, só queiramos a Corôa de Espinhas e aos cinco, como as cinco chagas, adormeçamos nos teus dedos azuis dos cinco Mares, com que sustentas a terra. Mortos nas esquinas de Lisboa, nós que somos da Serra e do Monte, com as senhoras virando-nos a cara, mas tendo por único prémio mendigar os trinta dinheiros, para os desolados da Terra, só para te comprar de volta, Senhor.
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1 comment:
Essa frase do MAis vale ser Eu um dia..." há-de entrar para a literatura portuguesa!
Bravo André, que batalha e escreve como frei Luís de Sousa!
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