11.12.06

Tango chileno, por Pedro Cem

Pinochet morreu. Jaz deposto no caixão. Augusto. De bigode francês, que não era prussiano.
3000 ou mais jazem sem caixão, alguns no fundo do mar, alguns tirados aos pais como se os pais não vivessem neles, outros até na Presidência da República com um corte para sempre, por dentro, porque uma mulher pode sentar-se na marquesa, mas se senta na cadeira de tortura foi porque o torturador infringiu uma lei demasiado antiga. Não sei se, com isto, se evitaram 30.000 mortos numa guerra civil que dificilmente aconteceria num Chile sob a tutela dos EUA e este raciocínio não me serve para atropelar um gato, na estrada, mesmo se estou com pressa: ninguém pode ser perdoado por ter morto, em nome dos que morreriam ou não. Teria de ser perdoado pelo que pensou mas tudo se passa, então, no coração de um só. A América Latina lá ficou vermelha de uma ponta à outra. Ser pobre não é bom negócio para ninguém e fazer os outros muito pobres é muito mau negócio.
Os ossos de S.Paulo, o epiléptico, parece que foram descobertos numas escavações em Roma. De tal modo que posso imaginá-los chocalhando sobre o tampo de uma mesa de madeira, para serem etiquetados. Deve faltar uma vértebra na coluna, aquela que fez os seus irmãos, os Romanos, depositarem ternamente a sua cabecita apaixonada, ao lado dos seus braços cansados de gesticular. S. Paulo disse que no fim, nem um único cabelo nosso se perderia, ele que era calvo. Somados todos, não passamos de um ribeiro na história geológica da terra.
E Jesus, o rabi, juntou as cabeças de Pedro e Tiago à sua, uma crêspa, outra suave e disse que nunca nos abandonará até ao fim dos tempos.
Pobres tolos os que festejam a morte de Pinochet. Pobre tolos os que lhe tocam no caixão como se fosse um herói. A morte de Pinochet não ressuscita as vítimas, a madeira do seu caixão é apenas madeira, humilde madeira.
Um homem desesperado -certamente patético - bate com as mãos no peito e num caixão, alternadamente, enquanto uma camião os leva a ambos, sob o sol, para longe daquele lugar de filmagens em Bagdhad. Um palestiniano afaga o cabelo de um menino que vai a enterrar, o cabelo está tão sedoso que o menino parece ainda vivo. Uma Democracia respira sangue, outra constitui-se no sangue, só porque, num lado as pessoas votaram livremente e quiseram, mas agora querem mais que a liberdade de expressão e, no outro, as pessoas votaram livremente e quiseram, mas desejam muito menos que a liberdade de expressão. Afinal quem vai dentro do caixão e aquele menino quiseram aquilo mas alguém pensou nos seus íntimos desejos, perguntou a si próprio o que o marinheiro daquele caixão e o menino, desejavam no fundo?
Tenho na mente a imagem da mãe de Beslan acariciando os seus dois filhitos mortos, deitados lado a lado. Vejo-a inclinar-se como se rezasse a Alá mas a sua cabeça não chega a levantar-se, tão funda é a sua desolação. E vejo Bassayev, sem um pé e sem Seguro de Vida que ninguém lho vende, combatendo ainda nos bosques de fantasmas.
Que fazer com todos estes mortos...será que vamos todos a algum outro lado, que não seja a Morte?
Aprendam tango. É algo sublime. Dançar bem tango é melhor para o homem e a mulher que o conseguem, do que aquilo que podia suceder entre eles. O bom dançarino de tango, já caminha em forma de tango antes de arranjar um par e, por mais extraordinário que for a dança que arranjou, e por mais belo e válido que for o seu par, terminará apenas, caminhando em forma de tango...

2 comments:

Anonymous said...

vai levar no cu

Anonymous said...

Caro anónimo,

Não vou seguir o seu conselho mas, embora me encontre um pouco mal de saúde, espero que pronto possa restabelecer-me para, se entender, resolvermos de um modo qualquer este seu baixo comentário, homem a homem.

P.C.