11.7.06

Cabeça e Coração, por André Bandeira

O Coração e a Cabeça, partes do corpo que representam atitudes em relação à Vida. A Cabeça ao Coração. Assim Zinedine Zidane nos deu uma amostra. O engraçado é que, nesse esforço máximo que é uma final mundial da indústria e do espectáculo de massas, mais a do prestígio nacional reduzido à sua versão mais superficial, passou-se algo de mágico. O italiano pagou a uma bruxa para lhe ensinar uma frase que fizesse o campeão francês descontrolar-se, sendo que a bruxa já nem se lembra que filtro vendeu,nem a quem, nem para quê. O campeão mordeu o isco e saíu, passando de lado, com o seu ar circunspecto de homem do Norte de África ao lado da taça dourada, filmado em grande plano, de costas para ela, como um rapazito em cuecas a ir à casa-de-banho. Nesse momento já se sabia que o jogo estava perdido. Quer dizer: não se sabia, mas as pessoas passaram a desejar, todas, que o Drama se consumasse. Todas, franceses e italianos, jogadores, público e telespectadores. Porquê? Porque o que desejamos é a consagração de um herói. Quando o herói se retira, o jogo passa a ser outro, sem fim, porque é que ele reagiu assim, o que é que lhe disseram, foi racismo contra orgulho árabe, fidelidade à França ou à Família, provocação, o que foi, afinal..?

Ora, se o jogo de futebol é ainda o altar onde idolatramos o Homem e onde o sacrificamos, para nos purgar de nós mesmos, então fomos todos levados. Levados por nós mesmos. Queremos que as coisas se revelem como julgamos que elas são. E hão-de ser sempre como as recordamos, com drama, tragédia, violência, suor, lágrimas e pele molhada. Tal como no amor, tal como na guerra. Porque queremos amor e guerra. E todos os estádios, todas as mesas de jogo, todas as corridas e competições desaguam aí. Temos que soltar o bicho que há cá dentro. Quando o único bicho que soltámos foi o Burro! Burros! Em vez de nos ordenarmos por dentro, metemos a cabeça no coração, num golpe que vai fazer moda. Os nossos heróis são um italianeco agarotado e um francês nu, dois garôtos afeminados a brigarem uma lata. E pagamos-lhes milhões porque pensar ou rezar é uma chatice. Desistimos de meter o coração na cabeça, mergulhamos de cabeça no coração, saímos relaxados do duche da vida, não lhe acrescentámos nada.Ah, mas quem é que nos ensinou esta porcaria?! Basta de nos achincalharmos com este tipo de distracções.

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