30.9.07

Um crime útil


Na história de Portugal, o regicídio de 1 de Fevereiro de 1908 é o passo decisivo para a revolução de 5 de Outubro de 1910 sendo, ainda hoje, objecto de repulsa pela maioria da população. Conforme sondagem recente da UCP (2002), 76.5 % dos inquiridos considera-o “um crime horroroso”, 18,8% “um mal necessário” e 4,6% “uma coisa boa para o país”. Os tempos mudam. Há cem anos atrás, a campanha de apoteose dos regicidas desencadeada pelo Partido Republicano foi um modelo para a “balbúrdia sanguinolenta” da 1ª República, entre cujas centenas de mortos em atentados e revoltas tombaram um dos seus presidentes, Sidónio Pais em 1918, e Machado Santos, Carlos da Maia e António Granjo em 1921, seus fundadores.
O conhecimento da conjuntura da tragédia do Terreiro do Paço é perturbado pela promiscuidade espantosa entre as organizações políticas que para ela conspiraram. O assassinato d’el Rei D. Carlos e do príncipe D. Luiz Filipe resultou da aliança dos republicanos com os anarquistas, e com os dissidentes progressistas, e sobretudo da formidável campanha de imprensa que transformou os odios partidários em odios pessoais, fazendo convergir todos os rancores na pessoa do Rei, e da Familia real, de modo que se estabeleceu o seguinte axioma: arredada a dinastia, está assegurada a Republica.

20.9.07

Guerra Junqueiro e Hitler - AS RELIGIÕES POLÍTICAS

Num jornal de nome de prenúncio fascista, " Pátria" Nova". 16-2-1908 Guerra Junqueiro publicava um elogio aos regicidas com um estilo próprio do melhor Hitler em Munique com os seus discurso Blut und Erde. Cá temos a versão lusitana das religiões políticas, a religião civil republicana com este Hino de Guerra Junqueiro ao "ódio e ao sangue purificador do solo".
A violência nazi é incomparavelmente maior nos actos. Mas a violência verbal de Junqueiro é muito superior. "Brandos costumes? " País de Poetas?"

"O partido republicano nem organizou nem aconselhou o atentado. O atentado foi obra única de dois homens. E contudo, as balas de morte partiram da alma da nação. Foi um atentado nacional. Um raio esplêndido e pavoroso, exterminador e salvador. O raio condensou-se em duas almas, apenas, mas a electricidade que o gerou saiu da alma de nós todos. Todos nós somos cúmplices"." Lamento de olhos enxutos, a execução do monarca. Mas, se tivesse o dom de o ressuscitar, não o levantaria do seu túmulo. Deploro, angustioso, a morte do príncipe. E diante do cadáver dos homicidas, descubro-me, ajoelhando-me, com frémitos de terror, lágrimas de piedade, e , porque não hei-de confessa-lo? de admiração e de carinho. Mataram? é certo. Ferozes? sem duvida. Mas cruéis por amor, ferozes por bondade. Os que matam por amor, sacrificando o próprio corpo, são duros, mas são bons.Abjectos e miseráveis são os que por egoísmo e covardia, calando e cruzando os braços, deixammorrer os inocentes. São heróis os dois regicidas portugueses. Libertaram, morrendo, sacrificando-se. Idealidade, valor, desinteresse, abnegação. Heróis. Mataram um grande criminoso e o seu filho inocente. É horrível, mas para eles, na sua concepção da historia, materialista e fanática, o filho do Rei era a vergôntea da arvore, e a arvore de má sombra, queriam corta-la pelo tronco. Ideia barbara e cruel. Mas a violência desumana do acto formidável, remiram-na os algozes heróicos, lavando com o próprio sangue, o sangue inocente que verteram. mataram com atrocidade, e com atrocidade forammortos. Expiaram a dívida, purificaram o acto. E o solo assim purificadosurge-nos grande e luminoso, na essência intima. Deu-nos a paz que fugira da Pátria. Deu-nos a alegria que se evolara das almas. Libertou-nos, harmonizou e serenou. Hoje, nesta hora de liberdade e clemencia, pode dizer-se que são eles os dois regentes do Reino."

8.9.07

Aforismos de Agosto, por Pedro Cem

1 - A sensação não tem Memória. Só tem outra sensação.

2- É óbvio que a desconfiança está cheia de Passado. O presente é diverso e o Passado ainda mais. Tantas diversidades podem ser simplificadas mas dão uma longa sensação de indigestão.

3 - A tentação ataca sempre uma segunda vez, como um extra depois de se fazer o que se deve porque, nesse momento, o que custa é aguentar a desolação, sem sinais de Deus.

4- Contar uma anedota a si próprio é algo que se pode aprender mesmo tendo nascido sem jeito para contar anedotas. E largar a rir sozinho pode significar que se foi visitado pela Verdade.

5- A solidão não é silenciosa. Está cheia de fantasmas. Por isso se deve aguentar uma posição social medíocre, porque a riqueza da solidão não é acessível a todos e é difícil de segurar.

6- As pessoas falam nos cafés, nas esplanadas, ao telemóvel. E todas as palavras coincidem à flor dos lábios. Na nossa busca de confirmação, nos arrastamos dilacerados uns para os outros.

7- Saí a tremer da água. Vi duas lésbicas num gesto terno e admirei-as do alto da minha masculinidade. Foi uma falsa tolerância porque dar um sexo ao Amor é afastá-lo ainda mais.

8- Programar, vontade de ferro…mas depois do embate a única sabedoria é perdoar tudo. À força de querer reduzir o Mundo à mente, cavalgámos uma quimera e caímos fora do Mundo.

9- Ao longo do caminho, nem Roldão, nem Mustafá têm tempo para perdoar. Só o perdão do tempo é que funciona. O tempo que nem Roldão, nem Mustafá têm.

10 - O aprofundamento do raciocínio é a inversão da realidade, mesmo o mais hiper-realista dos raciocínios.

11- Estratégia chamamos ao modo de dar um estilo a tudo o que fizemos com a fraqueza da vontade. Uns vêem caras nas mesmas nuvens onde eu vejo animais.

12 - Para prever o que vai acontecer basta não deixar que aconteça algo imprevisto. Se julgamos que não aconteceu nada, nunca acontecerá se não deixarmos. Crer é poder.

13 - “Vá, não penses nisso!” disse ela, com algo em mente. Deixei de pensar e a mente obscureceu-se ao levar com a luz sem a crosta protectora da ignorância. Era o que ela tinha em mente.

14 - Depois de muitas hesitações, lá decidiu. Para se fazer muitos disparates há que ser decidido. Por isso, os outros viram, mas ele não viu porque o saber lhe deu tempo.

15 - O pensamento é como uma imagem invertida. Fotografar uma imagem invertida e virá-la ao contrário pode falhar no cálculo. O pensamento não pode ser usado em bruto.

16 - Janeca pensou rápido. Julgava que o que via, de pensar tão rapidamente, era ela própria em eminência. Mas era apenas uma ressaca, em que ouvia a sua voz de cada vez que ponderava.

17 -A viagem é imaginação. Se o viajante morrer, expirará como se não se tivesse levantado da cama. O viajante tornou-se imaginário com a paisagem porque perdeu algo, ao partir.

18 - No homem que se põe a caminho, os dois primeiros passos são o contrário do nada, porque o segundo é uma potência do primeiro. Ao fim de mil passos, os pés doem. É o corpo que pensa.

19 - O mundo dos nossos órgãos não é inteiramente um mundo de trevas. Tenho a certeza, como no mundo dos peixes das águas do abismo, a nossa pele é ligeiramente translúcida.

20 - Porque se suicidou Lucrécio? Dizem que por Amor. Enquanto os átomos das lágrimas declinavam pelo seu rosto, secou-as ao sol para que se evaporassem para cima e o sal cegou-o.

21 - Quando a lua nascia Teilhard de Chardin cria assentar ideias. A luz da lua parece mostrar que tudo está ali na obscuridade. A luz do Sol não deixa ver tudo, a começar pelo próprio Sol.

22 - Como evitar a vaidade de ter Deus? Agradecer o desespero contínuo e cinzento e a loucura como um Seu afago. Jesus é o meu talismã e nem sei se Jesus existiu.