27.2.11

LXXVIII - Values and Weapons, de Janne Haaland Matlary, por André Bandeira

É legítima uma intervenção armada estrangeira, para implantar a Democracia num país? Para a autora, a maioria dos autores considerava ilegal uma intervenção armada externa, num país soberano, por razões humanitárias (os alemães invadiram a Checoslováquia, para salvar os sudetas) e, quanto a uma intervenção para implantar a Democracia, é violar a letra da Lei e o Costume internacionais. Os EUA de Bush tentaram lançar o Precedente, no Iraque. Mas -- como diz o especialista Ian Brownlie -- é preciso que não haja oposição expressa de nenhum país, o que aconteceu, para não falar duma prova que nunca aconteceu, a da existência de armas nucleares. Resta-nos, portanto, os limites do Direito internacional e da governabilidade mundial da ONU, ou o crime de Genocídio (matar categorias de pessoas pelo que elas são e não pelo que elas fizeram, na definição de Lemkin). A certa altura, uma União, a Africana, pode-se voltar contra outra União, a Europeia. Mas isso não é tão óbvio, nos jornais. Certo que o Direito de auto-determinação dos Povos, em abstracto, não é superior a uma auto-determinação em curso. Mas uma Democratização mundial implicaria uma governação mundial e, mais que a constituição de um «Demos» mundial -- a Humanidade -- vários «Demoi», no fundo, tribos -- teriam de ser reconhecidos à escala planetária. Para Rousseau, uma Vontade de Todos exige, a quem quiser relevar, uma vontade. Uma Democracia mundial, exige já uma permanente verificação das entradas, com o conceito de «Estados-falhados» e seria o tribalismo quem a faria relevar. Enfim, a prudência, que não é covardia nenhuma, regula ainda a Razão internacional. É verdade que a constatação da «Vontade», obriga à finalidade intelectual de uma Democracia. Na realidade, o que todos os Homens querem, a partir de certo momento, é político e, portanto, é o possível, o qual depende do momento e do lugar, como parece óbvio no terramoto de Christchurch. Ora, a rápida universalização de comunicações curtas e as emoções correspondentes, não chegam para este possível. Diz-se que uma Comunicação universal maximiza o possível. Mas não. A Reflexão não se faz apenas de maximizações, como em Kant, porque também o Indivíduo é um teor de comunidades antigas, arcaicas e modernas, conscientes e inconscientes. Se tudo o que a Democracia planetária nos garante, à partida,é uma maximização, então a Psiquiatria substituirá o Julgamento. Em suma: o sistema de Vestefália passou mas, curiosamente, só quanto ao seu resultado ( a cada Príncepe, a sua Religião). É possível que fique a Religião, depois da queda dos Príncepes.

26.2.11

LXXVII - (Re)leituras : On Tiranny, de Leo Strauss, por André Bandeira

Leo Strauss foi o filósofo dos neo-conservadores norte-americanos, durante a Presidência de George Bush Jr. Além de ser um mente «cunning» ao extremo, Strauss mete medo pelo seu maquiavelismo desesperado. Graças a Deus que Donald Rumsfeld não era neo-conservador porque o arrôjo, direi quase libidinoso, do pensamento de Strauss podia-se ter apossado completamente da herança Bush. Este comentário sobre o texto de Xenofonte, Hieron ou Tyrannicus, não é, como se podia pensar, uma defesa do direito a assassinar um tirano, embora tenha passado por tal. Também no mundo dos livros, a violência publicitária já entrou há muito. O gosto por estudar a Tirania, faz-nos a volúpia de privar com Imperadores e nos sentirmos, fausticamente, que vivemos um sonho, no âmago da História, um pouco como se de uma representação teatral se tratasse. Depois, este «privar com tiranos», para, diz-se, aprender e impedir a Tirania, acaba como uma discussão com o Diabo: na cama. Penso que a competitividade extrema de Leo Strauss é tanta quanto uma busca acrobática de soluções representa o fim de uma fonte de energia, seja ela o petróleo, a sociedade industrial, ou a Democracia-espectáculo. Acho que houve realmente algo de vingativo em certos pensadores dos Impérios centrais que tomaram o caminho dos EUA. Daí a sintonia de Strauss com o hegeliano Alexandre Kojève, bem escutado na URSS, e os perturbantes arrulhos de ambos, em torno do Poder absoluto. No texto Hieron há algo bem actual e que fascina: o Tirano, no fundo deseja ser amado e não sabe porque é que não consegue. Não, não é por ser tirano, como uma audiência televisiva seria levada a pensar. Essa é a resposta mais fácil. O Tirano não é amado, apesar de ser eficaz, porque, no fundo, os outros têm a inveja de ser eficazes como ele. Será que o pensamento profundamente pessimista de Strauss, nos diz que a um Tirano, se segue sempre outro? Não. Ao Tirano, a maldição de não ser amado, neste mundo de exílio, deve ser curada com a conformação de que, para se ser eficaz, tem de se esquecer o Amor, concluindo que o Amor não existe e, portanto, nada há a lamentar. O resto, há em abundância, para os que sabem dirigir firmes. Portanto, a um tirano que cai, segue-se um tempo «desingénuo» em que a Tirania deixa de existir porque só se queixa da Tirania, quem é perdedor. Se se não for perdedor, então é-se eficaz e tudo vem por acréscimo, até a Graça pesada de se achar graça a um Tirano. Há notícias boas e más para o acrobático Leo Strauss, num período em que uma fonte de enrgia está preste a esgotar-se: as boas é que o Tirano vai cair, as más é que ainda não há outro.

24.2.11

LXXVI- (Re)leituras -- Personnalisme Musulman, de Mohammed Aziz Lahbari, por André Bandeira

Este autor da Universidade de Rabat cola-se um pouco ao personalismo cristão de Emmanuel Mounier, o qual não foi brilhante durante a ocupação nazi da França. Para ele, o Islão funde sagrado e profano, desde a sua essência, e tudo o que é existência humana não pode deixar de ter uma apreciação religiosa, segundo o Islão. Portanto - chegamos a uma conclusão - não existe possibilidade de um Islão laico. Mas, com Tariq Ramadan, acreditamos que há a possibilidade de um convívio e que nem sempre o que parece, é, algo que qualquer sociedade não escolhe, antes tem de encarar. Isto levar-nos-á, num Mediterrâneo mais integrado com a Europa (ou uma Europa mais mediterrânica), à existência inevitável de Partidos políticos de minorias étnico-religiosas, como aquele, da maioria, que governa a Turquia. Mas o personalismo islâmico,salvando o Islão em categorias filosóficas da tradição ocidental, não é muito flexível para o individualismo, socializa o «eu» (excepto a tradição sufi mas também o sincretismo dos marabus)e não deixa lugar para um Estado mínimo, ou uma socialização mínima, onde realidades inconvertíveis a um modelo, possam coexistir. Em suma, o Islão tende a espalhar-se e, quando não se espalha, cai num certo optimismo fatalista, com fome e revolta. Neste último caso, Culturas que se aliaram ao Islão histórico, voltarão ao de cima, umas vezes tribais, outras autoritárias, muitas vezes ansiosas, se não fanáticas, sempre jogando nas electrização de multidões. O Islão guardou, no seu génio, a força civilizadora de Culturas pré-islâmicas que nunca foram superadas e que farão, por exemplo, do Cristianismo, algo muito diferente de Roma ou Washington. A primeira categoria intelectual do Islão, o shahada, «cria» Deus, mas também o Homem, num desdobramento em que o Homem se analisa continuamente e, assim, tudo o que é humano -- como na máxima socrática que criou a «Humanitas» clássica -- nos deixa de ser estranho. Ora, se cada Homem é unico, só Deus o sabe e nós pouco. Isto torna-nos vigilantes uns em relação aos outros, por vezes fatalistas, e Deus, claro, não tem face humana. Enquanto os Príncepes instaurados pela Guerra Fria vão caindo, volta a questão das Monarquias na Arábia. Se o Califa -- ideal político do Islão -- é, no melhor dos casos, o soberano benevolente de uma verdadeira teocracia, em que os sábios decidem e obrigam por maioria, os Muluk (plurar de malik, Rei) buscam uma legitimidade muitas vezes anterior à do profeta Maomé, como é o caso dos Hashemitas da Jordânia e, em tempo, do Iraque. Um caso curioso destes monarcas é que eles quase sempre reinam sobre populações, esmagadoramente diversas da tribo que os gerou. Mas isso mesmo pode ajudá-los a desempenharem a missão de guarda a algo que permanece na sociedade política. Poderão, como já o demonstraram, vir a ser o Poder moderador, à falta de uma verdadeira Cultura de moderação. Isto, enquanto o barril de petróleo atinge os 120 USD e estamos sob uma forte tempestade solar.

23.2.11

LXXV- (Re)leituras - Les musulmans dans la laïcité, de Tariq Ramadan, por André Bandeira

Tariq Ramadan, em tempos, tinha tempo de antena, talvez por ter bom aspecto físico. As funções biológicas de reprodução, numa Europa alienada e sem identidade geográfica, falam outras coisas com os gestos e olham paradas, enquanto ocupamos a nossa boca com palavras hipnóticas, em mimetização com o Meio (vejam esses flamingos côr-de-rosa como se repercutem, quando estão juntos). Os levantinos, realmente provocam paixão, porque se crê que, mesmo deformados de corpo, têm ardor. Num mundo volátil, em que os pais se demitiram de educar, o «ardor» é um direito universal. Mas Ramadan é neto do fundador dos Irmãos muçulmanos,exilado por Nasser e afigura-se neste livro como um maoísta prestes a virar liberal, intimamente encorajado pelas reticências duma Corte aborrecida. Atiçar maoístas xiitas contra nacional-socialistas sunitas é aplicar a máxima «o inimigo do meu inimigo é meu amigo». Quando esta é a única gestão, só o gestor sabe que tem o stock a zero. Como o petróleo. Este livro defende a laicidade e integração do comunitarismo islâmico nas sociedades ocidentais. Espero que sim, como devia ter sido a presença do Ocidente, após a Guerra, nos países do Norte de África. E nunca o foi, por desprezo e ignorância da civilização mediterrânica. Efectivamente há uma responsabilidade política em muitas religiões e a factura do colonialismo está ainda por pagar, independentemente de haver várias contra-facturas a cobrar. Mas a laicidade é mais uma armadilha de Robespierre. A Revolução francesa teve de inventar um culto pagão, por decreto. Por mais que Ramadan tente, devolvendo o ónus da informação, para um Ocidente, tão depressa sedento de Exótico, como violento, o islamismo não é laico e faz muito bem. Tem uma ideia política e jurídica das organizações sociais. Excepto nas seitas místicas, ninguém fica sózinho, no Islão. Mas como o Islão assentou sobre religiões antigas, assim o fez o Cristianismo. Dizer que o Islão não teve Renascença é ignorância. O Islão floresceu precisamente antes da nossa Renascença, e à distância de uma pedra. Ora inventou-se a Nação para dar lugar a todos e as Relações Internacionais para dar alternativas a essa disposição. Mas, no Ocidente, ou no Oceano, a administração da solidão é uma velha prerrogativa nómada e houve muito antepassado que morreu, para a garantir. Em Covadonga, os visigodos de Pelágio sobreviverem e venceram sózinhos, com vizinhos islâmicos. Mas Ramadan tem razão: a luta dos muçulmanos pela sua identidade, num mundo neo-colonizado é sobretudo isso. Eles são mais do Ocidente do que que nós, se calhar, desejaríamos. E o revivalismo foi também uma forma de organização da juventude, contra a droga. A droga, por sua vez, foi uma fuga do desabuso sexual, numa fase de histeria freudiana. O tráfico de droga é concomitante com o dos corpos e começa nas periferias da anomia. Que tem feito verdadeiramente o Ocidente para lutar contra a cultura psicadélica, sem qualquer consistência e contra o seu sucedâneo, o novo alcoolismo? É assim. Não esperem que os jovens muçulmanos, herdeiros de uma Grande Civilização, se deixem morrer. Em lado nenhum.

22.2.11

LXXIV - Un Printemps Arabe, de Jacques Benoist-Méchin, por André Bandeira

Este livro era o de uma Primavera entre os Povos árabes, há 50 anos. O autor fora da «Sinarquia», um termo associado a tecnocracia que contou, em plena Segunda Guerra mundial, com apoiantes em Moscovo, em Washington e na Paris ou na Vichy colaboracionistas.Como os arquivos só foram liberados em 2005, é ainda difícil dizer se os sinarcas constituíam ou não uma veleidade de conspiração mundial. O certo é que Benoist-Méchin conduziu um périplo pelos países árabes, num momento de renascimento nacionalista, quando a França, devido à Guerra da Argélia, cortara relações com eles. Benoist-Méchin fora condenado à morte por colaboracionismo e agraciado pelo Presidente Vicent Auriol, a par de outros como Lucien Rebatet. O que Benoist-Méchin nos diz, do lugar de quem ouviu a Morte bem a bater-lhe à porta, é que as multidões, entusiásticas ou em fúria, já naquela altura alastravam rapidamente da Síria a Marrocos. Havia o Sol, o Deserto, o Petróleo, os Santuários, a água, a Multidão e a juventude. O que o separa do cenário de hoje, é que os líderes nacionalistas, erguidos ao poder, ora apoiando-se num lado ocidental, ou na URSS, ou na China, eram um facto novo, indiscutido. Eles mandavam chover porque se firmavam como exemplos da autonomia e do orgulho de povos até então divididos por fronteiras desenhadas na areia e vítimas do colonialismo, bem como da Guerra. Mas tudo era volátil nas multidões. Embora o autor, até pela linhagem, fosse um bonapartista, o que a democratização dos países árabes, então a dar os primeiros passos,lhe parecia, era sobretudo volátil e emocional. Afinal Dominique Moïsi, com o seu conceito de «Geopolítica das Emoções», tem toda a razão. Uma integração maior da parte Sul do Mediterrâneo, no Hemisfério Norte, fará da política algo muito mais emocional e volátil. Consta que a Goldmann Sachs fez, há três anos, uma simulação de que como seria o Mundo com o barril de petróleo, a 130 USD. As conclusões foram sigilo, mas algo como «revoltas generalizadas» transpirou. Ora uma visão do mundo ao longo dos paralelos, esquece que a Arábia é muito África, onde Guerras Civis perduram por meio de armistícios e o Sahara nunca foi uma fronteira. Além de que discutir as fronteiras internas de África, as quais foram desenhadas pelos poderes coloniais, é precipitar um dominó tribal. Este enorme espaço árabe, Benoist-Mechin só o via limitado por três pólos: a Turquia, o Irão e a Arábia Saudita. Direi: um pólo europeu, um asiático e outro...místico (?). Acrescento que a teoria do inevitável espargir da democracia, nas suas fases iniciais, representa Guerra. E fazê-lo, só para dotar um Mundo quântico e stressado, com uma doutrina plausível ignora o facto de que a Democracia não é o Fim da História. No caso do Ocidente, foi apenas um dos princípios.

17.2.11

LXXIII - (Re) leituras -- Orientalism, de Edward Saïd, por André Bandeira

Reli este livro, passado seis anos e ganhei. Edward Saïd, teve a ideia e fundou, com Daniel Baremboim, uma orquestra que educa jovens judeus e jovens palestinianos, na Música. Saïd já não está entre nós, mas os Anjos ainda comunicam em música. «Orientalismo», publicada em 78 e pós-faciada em 1994 é a grande tentativa de um palestiniano, especialista em literatura ocidental, nomeadamente política e antropológica, contrariar os democratas neo-colonialistas como Bernard Lewis. Não é conseguida. Saïd prova que o orientalismo é uma literatura generalista do Ocidente, lida por ocidentais, para justificar o imperialismo sobre o Médio-Oriente, começando pelo Egipto. Realmente, os monólogos mais ou menos loucos, mas aterradores, de um Nerval, de um Flaubert, de um Chateaubriand, de um Renan, de um Sacy, de um E.W. Lane, ou de um «Lawrence da Arábia», convenceram o Ocidente de que os árabes são sensuais, preguiçosos, traidores e déspotas. E, alguns dos escritores citados, são honestos e neutros (só que os olhos do escritor são míopes). Os árabes «são selvagens que não riem», os árabes não tiveram Iluminismo, não separaram a Igreja do Estado (pois, nós dissolvemo-la no Estado). Ora bem: comecemos por Newton. Afinal Newton era alquimista e o seu cadáver tinha mais chumbo que um imperador romano bêbedo, morto com delirium tremuris. Mas não interessa, tudo isso passou, o Iraque foi invadido e a «rua árabe» revolta-se espontâneamente, dizem. Por fim, Saïd encontra uma solução para nos ensinar a música dos anjos: façam como Historiadora irlandesa Mary Ferguson, sobre a escravatura negra. As mulheres americanas eram muito mais verdadeiras sobre a escravatura, que os homens. Em suma: junta-se uma minoria (as mulheres), com uma minoria (os árabes desprezados) sobre uma minoria massacrada (os escravos) e obtém-se uma fenda na muralha do racismo. Tudo isto é um monólogo de um palestiniano muçulmano, respeitado e civilizado ao modo de Londres e Harvard. Pode ser esse o mal das derrapagens duma Democracia para o totalitarismo: quando um novo facto não é regular, muda-se a Lei, até o relativo ser tão relativo que a realidade é uma vertigem e a Lei se torna um mero instrumento. É cómico ouvirem-se agora discursos contra o multiculturalismo, não porque venham demasiado tarde, mas porque vêm de pessoas pouco cultas. Uma Cultura serve propósitos não-culturais, alguns deles chamados de existenciais, ou de biológicos, outros, direi, insondáveis. O primeiro passo da Cultura é o sentido da humildade e do limite, mesmo do limite do limite. Se se começar por aí, a explosão democrática de forças externas, na Arabia Infelix, talvez nos faça entender que não somos, nem nunca fomos Ocidente, mas somos Oceano. Mar sem fim, como em Fernando Pessoa, contra o Mar fechado dos Impérios.

13.2.11

LXXII - (Re)leituras -- Informalisierung - Norbert Elias' Zivilisationstheorie und Zivilisationsprozesse im 20. Jahrhundert, de Cas Wouters, por André Bandeira

Este é um livro sobre o sociólogo Norbert Elias, alemão que se refugiou nos EUA e passou, depois, muito tempo, em Amesterdão durante os ano 60, quando a Holanda se tornara o pólo da informalização das relações humanas. O livro acaba num paradoxo: espera que a informalização e a democracia se espalhem rapidamente pelo mundo, de modo a ultrapassar a «doença infantil» da independência política e da industrialização, e acabar com as diferenças entre países ricos e países pobres. Mas diz que as oportunidades e os riscos deste processo dependem de como o possamos dominar. Ora o autor parte da ideia de que a informalização e igualização das relações entre os seres humanos, é uma vitória contra o Poder e o domínio. Mas o Desconhecido permanece. Então há que apostar num novo domínio. Num mundio livre, igual e global, o informal passará a racional e o formal (não obstante a tradição ritual da Humanidade) passará a atrasado mental. Diz ainda que a Segunda Guerra mundial teria socializado os reinos da Alemanha, os quais alimentavam uma tradição fidalga de desprezo dos plebeus. A Alemanha foi derrotada pela tradição francesa,onde uma só Corte, em Paris, equilibrava todos os segmentos sociais da França. Em suma, qual é o slogan? Apagar «os contrastes», essa maldição psicológica. E se esses contrastes, como os duma paisagem, tiverem uma lógica no subsolo, que lhes serve de base? Ah, isso, a Ecologia vai ter de exigir uma governação mundial, e a independência política, que chama de «doença infantil» se for uma faceta das condições ecológicas, de subsolo, vai ter de se arredar. Apliquemos o autor ao moderno Egipto: foi de facto a informalização que varreu um dirigente de gêsso. No «tu-cá-tu-lá», é verdade que há uma grande juventude mas também há a juventude da memória. E há também a busca de um algoritmo,sempre provisório, que nos estimula a continuar a correr, nem que seja para entorpecer a Mente, atrás do acontecimento. Uma teoria permite-nos tomar fôlego. E duas teorias permitem-nos marcar o ritmo. Regressamos ao estádio pagão, onde quem não é eternamente jovem e informal, é melhor sair. Ora isto não é informalização, nem democratização. É uniformização. Com uma teoria. Infelizmente, os fundamentalismos religiosos, ou jornalísticos, tanto mais mudam, quanto tudo fica na mesma.

LXXI - (Re)leituras - In Search of identity, de Anwar El-Sadat, por André Bandeira

Este livro foi publicado pouco antes de Sadate ter sido assassinado. É importante lê-lo como uma longa reflexão do homem que criou uma espécie de Dinastia no Egipto. E lê-lo significa que não há só um tipo de coragem. Sadate parece-me, do pouco que sei, que é um muçulmano sufi. Sufi é o derivativo árabe de «philosopho», esse outro tipo de rebelde que a Democracia ateniense condenou à morte. O «Eu dominante» é o contributo dos sufis ou seja: só uma afirmação do Eu, como algo individual e único, é Destino. Destino de Deus. Os antigos falavam no Direito do Tirano, a sociedade moderna fala-nos do merecimento que as sociedades têm quanto aos próprios ditadores. Os antigos falavam também do Tirano bom. Ora Sadate matou com ferros enquanto pobre resistente ao colonialismo britânico e morreu, aos ferros de um capitão miserável que perguntava insistentemente ao Sheik, encarregado de o assistir nos momentos finais «Diga-me: acha que procedi bem?». Grande é o sofrimento dos homens sobre a Terra. Penso que Sadate retirou do deserto o orgulho de saber que sabia mais que os outros.Com isso,ultrapassou Nasser -- demasiado apaixonado -- e conseguiu uma Paz que o libertou dos russos e lhe deu o melhor dos norte-americanos. Sadate era um titista, distante de Hassad da Síria ou de Kadhaffi, mas amigo de Ceausescu. A sua dinastia, contudo, fora gerada entre jovens militares de academia, profundamente ressentidos com os britânicos que os formaram, desorientados quando no Poder e sujeitos a todo o tipo de influências. Ele foi dos que teve a cabeça mais fria e, de todos, o mais meditativo, malgrado as suas paixões e exuberâncias. A Morte igualizou-o à essência da condição humana que, como sufi, procurou. Mas a sua dinastia, fundada na resistência nacionalista, foi também criada por rêdes, sem um líder definido. Parece, neste livro, que a História do Egipto moderno é definida por redes de élite forjadas na clandestinidade violenta, ou por redes informais cheias de rumor e manipulação próprias duma sociedade feita de povos que chegam e tentam furar pela multidão dos que já lá estavam. E, nesta curva de passagem do Mediterrâneo, é jovens que as redes se lançam. O número não dá razão, nem peso a ninguém. Também o «Raïs» Nasser (como o Ras etíope ou o Ras fascista), prestes a ser invadido pelo inimigo, dizia: «O nosso país é muito populoso e isso constitui uma arma poderosa se dela nos soubermos servir». Como a água do Nilo, que só um grego louco, talvez chamado Daninos, conseguiu convencer Sadate e Nasser a reterem na Barragem de Assuão. Sim, porque o grego ocidental ama o vinho inebriante do Levante. Cleópatra era uma raínha grega, loira e de olhos claros.

10.2.11

LXX - (Re)leituras -- Tiradentes, de Oilian José, por André Bandeira

Eis aqui um livro de uma grande autor, mineiro, sobre um grande Homem, universal. O autor completou ontem 90 anos de idade, sendo o Decano da Academia mineira de Letras, na sede da qual foi devidamente homenageado. Pois hoje homenageio-o eu, como leitor desta obra sintética e completa sobre o mártir da independência brasileira e talvez um dos primeiros portugueses de um Portugal universal. Pena é que, para ler o livro com calma, ele me tivesse sido emprestado pelo próprio autor, pois já não se encontra, nem em Alfarrabista. O livro foca sobre a biografia e o itinerário de Joaquim José da Silva Xavier, cognominado o «Tiradentes» e -- para os portugueses que não conhecem a multifacetada História do Brasil -- ele foi o único executado da primeira grande revolta secessionista contra Lisboa, em 1789, a Inconfidência mineira, com centro em Ouro Preto. O que torna o livro do Professor Oilian José diferente dos outros, sobre o mesmo tema, é aquilo que o Tiradentes tinha de pessoa do seu Tempo: a criatividade e o idealismo. Dos seus ideais, na forma como se comportou durante o julgamento e interrogatórios preliminares, Tiradentes não reage como um herói de romance. Ele reage como um mártir cristão, cumprindo o que jurara, não denunciando absolutamente ninguém e assumindo a culpa sobre si, ao ponto de ir cumprimentar os outros réus quando todos, excepto ele, na manhã seguinte a serem condenados à morte, foram absolvidos. Tiradentes não era provavelmente o líder da revolta (se esta questão estava já definida pelos inconfidentes), onde nomes como Tomás António Gonzaga, ou Cláudio Manuel da Costa, pelo lado civil, e Freire de Andrade, pelo lado militar, se encontravam muito acima dele em prestígio e experiência. Há um ideal de cristianismo redentor na conduta do Tiradentes, bem expressa no símbolo triangular da Inconfidência Mineira, que representa a Santíssima Trindade, sobre fundo branco, a cor dos que reinvindicavam a Legitimidade, em sua época. Uma outra coisa interessante é averiguar, em História das Ideias, que ideia de Res Publica aquela gente procurava, uma ideia que, por exemplo, na Europa do Séc. XIX, era comum a Presidentes como Abraham Lincoln, ou Soberanos como a Rainha Vitória. E, nesse aspecto, estou em crer, que um homem multifacetado como foi Joaquim José da Silva Xavier, o qual idealizou o moderno sistema de distribuição de água do Rio de Janeiro, tem algo mais interessante a dizer que essa alma nobre e antiga, a de Tomás António Gonzaga.

8.2.11

LXIX - (Re)leituras - The Oxford History of American People, de Samuel Morison, por André Bandeira

Este livro é interessante porque o Historiador fala da população e diz logo o que sente. Por exemplo, amaldiçoa 1000 vezes Wilkes Booth, o actor confederado que assassinou Abraham Lincoln. Ora, estamos habituados a ver os Estados Unidos como um país branco e europeu, consumado, em que as utopias (e também as manias) europeias do Passado, se consumaram, como na eleição de um Presidente negro. Os EUA são desde o princípio, um país marítimo. A grande definição dos EUA faz-se com a Guerra da Secessão, onde os soldados cinza e azul-marinho morrem por igual,como cães, à mercê dos devaneios e vaidades dos generais. E os irlandeses anti-britânicos, por não quererem ser mobilizados, enforcam na Nova York nortista, numa tarde, 300 negros caçados pelas ruas.Por seu turno, negros e brancos massacram alegremente índios que, na sua maior parte, se batem corajosamente ao lado dos confederados. Qual era a solução nortista para os negros? Não os manter na escravidão, para não roubarem os trabalhos aos imigrantes pobres. E, depois, exportá-los para uma região de África, do Texas ou do Caribe, todos misturados, sendo que esta era a primeira solução de Lincoln, a mais nobre na altura. Mas alguns dos seus gigantes recusaram-se a ser deportados mais um vez. Alguns radicais anti-esclavagismo, entre os quais Thaddeus Stevens, defenderam realmente a igualdade. Stevens vivia com um negro e sabotou a moderação necessária na Reconstrução do Sul, impondo o sistema nortista, aristocrático, a um Sul que, muito mais que o Norte, tornara os brancos iguais entre si, viessem de onde viessem ( o brilhante General Forrest, dos Confederados, começou como soldado raso). Por isso, o Sul, a certa altura se tornou igualitário e criminosamente racista e parte dos Democratas do Norte que haviam combatido o Sul, se juntaram ao igualitarismo do Sul, onde os mais ricos e educados se elitizavam. Em suma, Lincoln, foi assassinado por ambos porque governou como um Rei, com poder moderador e firme. Morto Lincoln, os EUA passaram a ser um República imperial, logo no seu próprio território, e a reunir dois colégios eleitorais,periodicamente, para eleger um Imperador ou aclamá-lo. Por isso, a exportação da Democracia dos EUA nem sequer merecia o nome americano de «democrata», uma vez que era elitista na sua essência. E violenta. A guilhotina da Revolução Americana foi Gettysburg. A Guerra da Secessão produziu o primeiro campo de concentração da História e o primeiro matadouro de trincheiras. À data do fim da Guerra, os EUA tinham um milhão de homens em armas, o maior Exército do Mundo, de todos os tempos. Nos trinta anos seguintes diminuiram-no mas, de repente, ao virar do Século, multiplicou-se. Em nome do direito do mais forte à liberdade.

7.2.11

LXVIII - (Re)leituras - Cristianismo Libertador - Religião e Política em Leonardo Boff, de Rodrigo Marcos de Jesus, por André Bandeira

Eis aqui uma boa introdução ou linha de orientação para quem quer conhecer Leonardo Boff, este filósofo e teólogo brasileiro associado à Teologia da Libertação. Trata-se de uma Tese de Mestrado, naquela que alguns consideram a melhor Faculdade de Filosofia do Brasil, a FAJE. O livro termina com uma entrevista a Leonardo Boff, da qual, registo ele se considerar como influenciado pela Escola de Frankfurt e por Heidegger. Registo também que, em relação à «Teologia da Libertação», o autor considera Paulo Freire como percursor e Henrique de Lima Vaz, Vieira Pinto e o peruano Gutiérrez, como seus representantes. Já Leonardo Boff considera que Lima Vaz foi mais crítico que apoiante, devido ao seu hegelianismo, o qual se distanciou da urgência sinalizada na dialéctica do oprimido,de Marx, parte do equipamento dos teólogos da libertação, na análise responsável da realidade. De Boff, há muito para ler, sobretudo na sua mais recente formulação de uma «eco-teologia da Libertação». Do autor, há, a meu ver, que reparar num certo generalismo de termos político-filosóficos que funcionarão para os seguidores e para as pessoas associadas a um certa evolução recente da América Latina (reparei também na distinção feita entre América Latina e Brasil, que me pareceu mais que retórica)apesar do Glossário final. Apliquemos o que li. Boff diz, no fim, que Jesus vai e vai ressuscitando mais, de cada vez que seus irmãos e irmãs, vão ganhamdo vida e liberdade. Infelizmente, isto tem uma aplicação imediata: demagógica ou precipitada. A concepção de liberdade, em Boff, é uma abertura do Homem a «Tudo». Já sabemos que o conceito de «Tudo» é volátil e secundário, se não mesmo arisco, ao contrário do de «Todo». Porque não uma liberdade feita dum mergulho na Realidade, onde Espírito e Matéria se consubstancializam? Porque não uma Libertas mais prudente e menos deslumbrada pela libertação da Cristandade em relação ao Estado, como era a Humanitas clássica? Eu respondo porquê: porque o ofício de filósofo, numa época de exagero de comunicação, tem de ser revisto. Proponho em vez de um filósofo-político ou filósofo-teólogo, um filósofo-médico. Ou um filósofo-engenheiro, de entre os refugiados duma elaborada mina de pensamento que desabou, com fragor.

6.2.11

LXVII (Re)leituras -- From Babel to Dragomans, de Bernard Lewis, por André Bandeira

Este clássico, subtitulado «Interpreting the Middle East», do historiador britânico Bernard Lewis, é indispensável para se compreender o que se passa. Claro que também é indispensável reler o «Orientalism», do palestiniano Edward Saïd. Bernard Lewis é um neo-colonialista democrático da nova geração intervencionista.O invasor e o invadido ficam para sempre unidos, por algo que é a condição comum do ser humano. Nem um assassínio liberta o agressor do agredido. De Babel, ao tradutor (Dragoman, Meturgaman, Truchement), fica-nos a imagem dos «levantinos», tão belos e tão odiados. Os Fanariotas eram, originalmente, gregos que trabalhavam para o sultão turco e lhe serviam de diplomatas, não concordavam com os ímpetos independentistas do seus compatriotas e adoçavam as missivas dos Sultões aos reis infiéis do Ocidente ou despojavam as notas secas da Raínha Vitória, iludindo o Sultão que esta lhes reconhecia a suzerania. Com esta aparente covardia, este camaleões fizeram Paz e semearam equilíbrio. Ficaram como serpentes traiçoeiras, como nessa linda canção de Ney Matogrosso «Meu sangue latino» e não deixaram, nem um estilo de diplomacia, nem um credo de «Terceira Via». Mas ficaram belos, os levantinos, fazendo ainda sonhar toda a gente, que se apaixona por eles e por elas.Ora o Médio Oriente é hoje todo constituído por levantinos, mesmo que fundamentalistas e rigorosamente abstinentes de vinho e de fumos. Como lidar com eles? No Egipto, os Fatimidas, fundadores do Cairo, não conseguiram seduzir os outros com a sua versão do xiismo, que é um legitimismo caudilhista, e passaram a sunitas, mas com um secreto fascínio pela Pérsia e pela Mesopotâmia. A estes, só resta mesmo a oposição de uma multidão com fome e sem Justiça que se recusa a aceitar um líder encomendado por quem quer que seja, ou retirado por quem, não sendo de lá, o encomendou. A solução jacobina de 1789 só deixou mortos. O pacifismo de Ghandi parece esquecido, apesar de toda a sua força. E esta gente levantina, bela e maldita que, escorraçada do Mundo, entregou a Alá todo o seu destino, acomodando lá dentro Adonai e Jesus, só tem uma forma de ser agarrada, porque sempre se conduziu desse modo. Os jovens que gritam e aguardam corajosamente, são o que de melhor podemos tirar deste mundo. Sempre foi. Como diz um Espiritual de Harlem: «Não me fales a mais nada/Fala-me só ao Coração». Um deste jovens é presidente dos Estados Unidos. Não pensem que ele é assim tão frágil. Também é levantino. Ele também se enganou quando prestou juramento. O segredo dele está no coração, aquele que continua a pulsar quando uma pedra nos bate na cara e nos cega, aquele que os antigos egípcios retiravam religiosamente da múmia e aguardavam ao lado, porque acreditavam que era ali onde residia a alma. A mão do Homem treme. A de Deus, não treme.

LXVI (Re)leituras -- Chico Xavier, mandato de Amor, da União Espírita Brasileira, por André Bandeira

Esta edição comemorativa do grande personagem da cultura e da espiritualidade brasileiras, em Minas Gerais, Chico Xavier, vem confirmar no fundo aquilo que o recente filme, protagonizado por Nelson Xavier, nos tinha mostrado. Chico Xavier, concordemos ou não com os seus pressupostos kardecistas, de Espiritismo cristão, revela-se um personagem fascinante e tranquilizador, neste mundo um pouco agitado. Para quem não o conhece em Portugal, Chico Xavier foi um um Espírita do interior de Minas Gerais, responsável pela escrita de cerca de 400 livros, que obtiveram edições em todo o mundo, em 40 milhões de exemplares, entre novelas, ensaios e poemas, constituindo, por isso, um caso inédito na História da Literatura. Chico Xavier recusou quaisquer direitos de autor deste fenómeno editorial, dando-os sempre para a sua obra espírita e viveu modestamente toda a sua vida, porque considerava que o que escreviA era ditado pelos Espíritos, nomeadamente de Escritores famosos e, portanto, nada lhe pertencia. Ainda não examinei a sua obra, mas estou muito curioso sobre aquilo que lhe foi inspirado por Antero de Quental. Não discuto os pressupostos de Chico Xavier, personagem de quem basta contemplar as fotografias, para perceber que era um homem com uma alma muito boa. Porém, Chico Xavier representa também algo de maravilhoso: uma Cultura lusitana universal que não teve provavelmente os instrumentos da arrogânica partilhados por outras, para se impôr, mas que viveu nas pessoas humildes e profundamente sensíveis, como uma sementeira de enormes abundâncias, as quais explicam como é que um território de fundo da Europa, com recursos muito limitados, criou um império de espiritualidade tão vasto. E lembro que um índice recente fazia dos Portugueses as pessoas menos detestadas no Mundo, onde perderam o lugar para...os brasileiros. E não resisto a contar uma cena verídica do filme biográfico deste vulto maior da espiritualidade brasileira, para a contar aos Portugueses de Portugal europeu: quando era homenzinho, o padrinho que o recebera duma vida miserável e cheia de sofrimentos, resolveu levá-lo a uma dessas «Casas fechadas», para ser iniciado. Enquanto o padrinho, cliente habitual, falava com a madame e, depois de ter sido atribuída a Chico Xavier, uma jovem profissional bem atraente, um silêncio enorme foi-se impondo da sala ao lado. E depois, um rumor. Antes de ser expulso para sempre, o padrinho e a Madame foram ver o que se passava e viram Chico Xavier, de mãos dadas com todas as prostitutas que ali trabalhavam, de joelhos, em roda, rezando a Avé Maria. E pronto.

4.2.11

LXV - (Re)leituras -- O método Delphi, de Jon Landeta, por André Bandeira

Este método de previsão do futuro, foi inventado pela Rand Corporation, nos anos cinquenta, para descobrir quantas bombas atómicas os EUA podiam diminuir e, ainda assim, vencerem a URSS. O método baseia-se no consenso de peritos anónimos e, imitando a Ciência, falha porque a adição de nova informação, não se sabe se leva os peritos a mudar de opinião, ou se a nova informação provoca uma condescendência dos peritos entre si. Em suma, depois de passar de uma votação entre as prioridades dos peritos, passa a ser, não se sabe bem, um novo estímulo aos peritos. Ora a a Praça Tahir no Cairo estava com peritos no centro e outros peritos nas ruas adjacentes, a saber o que ia acontecer no futuro. Há quem diga (como Tony Blair, no Passado)que o Médio-Oriente está a acertar o relógio. Adiantar o relógio é semelhante a poupar, o que era o objectivo do método Delphi, nomeadamente o de fazer que os russos fizessem por nós o que devíamos fazer (e eles fizeram: construiram bombas e o Ocidente computadores, sendo que os russos perderam). A realidade é que as Revoluções acabaram. Dantes, os revolucionários começavam com golpes audaciosos, iam para a prisão, ou eram executados, endureciam como um espécie de élite vingadora e, depois, controlavam as massas, que eram massas. Nas «Revoluções das flores» as audiências ditam a agenda dos jornais, o número de «tweets» diariza os sufrágios.Mas, dentro da maiorias, há minorias mais maiores e outras maiorias em crescimento. Perito é quem é mais votado na hora. Ora metade dos EUA querem, e podem, desde já, prosseguir uma política semelhante à de Bush Jr. A realidade é que um sistema feito de ansiedade e de Bolsa dia-a-dia não esconde os precipícios que foram cavados à nossa volta, em comida, Energia e Tempo. A colonização, movida pela cobiça, não deixa de dar desculpas, esquecendo-se que um outro tipo de colonização já existe no sentido inverso e os mares estão cheios de sementes flutuantes. Até a Ecologia é uma panaceia patética, quando se sabe que a ecologia começa dentro das próprias Espécies, ou seja, entre nós, senão muito dentro de nós. Portanto, é inútil dizer que o Capitalismo está a chegar ao fim, ultrapassado pelas audiências democráticas ou corrigir, e até dizer que, não, afinal é o Materialismo ou a Civilização Industrial que está a chegar ao fim. O que está a chegar ao fim são as forças do atleta. O que está a chegar ao fim, é um modo de vencer que esmaga o adversário, privilegiando a combustão ou a primeira lei da termodinâmica que diz que todos os complexos energéticos tendem para o equilíbrio. Esta lei, como se sabe, tem uma segunda, a da entropia, que reza que todos tendem para a degradação, a não ser que sejam sistemas abertos, onde as dúvidas se levantam e nem o método Delphi, baseado no consenso dos peritos, nos pode ajudar. Não adianta dizer que há mais peritos numa praça, que nas ruas adjacentes. Vencer realmente um jogo significa dominar o jogo.Um comportamento belicoso não faz o jogador pois o jogo precisa de tranquilidade, mesmo sendo um dominó. E Ghandi ou Lanza del Vasto eram vencedores mas o Ocidente, pelos vistos,devido ao excesso de Tweets, está doente de Alzheimer.

1.2.11

LXIV- (Re)leituras -- Une Femme d'Égypte, de Jehane Sadate, por André Bandeira

Se bem que se trate de um livro da Guerra Fria, estas são as Memórias da viúva de Anwar El-Sadate, Presidente do Egipto que foi metralhado durante uma parada militar pelos jihadistas, estando ao lado Hosni Mubarak, general da aviação, e que levou apenas um tiro na mão. O livro conta toda a História do Egipto dos pós-guerra e como um resistente independentista egípcio, simpatizante dos Alemães, filho de gente muito pobre, chegou a Presidente do Egipto, fazendo então a Paz com Israel. Claro que foi condenado à morte pelos radicais islâmicos. Para gerir a sociedade egípcia, não restava outra coisa a Sadate que a libertar, mais ou menos, tendo muitas vezes, para sobreviver fisicamente, que reprimir os radicais cristãos e islâmicos. Na República egípcia, saída do condomínio turco-franco-britânico, o «raïs» nomeava um Vice-Presidente quando se sentia que não chegaria ao fim. O «bey» turco nomeava um familiar. Mas as grandes convulsões eram geralmente anunciadas pelo ataque a uma igreja copta, cristã, como se se tratasse de um sacrifício ritual.
Se bem que a anglo-egípcia Jehane Sadate tivesse sido uma erupção da modernidade no Egipto, a modernidade, nas suas diversas formas, como as «rede sociais» e o «Twitter» não são suficientes para fazer uma Revolução (tendo em conta que a Revolução soviética,depois de sair de cena,transformou o feudalismo em capitalismo primitivo). Assim como a modernidade no Egipto se limitou a justificar a consolidação das facções sociais dum país ponto de passagem entre a Eurásia e a África, a modernidade, no Egipto, espreme mas não desinflama. Quanto mais agitação houver -- entende-se deste livro -- mais o Egipto fica surdo por uma inquietação cultural fundamental e passa de mediterrânico, a país africano, desta feita sob um vento oriental, do Índico. Jehane quer dizer «luz» em persa e Sadate foi o único que valeu ao escorraçado Xá do Irão, quando este ia morrendo pelas capitais ex-aliadas, fugindo a atentados constantes. O Xá do Irão fora o único na região que tivera a visão de apoiar a paz de Sadate com Israel, não por imposição de Washington (a qual lhe prendera e expulsara o pai) mas pelo equilíbrio interno. Ora o Amor de um egípcio é realmente persa, sendo que o Irão não é um país de passagem. O Irão é um país de chegada.