23.1.11

LXII - (Re)leituras -- Lincoln, a Novel, de Gore Vidal, por André Bandeira

Abraham Lincoln terá sido o maior Presidente dos Estados Unidos. E...uma Guerra é algo medonho. Nesta novela de Gore Vidal, que não deixa de ser uma interpretação da História, apesar de bem revista por um Historiador de Harvard, pode-se ver que Lincoln se tentou suicidar quando a mulher que amava, Ann Rutledge, morreu subitamente. Lincoln nunca mais exprimiu a dor, a não ser quando o seu filho Wille morreu e Lincoln lhe disse, as lágrimas pingando sobre o pequenino cadáver « Nós amávamos-te tanto!». A Guerra da Secessão foi a maior Guerra da História até à sua época. Mais de meio milhão de mortos.Foi uma guerra verdadeiramente civil, entre as metades de um Povo enamorado e entusiasmado por si mesmo e, dentro de cada metade, entre numerosas facções e, dentro de cada homem, entre várias ambições. Neste último aspecto, os Confederados foram mais unidos e os demónios da Ambição menos potentes.Por isso, nunca se poderá separaá-los da imagem benfazeja de «rebeldes». Lincoln não se suicidou por Amor, mas parte da sua consciência foi substituída pela Ambição de ser Presidente. Na sua Arte e no seu Destino, Lincoln governou como Luís XVI, a quem chamavam tonto. Ao contrário deste, só foi executado depois de cumprir a sua missão. Ao fim disto tudo, conclui-se algo: a população afro-americana e mestiça da América daquela altura, foi como que uma espécie de instrumento, que se pega de qualquer modo, no ardor da luta cega. Uma das cenas mais comoventes da novela é quando os negros que esperam um Lincoln nunca visto, no porto da capital confederada, Richmond, depois desta se render, lhe pedem humildemente para lhe apertar a mão, ou, demasiado tímidos, apenas tocar-lhe.Há uma outra História da dor, a História de Deus, que não cabe nos nosso capítulos. E, espantosamente, actores dessa História, coexistem sem se conhecerem: Lincoln e os Negros norte-americanos. Entre eles há uma grande equívoco: a Guerra. Corrijo: há também uma ligação indestrutível. Uma História de Dor e do Milagre, uma individual, outra colectiva.

18.1.11

LXI (Re)Leituras -- Os danados da Terra, de Frantz Fanon, por André Bandeira

Vai fazer cinquenta anos que este livro foi publicado. Redigido por um psiquiatra argelino, na fase final da Guerra da Argélia, é um manifesto político anti-colonialista, no decurso de uma Guerra que custou três milhões de mortos à Argélia, dezenas de milhares à França e vários milhares à Tunísia e a Marrocos. Quatro quintos do livro são os mais conhecidos: navegam nas águas turvas confluindo da incredulidade soviética quanto aos seus peões no Terceiro Mundo com a cobiça chinesa de os fazer seus. É um grande pastiche hegeliano, romântico, onde um europeu da periferia (naquela altura, mais longe que a periferia de Paris)flutua nas massas, as quais apontavam o caminho, como uma moça bem feita, desde que Ortega y Gasset as viu em esplendor solar nas praias da Andaluzia, em 1920. Mas o último quinto do livro é de um Médico que descreve casos clínicos de Guerra. Mensagem: evitar a Guerra a todo, todo o custo. Muito do que sofremos é infinitamente mais valioso que uma Guerra. Mas Frantz Fanon pode também ser lido como um autor que, há cinquenta anos, já sabia tudo o que de falso e postiço existiria no período post-colonial em África e descreve as situações sob o colonialismo de um modo exactamente igual a algumas reportagens que ouvimos hoje sobre o Norte de África. Mais: Frantz Fanon é considerado um dos iniciadores do Terceiro-mundismo. Se se substituir algumas palavras no seu sonho de uma terceira via, quase tudo podia ser dito por um islamista radical. E, contudo, ele é ateu. Para além do valor da prosa e das verdades que vai dizendo no meio de uma enxurrada romântica, bem europeia (faz lembrar Heinrich Heine, na Alemanha pós-napoleónica), Frantz Fanon fala das sombras interiores das pessoas, que a resistência anti-colonial não soube apagar e faz-nos lembrar -- com alguma alegria para o diagnóstico -- que essas sombras são muito mais vastas e antigas. Mais antigas e embrenhadas que as fronteiras ou o nosso domínio da História. Aceito, com ele, que a «Europa» massacrou milhões «por uma experiência espiritual». Exijo que se chegue a um resultado depois de se andar a experimentar, morrendo desolado. E a observância das Religiões não nos serve de desculpa. No Norte de África, como em outros sítios, as pessoas precisam de comer.

12.1.11

LX (Re)leituras - Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, por André Bandeira

Não gostei do Romance. Fiz um grande esforço para ler este capítulo único de 623 páginas. Estou farto de Riobaldo e, quanto à relação dele com Diadorim-Reinaldo.Dizer que Diadorim, afinal era uma mulher, a dez páginas do fim, não convence nem um ingénuo. Por outro lado, o tenente Euclides da Cunha, o autor de «Os Sertões (a campanha de Canudos)» relativo à Guerra movida pela República brasileira ao povo monárquico do Nordeste, no fim do Séc. XIX,era muito mais emotivo que Guimarães Rosa mas teve a enorme responsabilidade, e o feito, de salvar a honra do Povo do sertão. Morreu num duelo e, como o matemático Cauchy, foi genial, talvez porque o seu objecto -- como o de Cauchy -- ou sejam, Antônio Conselheiro e Canudos, foram de carne e osso, enquanto a jagunçada de Guimarães Rosa é pura fantasia. Concedo que Guimarães Rosa é autor de alguns dos melhores aforismos da Língua Portuguesa e todo o livro é engraçado, cheio de verdades e até de frases que foram merecidamente usadas no discurso oficial em Brasília. Mas este livro é todo um adiamento, e a celebração do não-importa-o-quê como revelação dos deuses,antes das botas cardadas de Estaline institucionalizarem o não-importa-o-quê como stress produtivo. É a modernidade por orgulho e vaidade, antes de passar a vício. Realmente o «Realismo fantástico» de Cortázar, Asturias, e Garcia Márquez corresponde ainda ao apodrecimento dos europeus nos trópicos do Novo Mundo, mesmo que Llosa apanhe os cacos e os ate todos com uma gravata de sêda. À falta de filósofos -- ou melhor: ante o desprezo destes -- arruma-se um xamã sincrético que é actor e Realizador do seu próprio filme, largando em transe, uma enxurrada verbal. Claro que muitas verdades e uma bela sinfonia, marcam a cena, mas Guimarães Rosa, pelo menos por aqui, não nos dá nenhum Pensamento. Só nos dá uma Mentalidade. Todo o Pensamento é relativo, mas não pode ser evitado num romance social e linguístico como é este. E não se pense que a ausência de Pensamento pode ser substituída pela verosimilhança de uma grande representação. Guimarães Rosa é um Actor. Uns dirão: actor da sua própria História. Como se a vastidão do Universo, em torno da História, para além do palco e das portas do Teatro, não tivesse consistência! Passemos ao seguinte, nesta linha de quem se diz preocupar com os outros, só para que desviemos a atenção de nós próprios, e vamos ver se é mais substancial: vou ler mais Leonardo Boff. E, sobretudo, vou ler Chico Xavier!

8.1.11

O caminho é servir !

Os escândalos de corrupção da 3ª República vão desaguar todos ao mesmo ponto ; a ausência de uma atitude de serviço. Não todos, mas um número suficientemente preocupante de influentes enriqueceram à margem da lei e, como agora sabemos, à nossa custa. Quando Cavaco Silva se afastou em 1995, é porque conhecia a gente intratável que tinha em seu redor; que agora queira regenerar a República com os poderes menores de Presidente é, pelo menos, estranho. Quando Guterres se afastou em 2002, por causa do “pântano”, é porque conhecia outros tantos animais políticos a chafurdarem à sua volta. Foi para um palco internacional.
A oligarquia do Bloco Central apoderou-se nos corredores do poder do agenciamento de negócios: a democracia portuguesa tem que se libertar dela e para isso só há um caminho, que é o caminho do rei. Queremos a monarquia, ou queremos dar um rei à república, porque o caminho do rei é servir, servir a pátria sem procurar nada para si. Queremos o caminho do rei, porque cada um de nós deve servir, sem ingenuidades nem contemplações para com os corruptos, e sabedor de que por cima das empresas, e dos indivíduos, temos de unir os interesses do Estado aos interesses da sociedade mediante o princípio monárquico que aponta para uma unidade de propósitos e um consenso sobre o futuro de todos os portugueses.
Para esta finalidade, as eleições presidenciais são secundárias e o alheamento que cresce em seu redor é significativo. É a falta de atitude de serviço revelado pelos políticos da 3ª República que leva à descrença generalizada neles, memos aos que procedem bem. Pelos mesmos motivos, existe um número crescente de monárquicos que se pretende abster, votar nulo ou branco, tal como existem muitos mais que preferem conscientemente votar pelo mal menor, ou escolher um candidato onde reconhecem a independência da sociedade civil. Porque acima dos partidos e das pessoas, os monárquicos seguem o caminho do rei, que é servir, ou seja, colocar a Pátria acima dos interesses particulares e colocar a democracia ao serviço do Povo…