5.8.10

LIV - (Re)leituras: De la Démocratie en Amérique, de Alexis de Tocqueville, por André Bandeira

Eis uma edição de 1951, data da 4ª República francesa em que os comunistas e os gaullistas constituíam a esmagadora maioria da França, num projecto anti-americano, na Europa. Esta edição, cuidadosamente comentada por André Gain, revela o que havia de profético no aristocrata francês Alexis, que fora, em 1831, para o EUA, estudar o sistema penitenciário americano e voltara sendo o maior perito europeu, sobre os EUA. Tocqueville é um amigo da Democracia e termina o livro com uma conclusão brilhante: os climas e os acidentes históricos moldam as Nações, mas o que conta é sobretudo o que os Povos fazem do seu património histórico.
Tocqueville tivera o realismo, mas também a coragem, de abraçar a Democracia, face à Aristocracia, mas não abdicara de considerar a importância das diferenças do Género humano, sem o respeito das quais não há Liberdade, pois nada há a libertar (e a Liberdade é algo concreto). Profeta do que seriam o Fascismo, o Comunismo e as ditaduras mistas de ambos, chamadas «latino-americanas», mesmo quando acontecem na Europa ou na Ásia, Tocqueville antecipa o caminho para a servidão empreendido pela Democracia totalitária (o que é bom é aquilo que a maioria acha). Mas qual é a origem do «aristocratismo em vias de se tornar democrata» de Tocqueville? Primeiro, é o particularismo francês, em que as diferenças sociais tinham resistido contra um Soberano todo-poderoso. Tocqueville é, portanto, contra o absolutismo. Mas será Tocquevilie um monárquico liberal, ou seja, um republicano adiado? Tocquevile, a certo ponto, diz que o futuro temível é uma República monárquica na sua administração ou seja, cheia de pequenos reizinhos burocráticos e desprovida de particulares que resistem ao Poder central, pelo sua legitimidade e vitalidade. Pois parece que as sociedades evoluem, mesmo no modo como manuseiam a sua realidade política,mas o aristocratismo francês -- que fora sujeito a tantos banhos de sangue -- é sêco e materialista.O aristocratismo francês tornara-se republicano, não por ódio ao Antigo Regime, mas por trauma do Absolutismo Esclarecido. Há um descarnamento e uma crueldade na racionalidade francesa, mesmo quando cultiva as virtudes de uma certa aristocracia (Tocqueville propõe a possibilidade de uma aristocracia gerada pela Democracia). Do optimismo desesperado de Condorcet, à Fé de Maistre, ao cinismo de Maurras, há uma convulsão enorme. Talvez o aristocratismo francês tivesse o descarnamento próprio dos romanos, sózinhos na fronteira face aos hunos, depois de Roma cair. Antes do ditatorial Lutero se revoltar contra os diabólicos vaticanos da altura, já os franceses tinham uma secura que nada era de aristocracia, mas apenas de arcaísmo vingativo, e bárbarao, mesmo que o barbarismo o fosse ao modo dos troianos e etruscos, fundadores da Roma antiga: uma espécie de desprezo pelo Género Humano. Ora uma aristocracia assim, é anti-monárquica, embora não seja ainda democrática. É realista, sem ser Real. A vantagem de uma monarquia pode ser a mesma de uma República, com a vantagem de que a primeira é uma muito mais sábia das tradições históricas de uma Nação.Talvez a Monarquia funde muito mais fundo, as raízes tão diferentes de querermos viver em comum, a qual nunca é uma forma comum de viver, como nada na nossa vida pode ser banal e indiferente, uma vez que só vivemos uma vez. Talvez para a Eternidade.

3.8.10

LIII - (Re)leituras: Introdução à Antropologia Cultural, de Mischa Titiev, por André Bandeira

Um clássico de 66. O que parecia óbvio, na geração dos «baby-boomers» e de Kennedy, e agora se oxidou, ficou a parecer um pouco esquisito. O Dr.Lynd e a mulher, na década de 20, foram estudar os índios Murcie em Indiana, nos EUA. Eram sociólogos e estudavam uma tribo primitiva. Faziam etnologia viva. Aplicaram então - outros por eles - os mesmos métodos à sociedade moderna e passámos todos a parecer índios. Estava em curso a descolonização. Para que o comunismo não ocupasse a alma dos índios, os EUA passaram a considerar-se, eles próprios, índios (o que era conveniente) mas, visto bem à luz de hoje em dia, o que eles passaram, foi a tratar a sua própria sociedade como algo distante, no meio do deserto. Urinar dentro de casa ou dentro da casa-de-banho, era uma questão de ordem dos factores. Se cheira mal ou não, era uma questão de gosto. Portanto: tudo era moldável e encadeável em séries diferentes. Tratava-se tudo de composição dum filme, umas cenas atrás e outras à frente. O importante era reduzir tudo a fotogramas.
Claro que Mischa Titiev canta, no fim, o hino do costume, ou seja, assobia que todos somos humanos, que nenhuma cultura é superior à outra, enfim, o credo da ONU. Contudo, o que restou de nós todos foi um gesto de estranheza em que nada era óbvio, em que nada tinha continuidade, como se as «culturas» perdidas não fossem do conhecimento ou não tivessem contribuído para a evolução das culturas «dominantes», enquanto não fossem fotografadas pelo olho distante do antropólogo. Enfim: os desmandos todos eram possíveis, porque éramos todos tribos.
Conclusão: a pretexto de não esmagar as culturas primitivas, a Antropologia cultural dos EUA licenciou o direito a acharmos tudo estranho, anacrónico e considerar que, se as pessoas não forem assim, não constituem sociedade, logo não têm direitos.
Quando, hoje, o Gen. Michael Mullen diz que tem um plano de ataque ao Irão, para além de isso ser uma estratégia de dissuasão por medida, o que ele nos diz é que somos todos tribos e, portanto, temos o direito de atacar com o machado de guerra.
Não foi Ruth Benedict, uma indivídua de afectividade anacrónica, que nos disse que ou só podíamos ser austeros (apolíneos) ou tresloucados (dionisíacos)? Pois é: cristão que não sacrifica ao Imperador, roda na arena dos leões. Já era assim, no mundo dos velhos e dos modernos bárbaros.

1.8.10

LII - (Re)leituras: Sociologia Jurídica, de Antônio Luís Machado Neto, por André Bandeira

Este é um Manual escolar. E, como todos os manuais escolares, obedece a regras clássicas de construção. Mas esconde algo diferente no fim. Dá a sensação que este Manual dum Professor de Direito da Baía, publicado em 1987, segue um percurso clássico (positivista, francês do Séc. XIX) apenas para expressar o seu «raciovitalismo», de Ortega y Gasset e do mexicano Récasens Siches. Muito bem: temos o voto dele bem expresso numa matéria que ele define, entre o positivismo seco de Comte e o individualismo de Tarde, como uma descrição dos fenómenos sociais que produzem o Direito e, em seguida,o efeito do Direito nos fenómenos sociais.
O defeito é que esta banalidade, dita ao cabo de muitas páginas, algumas citações poliglotas, antigas e modernas, continua a ser clássica. E o mal deste manual é que se fica com a sensação que a Coruja de Minerva, não vôa ao anoitecer mas vôa na manhã do dia seguinte, sem retorno.
Um dos males dos juristas é que pouco experimentam, pouco vivem e, depois da sua dogmática, limitam-se a expressar uma simpatia ideológica de escola (neste caso, o vitalismo latino de Ortega), bem escondidos. Os juristas perpetuam assim a sua timidez e, involuntariamente, exageram as suas paixões sensíveis.
No fundo, é impossível fugir ao contínuo das sociedades modernas, em que o «espírito» de Espécie, acelera a História para uma Evolução contínua, onde a batlaha é mental e a Guerra não se sabe ainda bem qual é, mas nela convergem várias guerras antigas e resilientes.
Os países latino-americanos não tiveram Reinos (ou os que tiveram foram destruídos, muitos deles com a respectivas Histórias) mas restou-lhes algo de Império. Machado Neto representa esse espírito de Império, que nada tem do bolivarismo inicial, o qual levou ao desenho actual da América Latina.Duvido que este «Império», mesmo tendo evoluído para República, seja uma solução para um continente que está agora a despertar. Isto, porque a solução norte-americana não se adapta aos trópicos, mesmo sob a forma de Império. Talvez a América Latina esteja mais perto do Pacífico e da Oceânia, como a América do Norte está mais perto da Europa ocidental.