25.11.09

I - Audições: Slavoj Zizek em Hardtalk, da BBC, por André Bandeira

Depois de o ouvir, uma ou duas vezes, este filósofo da moda deixa-me desesperado.Diz que o comunismo é a solução para o capitalismo em que vivemos. E o entrevistador ainda parece mais desesperado do que ele. Enfim, esta entrevista em que Zizek já vinha preparado para uma «luta», é uma agressão ao telespectador. Porque é que este esloveno consagrado aceitou? Talvez porque os Conservadores vão ganhar em Inglaterra com um programa de esquerda e uma honestidade de conservadores. Tony Blair tinha um programa individualista próximo da histeria e, claro, o blairismo foi uma aldrabice. David Cameron virá com um programa de Esquerda que resvalará para a Direita e ficará também desonesto, porque a Inglaterra está condenada ao declínio, muito antes dos EUA e não há ainda uma consciência internacional conservadora. Porque digo isto? Porque uma entrevista de meia-hora a um escritor talentoso como Zizek, é inteiramente manipulada pela situação política decisiva em que se ganham e perdem votos com audições e imagens. Quem manda? A retórica, como massagem psicológica dum cultura de rebanho. Fugir a esta cultura de rebanho, que é já por si um cataclismo, é como fugir da droga.Em suma, Zizek é famoso entre os capitalistas porque escreve bem sobre filmes e pega bem frases no ar, como numa taberna mediterrânica do Sul do Império austríaco, onde os neuróticos de Viena podiam beber uns copos e seduzir umas moças. A isto se reduziu a Esquerda, uma das duas patas do Despotismo iluminado. Não adianta que Zizek diga que o comunismo foi um falhanço total e que o estalinismo foi pior do que o nazismo. A solução para um mundo de dor e confusão -- por razões que ainda não são muito claras -- é voltar um bocadinho atrás, a um comunismo como rosto humano,diz ele, como quando Zizek "lutava" em manifestações reprimidas suavemente, quando era novo, no «Comunismo» da Jugoslávia. Enfim, daquilo que este mundo malcriado e vulgar ainda não se libertou foi do guru modernaço Karl Marx, caro aos corpos «quentes» de Wall Street e aos corpos «sedutores» da Rive Gauche, o Marx sem concorrentes, adorador do deus dinheiro e que meteu poetas ou artistas a fazerem de filósofos, onde se tornaram em charlatães. Então, se eles forem misturados com jornalistas, temos um filme a falar sozinho, onde Zizek é o garoto loquaz da Democracia, com sessenta anos e o jornalista é o especulador da Bolsa com o emprego em jogo, aos quarenta.

22.11.09

XLVI - (Re)leituras - Anti-cancer, Prévenir et lutter grâce à nos défenses naturelles, de David Servan-Schreiber, por André Bandeira

David Servan-Schreiber surpreende-nos todos os Natais com um bom livro. E dá-nos uma nova concepção ao «best-seller». O livro vende-se bem? Então não é só num romance, destinado a absorver e alhear o leitor da barbárie informativa do dia-a-dia, mas tem de ir para a estante do leitor como uma lista de bons conselhos que se podem consultar caso a caso, ou consultar em geral. Por exemplo, quando ele nos dá, com uma técnica de imagem que já não é livresca, o «prato anti-câncer». Bom… este livro não é (mas pode ser) para hipocondríacos.
Na parte que não pode deixar de ser livro, o autor revela-nos aquilo que só se sabia superficialmente dos livros anteriores. Servan-Schreiber, judeu francês e filho do fundador dum dos Semanários mais importantes da França, o l’Express, obviamente ganancioso pelos EUA (onde é Professor), como todas as elites bonapartistas, depois de ser um jovem e arrogante neurologista, descobre durante uma brincadeira com os colegas, que tem um tumor maligno no cérebro. Quinze anos depois, venceu o tumor, mesmo depois de uma recaída e é sobre as técnicas de sobrevivência bem como de prolongamento da vida, e da busca incontornável do seu sentido, que ele exerceu o seu dever de nos informar. Ele dá muitos exemplos reais e tocantes que nos deixam calados. Pode dizer-se que a dieta mediterrânica é um bom preventivo mas também que a Civilização ocidental, que vem perdendo o domínio no Séc. XXI, deve ser afastada de um regime saudável de vida. Em suma, o modelo protestante anglo-saxónico faz objectivamente mal à saúde ou – como eu interpreto – é uma tal armadilha que, realmente, quem sobrevive nele, é porque travou com sucesso uma batalha bárbara que faria corar qualquer democrata liberal e sorrir de cúmplice a um antropófago. Concedo que Servan-Schreiber, como muitos judeus europeus, quer fugir de um ghetto interior, e que se expôs deliberadamente a todo o orientalismo da romaria norte-americana, com ioga, tai-chi e ecologismo radical. Mas o que ele nos ensina tem de ser ouvido: para sobrevivermos todos os dias, já não bastam os optimismos naturalistas da Europa romântica. É preciso comer e mover-se como um habitante do ghetto de Varsóvia, antes de mais uma levada. Não é paranóia. É a realidade e, neste aspecto, o Povo judeu da diáspora mantém intacta a sua força profética. A Democracia faz mal à saúde mesmo com um Serviço Nacional de Saúde.
Mas que vivemos num tempo de trevas espirituais profundas, parece-me que só uma pessoa acometida por uma doença assim o pode testemunhar. E não adianta proclamar a «Liberdade», que só um doente de cancro, absolutamente inocente, pode dizer-nos o limite de mais essa arrogância. Reduzir o mundo a uma dialéctica Esquerda-Direita é como matar por amor a um Clube de futebol. Mas, também, ver o mundo como Servan-Schreiber o vê, é esquecer o que disse o seu conterrâneo Bichat: « a vida é o conjunto das funções que resistem à morte». Mesmo aquelas que nos dizem que estando qualquer um de nós, morto, a prazo, resta-nos o dever de combater a Morte. Cada um de nós é uma «função de Bichat» e talvez este Natal seja melhor gastar mais em jogging, como os pastores do presépio e menos em camelo, como os Reis magos.

20.11.09

XLV - (Re)Leituras:The Geopolitics of Emotions, de Dominique Moïsi

Este livro foi publicado depois da eleição de Obama e antes da aprovação final do Tratado de Lisboa. Dominique Moïsi, do IFRI francês, é, talvez, o especialista de Relações Internacionais, francês, que melhor fala inglês. Filho dum sobrevivente de Auschwitz, parece-me o exemplo consumado da profunda estupidez do anti-semitismo. Não concordo com ele, já o presenciei em algumas atitudes um pouco arrogantes ou snobs, se não mesmo afectadas, mas tudo o que escreve é razoável, civilizado, até um pouco ingénuo, e sem ponta de perfídia. Neste livro, ele explica que as determinantes do Mundo moderno são a cultura da humilhação, à qual ele associa o mundo islâmico, e a cultura do medo, à qual ele associa o mundo israelita, mas também certa Europa e certa América. Termina com um capítulo de futurologia, com um cenário mau e outro bom, sobre o Mundo em 2025. Tem umas ideias interessantes como as de que os EUA se tornarão os missionários da ecologia, assinando um Acordo de Tóquio modificado e que tal os fará reentrar na Comunidade internacional, depois de passar um herdeiro de Obama, que será de extrema-direita mas isolacionista. Penso que exagera. Prevê, apesar de tudo, uma União Europeia, alinhando como Bloco económico e militar ao lado dos EUA, da Rússia, da China e da Índia mas, depois de um cenário, também possível, em que a Europa se reduzirá a menos do que o Reino Unido inicialmente queria dela. Prevê a independência da Catalunha, da Escócia e do País de Gales. Deixa o Brasil para depois. Prevê, apesar de tudo, um declínio da Europa, com expulsões em massa de emigrantes, prevê conflitos graves na Ásia, com a inevitabilidade de um regime fundamentalista no Paquistão, ou uma guerra local em Taiwan, e um exaurir do desenvolvimento da China. Prevê um clube muito maior de países nuclearizados, a começar pelo Japão mas também com a Turquia, a Arábia Saudita e o Egipto. Fala no bombardeamento conjunto das instalações nucleares iranianas, pelos EUA e Israel,derrubando Ahmanidejad, mas gerando um ódio generalizado aos EUA. No cenário bom, enquanto Israel e Palestina assinam finalmente o Tratado de Paz do conflito central da Modernidade, para Israel não acabar e a Palestina poder existir, abrindo Tel-Aviv mão de parte de Jesrusalém bem como dos territórios ocupados, e renunciando a Palestina ao direito de retorno dos seus exilados, o resto do Mundo debate-se com conflitos regionais. O Conselho de Segurança será alargado e contará com um Secretário-Geral carismático. Os «Grandes« contarão com a China, a Índia e o Brasil. Enfim, como ele diz, numa técnica de argumentação em que diz algumas coisas agradáveis, e deixa o paradoxo inquietante para o fim da frase, afinal Huntington tinha razão, porque conseguiu, em 1993, espalhar o perigo islâmico, o qual se materializou. Citando Hegel, os Homens fazem a História sem saberem qual. Acho que ele,o autor deste livro, realmente, não sabe.

17.11.09

XLIV - (Re)leituras, Milton: Political Writings, edited by Martin Dzelzainis, by André Bandeira

This collection of Milton's Political Writings, published in 1991, sheds some light on a politician who managed to survive as a poet. He got blind, had to go on hiding but finally got his own Candide's garden.
After reading his Tenure of King's and Magistrates, written to justify the beheading of the catholic Charles the First, and especially after reading his vitriolic argument, in Anglicorum Popolo Defensio, with Symasius, who was himself an «hired gun» for the royalists, one concludes that the modern conception of Republic didn't surface in Paris, in 1789, but did it long before, in London, in 1649.
What made both of the republics so prone to beheading as an execution techinque? It was the same costum of reserving to aristocrats, the fast lane. If the matter was speed, the ensuing civil wars, which didn't stop at all, neither during the Glorious Revolution, in 1688, nor with Napoleon, became the weapon of choice for eliminating other categories of ennemies, who were slower in time. At some point, Milton contends that his peculiar way of defending Cromwell's militar dictatorship is supported by evidences such as the fact that there is a pars potior or a pars sanior, a better or a healthier part of the population (the army, for instance) to legitimize a murder vested in trial. It doesn't matter which kind of church or doctrine, was Milton standing for. A mixture of Zwingli, and Luther was fair enough, particularly if all of it mouthed in the well proven demagoguery of Buchanan. As it happens in every Revolution, especially those ones proped up by black shirts such as the puritans and round-heads, the protagonists, and nobody but them, are day-dreaming. Therefore, there is a need in combing poets with advocates in every revolution, because they make nightmares look like dreams.
As far as one studies the fine art of conspiracy which leads to Monk turning his coat and facilitate the restoration of Charles the second, and, further in time, the restoration of parliamentarism, by William of Orange, one gets the feeling that what counts, is to have friends who stay afloat in every situation. If this corresponds to a technique of managing a stock of skeletons in the closet, as a kind of way in reaching a newtonian mass, it depends on how far Newton followed a secret cult. But it shows as well that nobody needs a kind of british parliamentarism, where royalists are ressented and republicans are frustrated. Instead of a little fatalism called Leviathan and a great deal of cynicysm, called Behemoth, as Hobbes put it, one needs more than a cave light which led Milton to see Lucifer as a superman, the moment he couldn´t see anything. As a matter of fact, in Paradise Lost, he watched the wrong movie: it was Frankenstein. The parts of the monster's body were ghosts of a demagogical assembly of sensations : an allucination called res publica.

XLIII - Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, por André Bandeira

Este livro, tem edições subtis. Pego na de 1946. Mas o livro foi escrito, em 1936, um ano antes do golpe facistóide de Getúlio Vargas e dois, depois da insurreição comunistóide de Luís Carlos Prestes, o «Cavaleiro de Esperança». O texto é uma boa peça de investigação para a identidade portuguesa, no Séc.XXI. Para um país, como o Brasil, que será uma potência mundial dentro de alguns anos, e cujos intelectuais, depois de se sentarem à mesa dos maiores Pensadores do seu Tempo, insistem na identidade portuguesa das suas raízes, Portugal ainda é importante. Mas Sérgio Buarque de Holanda não se ensina nas escolas portuguesas, talvez porque há gente em Portugal que quer dissolver a identidade nacional, há muito tempo e a luta é amarga, há muito tempo também. Holanda terminou aqui a sua sociologia do Brasil e passou a Historiador. Dizem que foi Historiador das mentalidades.Porque,com tanta traição e tanto Miguel de Vasconcelos, Holanda não podia ir fazer a História do Brasil, em Lisboa. Rir-se-iam dele, como «brazuca». Por isso, saíu da América Portuguesa para uma outra América, que também tocou Roma.Contudo, Holanda sofre dum amargor irreparável em relação ao Brasil. Não o troca por uma cátedra na Europa, torce-se em esgares duma Nação em trabalho de parto e, por isso, não lhe adiantaria pensar que está noutro lugar. Defende, a concluir, que há um «espírito» que comanda a História e que a forma de Estado que o contorna, fica sempre no contorno. O erro dos fascistas, nomeadamente os postiços «integralistas» brasileiros, foi não serem oposição nenhuma. E o erro dos comunistas brasileiros foi o de serem naturalmente «anarquistas». Holanda deve ser um hegeliano no Brasil espírita, o que torna a pergunta sobre quem é o seu «Espírito da História», uma chalaça. Holanda é conservador e autoritário, apesar de se julgar avançado. E é-o em nome do realismo, dum frio polar como o de Max Weber. É cómico ver um «frio polar» num intelectual brasileiro. Portanto, a identidade nacional de Portugal é também brasileira, já que este frio polar permanece na combustão tropical dos portugueses. O estudo minucioso que Holanda fez da monarquia brasileira, apesar da curta duração desta, é fundamental para Portugal, porque a mesma pode ter durado pouco mas envolveu milhões de almas. E Holanda fala sem problemas de «influência ibérica», para, a todo o momento estabelecer a diferença abismal entre Portugal e Espanha. Pois...é que o Brasil não precisa nem de ódios, nem de guerras, nem de traições, para perceber a sua especificidade lusitana. O Brasil não é um imenso Portugal mas Portugal é um pedaço do Brasil.

15.11.09

XLII - Republicanos e Libertários - Pensadores radicais no Rio de Janeiro (1822), de Renato Lopes Leite, por André Bandeira

Hoje é 15 de Novembro, data da proclamação da República no Brasil. Alguns intelectuais brasileiros lamentam a data, dizendo que a República do Brasil inaugurou um período de guerras civis e aboliu um Imperador, Pedro II, que era afinal republicano. Neste livro percebe-se que já o seu pai, D.Pedro I, II de Portugal, era provavelmente republicano e que a luta nas Cortes constitucionais em Lisboa foi entre republicanos brasileiros e monárquicos portugueses. Mas a luta nas Cortes constitucionais do Brasil independente, em 1823,essa foi entre monárquicos constitucionais e republicanos. No fim, perderam os republicanos, e fizeram a Liga do Equador, que se revoltou contra o Rio de Janeiro de D. Pedro II do Brasil, levando ao primeiro ciclo de violência, no qual pereceram de João Soares Lisboa, um português feito brasileiro, e Frei Caneca. Mas o livro conclui de um modo cândido, dizendo que a proclamação da independência do Brasil, foi sobretudo resultado da intervenção da Imprensa republicana. O livro diz que sim. E acrescenta que o apoio popular foi certificado por uma série de festas públicas e populares em tumulto, nas quais a «voz do Povo» deu vivas ao Imperador do Brasil, entre foguetes e cornetas. Enquanto se lançavam também as sementes de um conflito racial, a proclamação foi o resultado de uma luta de elites, nas quais a minoria republicana - assinale-se -- nunca simpatizou, nem com Robespierre, nem com as invasões napoleónicas. E o conceito de Liberdade desta minoria era sobretudo a resistência à corrupção e à arbitrariedade do Estado. João Soares Lisboa morre em combate, agonizando por um dia, encostado a uma árvore,com uma frase bonita: «Morro nos braços da amizade».
Reconheço os ideais desta gente capaz do martírio. Porém, a História é tão irónica quanto a Humanidade. O desejo de Justiça e de Paz destes revolucionários surgiu depois de uma política sinistra e secreta, inaugurada com a abortada República de Cromwell e a seguinte Restauração dos Stuarts em Inglaterra, tudo abençoado pelo mago Hobbes. Não trouxe Paz a ninguém, entre picos de Justiça, semeou desertos de Injustiça e, de consolo, deu apenas breves alívios.Um regime deixou de se poder justificar por uma sequência de festas populares, em tumulto, nas quais se gritam alguns slogans. Os Reis que ainda existem, como as calotes polares da Humanidade, têm o dever de travar as lutas raivosas das elites. Com o escudo da gente boa e a espada da gente verdadeira.É esta a promessa do Rei Antigo, que não reina senão nos corações e que não é Imperador de nada.

12.11.09

XLI - (Re)leituras - The post-american World, de Fareed Zakaria, por André Bandeira

Fareed Zakaria, ex-editor da Newsweek, e com show próprio na CNN, escreveu este livro, pouco antes de Obama ser eleito. Hussein Obama fez um ano de presidência e John Muhammad, que, com o filho, matara dez pessoas arbitrariamente,em 2002, presumivelmente por uma imitação solitária da Al-Qaeda, foi executado sem últimas palavras.Dois nomes de nómadas do deserto dão o alfa e o ómega deste mandato presidencial que Zakaria, à data do livro, cautelosamente, não vaticinou.
Zakaria vem de Bombaim,sonhava com a América e materializou o seu sonho. De tal modo, que, depois de recitar a lição de óptimo aluno de Harvard, vem jogar. Porém, o seu tabuleiro de jogo é medonho: a Índia é um Estado-nação, os Estados-nação da Europa estão condenados a definhar e o Estado-nação americano, a «nação universal», vai continuar a liderar, mesmo num mundo bipolar -- com a China -- ou multipolar,com o Brasil e o México também.O jogo é sempre o mesmo, o do Poder, em que ser de esquerda liberal é igual ao credo de que a política pode mudar a cultura, se se vencer a competição. E o que é a «competição»? A maior classe média do Mundo, a lentidão indiana, contradições e vontade de prosperar,é a melhor das competições.
A competição por clientes, dos batoteiros, faz parte do jogo. Afinal, os Estados-nação -- ou campos de ensaio -- que a vaga de descolonização, seguinte à Segunda Guerra Mundial, inventou, por acordo entre os EUA e a URSS, reivindicam agora a selecção natural, no campo da Cultura. Os pequenos Estados-Nação, a despeito da sua longa História, estão condenados à irrelevância. Por conseguinte, só grandes Nações podem dividir o Mundo e, desde já, é entre essas Grandes Nações que se devem fazer intercâmbios. Entre as Grandes e as pequenas Nações só há concursos internos.O Ocidente certamente que cometeu erros hediondos, mas não deve somar, aos erros que cometeu, o do masoquismo. Se houve batoteiros que faziam «bluff» dizendo-se descendentes do Carlos Magno, a batota será a mesma quer se digam descendentes duma casta indiana superior, que beberam confucionismo no berço ou que são descendentes do lobisomem das estepes.

9.11.09

XL - (Re)leituras - A Crítica da Faculdade de Julgar, de Immanuel Kant, por André Bandeira

Esta terceira «Crítica», de Kant, permitia aplicar uma espécie de raciocínio cumulativo para distinguir uma coisa bela duma outra sublime. Tudo dependia de categorias novas, como se «Alma, Mundo e Deus» ou Qualidade e Quantidade não permitissem, numa cervejaria, acertar entre uma cerveja, que se oferece, e o decote da criada, que arrefece. Seguindo Thomas Kuhn,as ciências humanas exigem «categorias móveis». Por exemplo, para explicar a sentença do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, para que se retirem os crucifixos das escolas, em Itália,eu acho que a categoria móvel, neste caso, é ambulante e o seu conceito «a ambulância».Goethe já dizia que, nem sempre a percepção erra. É o juízo que erra.
Ora vamos bem analisar o programa de uma excursão da escola dos nossos filhos, em que os podemos acompanhar. Os miúdos vão ver uma cidade europeia. Passem por aquela praça e está lá uma cruz, em cima do fontanário. A seguir, eles verão o cimo daquelas ruas com estátuas, algumas delas com cruzes. As estátuas estão com «gestos cristãos», como olhar para o céu, meter a mão no peito, carregar galos e chaves do Céu, peixes e coisas assim. Claro que há campanários por toda a parte, com cruzes em cima, colocadas em pontos estratégicos da cidade. No cimo daquela colina podem ver um fulano barbudo,de pálpebras semi-cerradas e em camisa de noite, com os braços abertos. Mede cerca de setenta metros, um exagero para um monumento à candura do sonambulismo e do Inconsciente de Freud,ou tratar-se-á de um campeão de natação, por estar ao pé do rio? E, agora, podem descer do autocarro e ir beber umas cervejas naquela tasca que existe desde o Séc. XVII, enquanto os miúdos jogam «Massacre», ou «Exterminio Total» no computador. Se olharem para o decote da empregada, e repararem na cruz, a balançar entre as duas suaves curvas na gola de renda, não se lembrem do «Manual de maus costumes» da Bíblia, nem tentem arrancar-lhe a cruz porque se ele traz vinte cervejas de cada vez, já houve quem a visse com três turistas engraçadinhos, debaixo do braço. É tudo um erro de percepção, como as receitas do Psiquiatra militar Nidal Malik Hassan.São as vossas caras que ficam mal na fotografia e há que fazer uma operação estética.Quando mudarem as vossas caras que podem traumatizar os meninos da escola,o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem terá também mudado já, o seu nome, para Tribunal do Juízo Universal.Se falharem a visita da sede desse baluarte da Liberdade e da Democracia, com um triângulo de quatro lados em cima,poderão dizer, sem preocupações: «Oh, que pena! Perdemos o Juízo!"

4.11.09

XXXIX - (Re)leituras - Raça e História, de Claude Lévi-Strauss, por André Bandeira

De Bruxelas, vale de tempestades, para o Brasil, terra de Vera Cruz. Lévi-Strauss fez esse caminho antes de sair do armário, que, no seu tempo, queria dizer tomar posições públicas por ideais públicos e não por miasmas individuais. Claude -- vou chamar-lhe assim -- morreu em silêncio antes que alguém o pudesse convidar para um concurso televisivo de longevidade ou, talvez, para dissertar sobre o direito ao testamento vital. Mandou depois um bilhete postal aos percursores bonitões das futuras câmaras de gaz. Claude era um judeu de Bruxelas, askhenazi que, saído da narrativa de maus costumes que foi o laboratório efervescente da Humanidade no Médio-Oriente (com um relatório parcial na Bíblia) se apercebeu da noite negra em que caíu o nosso espírito. Tomou, em plena época de premeditação assassina na Europa, a década de 30, a missão de exercer a influência francesa, racionalista, num país que ainda fardava os seus soldados à francesa.Como um século antes, o Arquitecto Montigny e o pintor Taunay. E chegou ao Brasil, foi ao Amazonas, decretou do alto da sua seriedade, o fim do termo «selvagem», porque encontrou índios que pouco tinham disso, graças a uma História que Paris ignorava e que não esperou por antropólogos de Paris para prosseguir. E fê-lo como se estivesse sempre dentro de um quarto, com livros, constatando e declarando sem pestanejar. A França, que fora derrotada ao lado da Confederação dos Estados do Sul, nos EUA, disputava agora a sua influência no Sul, com antropólogas norte-americanas de pouca lisura, como Ruth Benedict e Margaret Mead, ou fundadores como Boas e Malinowski. Claude atravessou a Segunda-Guerra mundial sem ser gazeado e emergiu com a sua Antropologia estrutural, que subdividia uma ideia académica em partes e depois somava-as para a voltar a repetir. Como Freud e outros, o seu número extenso de dados, corroborou uma teoria pré-definida. Mas, ao não-colaboracionista Claude, sobrou-lhe bom-senso. Quando foi chamado a discursar nas Nações Unidas sobre a Raça e a História, claro que deu testemunho de que não existem raças mas disse muito claramente, como lhe tinham ensinado milhares de picadelas de mosquitos tropicais e carrapatos europeus, que é um erro transferir culturas para meio de outras culturas, as quais se guerreiam forçosamente, quando obrigadas à promiscuidade. Tentaram vendê-lo como mais um padrinho da Revolução. Enganaram-se.Ele não foi, nem podia ser, porque nunca se pretendeu candidatar ao Parlamento europeu ou mundial -- ideia que certamente ignoraria -- um defensor da sociedade multicultural. O seu discurso Raça e História foi publicado e traduzido. Poucos o leram com atenção e os campeões da sanha libertacionista anti-colonial, que o ouviram discursar, protestaram exasperados. Mas Claude disse. E não se desdisse.

1.11.09

XXXVIII - (Re)Leituras - Conversas com Filósofos Brasileiros, de Marcos Nobre e José Márcio Rego, por André Bandeira

Quando leio este livro, compreendo porque é que Braz Teixeira considera tanto Tobias Barreto de Menezes, um filósofo mameluco (crioulo), nordestino, do Séc. XIX. Barreto testemunhou com a sua vida o que pensou e escreveu. Os filósofos deste livro, todos vivos à data da publicação do livro (2000), certamente que testemunham mas não sei se todos o fazem em relação ao que pensam. Noto com graça o diferendo pessoal entre Giannotti e Ruy Fausto,notando previamente que Giannotti vê na «filosofia brasileira» uma forma de resistência a influências estrangeiras que contradizem a experiência quotidiana do Brasil e a sensibilidade de Ruy Fausto, que é sobretudo um triunfo sobre uma existência épica. Simpatizo muito com a humildade de Leandro Konder, o que há de melhor num alemão tropical, nomeadamente quando dizia que militava com os comunistas, porque era normal, mas achava-os todos esquisitos. Mas de filosofia estamos falados: o mais covincente é mesmo Oswaldo Porchat, com o seu neo-pirronismo, porque sinto nele uma iluminação semperviva, a mesma que sustentará Diógenes de Halicarnasso, em qualquer lugar, em qualquer época. Ao começo, vejo a sombra do padre Lima Vaz e não posso deixar de pensar que também há legitimidade divina no gládio temporal, não apenas no espiritual. Só me resta mesmo Marilena Chauí. Lida aqui e em outras obras,esta filósofa filha de integralistas e que punha muitas perguntas, recebeu muitas respostas.Pediu Ordem e teve-a. A sua interpretação de Espinosa, monumental, só dignifica o filósofo português que viveu numa época sangrenta. Mas o espinosimo, aplicado hoje, é uma laranja mecânica,e revela a democracia como a ditadura do Povo. O drama da libertação pessoal de Espinosa obscurece a responsabilidade pessoal pela sociedade inteira de quem a pessoa, e não a sociedade, é o genótipo.Se, para isso, me despeço do Deus da Bíblia e entro na mistificação cristã, nem por isso me submeto ao gládio do padre Lima Vaz. Marilena continuará indefinidamente, como o Departamento francês ultramarino do Brasil. E fico-me a pensar se o diagnóstico marxista do capitalismo, depois de durar tanto tempo sem aplicar terapêutica de jeito, não será uma mistificação que, além de assassinar inocentes pobres, assassina empresários com princípios que sabem que a sua propriedade é o ganha-pão de muita gente enquanto não chega a Revolução mundial.