1.10.07

Magalhães Lima, o caixeiro viajante da República



Na véspera de Natal de 1907, João Franco manda publicar o decreto de convocação de eleições para 5 de Abril de 1908; não tão cedo quanto os partidos reclamavam, mas ainda assim o fim da “ditadura”. Ao convocar eleições, o que já podia fazer em Dezembro sem risco porque a reforma dos colégios eleitorais lhe permitia esperar uma maioria parlamentar, retirava à agitação o pretexto mais sério. Mais alguns meses e o país regressaria à legalidade constitucional. Durante meses concitara contra si e contra o rei, a fúria dos partidos monárquicos e dos republicanos. Agora, com a conspiração republicana controlada, encaminhada a viagem de D. Carlos ao Brasil, e presos alguns raros anarquistas, considerava ter na mão todos os elementos para fazer triunfar o seu projecto. Se vencesse, poderia ser o fim do rotativismo estéril, a redução do republicanismo a uma força marginal e um novo alento para a monarquia, baseada numa nova correlação de forças.

O que João Franco desconhecia eram os planos gizados em Paris por gente do Partido Republicano e das Lojas da Rua Cadet, 15. Em Novembro de 1907, Magalhães Lima, Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, anunciou em banquete organizado em sua honra em Paris que graves notícias estavam para chegar de Portugal, e bebia antecipadamente "à República Portuguesa" (87).[1]
Que se passara?

O Partido Republicano enviara a Paris uma missão constituída pelos FF. MM. Magalhães Lima, Alves da Veiga, Ângelo da Fonseca, e eng.º José da Costa Amorim.[2] O grupo aparece reproduzido com relevo, em fotografia, dez dias após o regicídio (11 de Fevereiro de 1908), na primeira página de O Mundo. Tratava-se de procurar junto apoios internacionais para a revolução, e coordenar a respectiva propaganda.[3] Muito embora não se conheçam os nomes dos interlocutores, tudo aponta para o senador Henry Bérenger, apoiado no ministro dos Estrangeiros Stéphen Pichon e do primeiro-ministro Clemenceau, dos radicais franceses no poder.

O rasto da missão foi seguido pelas organizações antimaçónicas francesas que publicaram relatos do sucedido nos jornais e expediram ao ministro de Portugal, em Paris, Sousa Rosa, a informação obtida através de uma loja maçónica parisiense de que D. Carlos seria assassi­nado “..... “.[4]
A 19 de Novembro de 1907, Magalhães Lima toma a palavra na Loja Cosmos (GOF) sobre o tema “Portugal – decadência da monarquia, necessidade de um regime republicano – advento da república”: A 20 de Novembro está na Loja Garibaldi (GOF). Preside ao banquete do Congresso da Imprensa ( radical) onde profere o sinistro aviso já referido. E volta a surgir numa sessão solene de 21 de Dezembro presidida por altas entidades maçónicas francesas.[5] Sempre espalhafatoso, terá sido mesmo censurado pelos seus pares e é de notar que a 1ª República nunca lhe confiou um cargo político de responsabilidade.
O anarquista José Nunes, inventor confesso de engenhos de morte, maçon e carbonário, revelou as reuniões de Paris em E para quê? (1918). Aí levanta uma ponta do pesado véu quando afirma que a tragédia do Terreiro do Paço foi a realização do que se combinara, em fins de 1907, numa reunião no Restaurante Le Brébant, 32, no Boulevard Poissonière, em Paris. No Congresso da Im­prensa, “onde um dos políticos que estavam na casa da rua do Desterro, um outro português e alguns revolucionários franceses, resolveram o assassí­nio de João Franco enquadrado num golpe revolucionário que veio a ser o 28 de Janeiro.”
[1] Brenier
[2] Em 1909 o PRP envia a Inglaterra uma comissão formada por Magalhães Lima, José Relvas e Alves da Veiga, para obter das autoridades britânicas, onde Lloyd George representa os radicais, havendo encontros com o duque de Connaught.
[3] Araújo
[4] Araújo. Artigo do Padre francês J. Tourmentin contra Magalhães de Lima e Maçonaria“Portugal” 2ª pag. - COPIADO 14/2/1908
Tourmentin é citado por Flavien Brennier, redactor da Revue Anti-Maçonnique
[5] Léon de Poncins, Le Portugal renait, Paris, 1936, pp.20-21

4 comments:

Anonymous said...

João Franco não soube ler os tempos e foi persecutório. O "fossoyeur" da Monarquia foi ele, mais do que a dúzia e meia de maçons. Não gosto de maçons, mas porque será que se agigantam tanto os ditos aventais? Porque em terra de anões quem tem escopro e medalha, um grau qualquer, é gigante?
Os maçons não são culpados da queda da Monarquia, eram poucos e meio tansos. Os anarquistas eram raros, como bem diz, e cloróticos.
Tecnicamente o regícidio terá sido organizado nesse restaurante, talvez com umas coccotes pelo meio, e pernod no fim e muitos Vivas ao Deus Arquitecto, e cara séria e franzida de Gente Importantíssima no futuro.
A Monarquia caiu tanto e tão mal graças a um punhado de tão poucos e incompetentes porque estava mal assente, porque a sua base tremia toda tal como o topo. Não sáo uns carbonários com bombas artesanais os culpados. Nao passam de fogo de artifício colateral. Fazer deles Davids, de sinal negativo, não me parece lá muito boa ideia. Que são folclóricos não tem dúvida, mas eram fracas peças, tigres de opereta, Se a Grande Conspiração Maçónica urdida por tais tristes trastes triunfou é porque a coisa derrubada assentava em nevoeiro e lama.
A história da implantação da República em Portugal é pura Comédia dellArte. Arlequinos azelhas contra fûnambulos diabéticos, anoréticos esquálidos , daqueles da mansarda, contra pançudos de barba e bigode à Napoleão III. Bordalo Pinheiro, ao fundo e à esquerda, inventou todo este guignol - uma história em que a todos lhes caiem as calças, contada com voz de veludo de um psiquiatra, sem sentido nem rima.
Bosch localizaria a cena no canto esquerdo e baixo do seu quadro patente no Museu das janelas Verdes. Cá para mim o grande homem lúcido dessa era é o Bordallo. Com um toquezinho de metteur-en-scène fulgurante, conseguiu que todos, sem excepção, se transformassem nos seus personagens!
Claro que a república pariu um rato e tem continuado a pari~los com sucesso e fatal regularidade, até ao Rato Mor dos dias de hoje. Mas a monarquia já estava num estado arganaz. Arfava em delíquios autodestrutivos. Bastaram umas bombinhas de carnaval, e uns aventais inflados a fazer Buh! para virá-la de pernas para o ar, como a uma velha jarreta. Na verdade duas incompetências em vez de se anular potenciam-se mutuamente.

A verdade é que num povo anestesiado por um clero tanso, ainda para mais cøm hereditariedades precárias devido a fomeca secular e a modorra vinícola e a aguda falta de cuidados médicos, com uma burguesia enchapelada, sem spleen nem ideal, rubicunda e merceeira, zonza por novidade parisina, um exército de cartão, com múmias soleníssimas a comandá-lo e polícias desbraguilhadas, a arrotar a bagaço,tudo isto somado a uma fidalguia burgessa, consaguínea até deitar borboto pela veia grossa, enfileirada em touradas e fadismo, mais inculta e fátua que plebe romana, empapada de incestos, de adultérios e de vinhaça farta e mesa não menos, outra coisa não seria de esperar. Por isso não foi a monarquia que caiu, foi o país que estava em queda livre, caiu podre de bêbedo, a deitar saliva verde e amarela pela boca, aos estortões e estremeços. Basta ver o que diziam do país os lúcidos desses tempos, o Fialho por exemplo, o Ramalho, o Eça : Uma choldra, uma tundra esverdinhada, uma adega malcheirosa. A verdade é que havia uma crise: Uma Crise Diogénioca, uma Crise de gente! Com gente assim, alucinada e fanática e de uma incultura massiva, nestas três ordens sociais, não havia Estado que se aguentasse. Os maçons deram um empurrãozinho, os anarquistas lamberam-lhes a mão e ignitaram a pólvora. A triste explosão dura até hoje, mas não se vê apesar do gurosan e do sms, e do progresso abortivo e da autoestrada, grande diferença.


Pedro Beja, semilúcido, sem fé nem esperança nesta Casa de Doidos, à espera de ir ver o Mar que pelo menos ainda mantem uma grande reserva de paz e um imenso silêncio.

mch said...

Belo texto, Pedro Beja, Escrito com força. O centro da questão dos maçons é simples. A mAçonaria é uma organização com qualquer outra com gente idealista (a minoria) com gente que quer promoção eo reconhecimento ( uma boa parte)e com gente que aproveira para fazer negócios ( outra minoria). No caso desde o visconde de Ouguela, em 1889 tomou uma posição anti dinastica, republicana e iberista. Não era a unica força organizada mas esta foi a sua "idade de ouro". Experimente consultar o site oficial do GOLU. Boas leituras

Anonymous said...

Obrigado,

Eu quando era miúdo tinha um tio por afinidade que era titular e maçon. Não precisava da maçonaria mas a maçonaria precisava dele, porque gosta de adornos, de nomes sonantes das ciências, das letras, da política e das hierarquias, so called. Que a mim não me hierarcam, que tenho pêlo de fera montesa.
Mas vem isto para dizer que de GOPUL bebi a taça, sem afastas.de.mim.este.cálice, até lhe encontrar a sardanisca ao fundo com sete línguas. Mas nem por isso poliglota. Por isso agradeço o seu amável convite para vistar o site do GOPUL, mas já lhes conheço as traças, o sulfureto, a espada ciânica, o Duplo Machado, a Taça Negra e a Áurea, sem falar que já fui a banhos com duas maçonettes.

O que diz é certo e sensato, são organização, tem a dose ideal de tansos idealistas, funcional e operada pelo topo, que orquestra o meio, e há claro jantaradas e palmadas nas costas, muito advogado e gente de sotaina, parca, mas presente. Mais aqueles tiques manuais de cumprimento com dedo inclaro.

No fundo tem todos os gógós e rendilhafes de uma seita. As palavras de passe, a exaltação perante a Grande Obra, a macia persistência de antecamarários, e esfregam~se os narizes em segredo, na sua praceta onde esguicha o Templo Final, razão da sua arte final.

Não viria lá grande mal ao mundo, mas hoje estão associados aos Illuminati, aos Bildeberg, e outra gente da Terceira Sombra, que de resto hoje os usam, e logo os dispensam, porque o Jogo é outro nas penumbras sardas.

Sempre fui à praia e vi o mar na suas ondas revoltas de Outubro vivo , desta feita transrepublicano.

Seu criado e disponha sempre,

Pedro Beja, Dux e Funâmbulo a Sério nas Praças Vagas

mch said...

Ah ah Pedro Beja, ou Évora mas truculento e sofisticado quand même ! Touché! Sobretudo pelo "já fui a banhos com duas maçonettes". E aquela dos cumprimentos com o dedo inclaro"... é camiliana. V. escreve bem, homem! muito bem, mesmo. No caso sério, o Ministério da Justiça parece o mais apanhado pelos orcs. 60& da magistratura segundo alguns, 2/3 do supremo. Não é fácil o bocejamento judiciário.. Mande sempre