1.12.07

Primeiro de Dezembro, por Pedro Cem

Saudades de Portugal:

1 -- Em Agosto passado desço a Sesimbra. Na camionette de sempre. Vou pela rua, vejo os ciganos de sempre a vender as "t-shirts" Lacoste, falsas certamente. Vejo um cigano jovem que vende a sua mercadoria gesticulando com a mão esquerda e exibindo as camisas sobre seu braço direito, coberto como um estendal. É jovem, não se cansa muito com as conversas. Aguardo a minha vez e vejo uma t-shirt azul, como um Mar de Primavera, que é verde. Digo-lhe então: obrigado por vender estas t-shirts, sempre que venho cá, compro uma ou duas. Ele agradece-me com humildade. As t-shirts caem-lhe do braço direito. Erguido no ar como um punho desolado, como uma mão que implora ao céu sem nunca se abrir, vejo o braço que escondia: não tem mão.

2 - Vou pelo Chiado abaixo. Os ossos todos doem-me. Como um velho, arrasto-me para a esplanada da Brasileira. Ali fico, uns tempos, certamente com o meu ar hollyoodesco, bronzeado, porque tenho os ombros teimosamente largos de anos de desporto de competição, pelos quais estou agora a pagar a factura. A certa altura, um casal vem descendo, o marido, janota, preocupado e sério, ela talvez olhando-me por curiosidade desde o cimo da rua. Sentam-se ao meu lado. Percebo que ela é uma cantora lírica, do Porto, com o sotaque mal disfarçado pelas temporadas lisboetas do S. Carlos. Ele, aprumado no seu ar antigo e lisboeta, com a barba e o cabelo ralo, duma juventude que passou, com a voz um pouco adamada, mas uma seriedade nos assuntos que trata, demonstrando a complexidade desta vida e também o sentido dela. A certa altura, a cantora diz-lhe: "põe a gravata direita, tens o colarinho torto..." e, antes que ele o faça, fá-lo ela. E diz-lhe: Tenho muito orgulho em ti!". Ele estremece. É uma bonita declaração de Amor.

3 -- Tomo o combóio de madrugada, para Lisboa, em romagem aos meus que sofrem. Em Coimbra entra um bando de Mulheres, nos seus quarenta. Parecem como empregadas da limpeza, em fim-de-semana, ou funcionárias administrativas do mais baixo escalão. Vão de férias, que, para elas, são um fim-de-semana, em Lisboa, sem os maridos. Agumas delas não sabem o que isso é. Refere-se uma ao "pai do meu filho", com uma certa doçura que só a pronúncia pura como água, de Coimbra, permite. A conversa delas é, evidentemente, rude. A certa altura, uma diz àquela que se sentou ao meu lado: " Vê lá não adormeças!". Ela responde:"Ah, eu posso dormir já aqui, com este senhor, ao lado".
E rimo-nos. São as férias daquelas pobres mulheres. Um fim-de-semana de Agosto, em Lisboa, para quem mal ganha para comer, mas que ainda se sabe rir.

4 - Vou visitar uma terra da família, no monte, que podia comprar, fazendo um primo menos pobre. Está toda coberta de sarças. Entre moscardos e espinhos, salto de penedo em penedo. O suor jorra-me, sob o Sol. Fico com os espinhos atravessados nas calças. Durante muito tempo os sentirei, sentado em combóios, em táxis, em camionettes. É uma doce sensação que me desperta e me recorda o caminho da terra.

2 comments:

Anonymous said...

Compre-lhe o monte!

mch said...

Ah ah
André, concordo com o anónimo. Compra o Monte ao primo!