1.12.08

XI - (Re) Leituras «La connaissance surnaturelle», de Simone Weil, (no Primeiro de Dezembro) por André Bandeira

Escolhi este livro num dia de Sofrimento. No primeiro de Dezembro, a um passo do Sol nascente, Portugal dói-me enormemente no peito. Somos Portugueses de um modo diferente, em que os outros são outras coisas. Vivemos numa encosta de areia, sempre a escorregar, mas o nosso quintal é o Mar do Universo, onde o Sol nunca se põe,e, portanto, onde é sempre Natal. Penso ser este a primeira razão do nosso Sofrimento e da nossa maldade: é difícil viver sem nunca encontrar uma pedra onde fixar os pés.
Simone Weil morreu jovem pouco depois de lhe terem recusado, pela última vez, ser lançada de páraquedas em França, para se juntar à Resistência. Nestes seus escritos, os últimos no Sanatório onde morreu, Simone passa por todo o saber da Humanidade que ela, como judia que era, guardara na memória, na lenda, no rito e na Razão, na teima, na obsessão, no misticismo, acho que tão antigo como o tempo das cavernas. Com Simone sabe-se seguramente que a Memória da Humanidade é mais sapiente que a mais brilhante das descobertas da Física quântica sobre a estrutura do nosso cérebro. Mas também é mais indomável, esta sapiência que aparece e desaparece naquilo que dizemos ser «sensibilidade feminina», ou «visões». Ao longo do livro, Simone reconcilia-se com todos os traumas culturais do Mundo, inclusive, para ela, os alemães. Reconcilia-se à mesa, no Presépio, com alegria, como numa ceia de Natal. O cristianismo dela é genuíno, não é converso, mas é exigente, como um Evangelho que nasceu no Antigo Testamento. Por isso se revolta contra Moisés, por isso se perde de febre na busca de Jesus. Se Jesus esteve ao lado dela, nos lençóis febris daquele sanatório, não sei. Uma das suas últimas linhas fala de alguém que a queria visitar, apenas porque ela estava tão doente e tão sem ninguém. A sua última frase fala sobre a importância de Conhecer e a sua última palavra é «Enfermeiras», talvez referindo-se ao conhecimento em eterna presença que é o de tratar de doentes e irmanar-se com eles.
Hoje, por Portugal, um Nada que é Tudo, um Reverso inverso em Espada: talvez Portugal não seja nem o território, nem um certo número de cabeças, umas que riem, outras que choram. Talvez Portugal seja um «Rei», corporizado ou não em alguém, coroado ou não, decidido ou hesitante. Sim, Portugal é uma cabeça, humana, que alguns, muito poucos seguem, como quem segura um cadáver moribundo de alguém muito amado. E, seguindo-o, com o coração coladinho ao coração vacilante, como quem guarda um flor, ou um passarinho ferido. Compaixão? Não. Paixão.

1 comment:

Luis Miguel da Fonseca Barrocas said...

Um país que, por ser, altera o nada em devir... a saudade em brasão; a conquista em quinhão. Um cavalo, um castelo... apenas em neblina a surgir.