Todos são porreiros, quando morrem. Já não estão à frente para se irritarem connosco e se tornarem pesados.
Parece que o menino Michael, depois de um bocado maltratado pelo pai Jackson que desejava uma vida melhor para os filhos todos (a vida que ele não teve) deixou de dançar pela nossa imaginação acima. O seu estilo era especial, só dele, do seu cabelo, do seu rosto progressivamente escondido, atónito, moribundo. A sua voz cada vez mais fina, mais seduzida pela doçura hipnotizante de quem sabe que tudo isto é uma peça amarga e sobre a qual ele pretendia correr o pano. Pois foi encontrado com esse reposteiro negro arrancado do crânio pelado, como um palco vindo abaixo e, pelos vistos, anoréxico dum mundo do qual já não queria absorver mais nada. As dores que tinha e que adormecia eram apenas protestos dum sono que queria eterno. E nós ficámos de mão parada, subitamente animalizados no gesto de lhe atirar moedinhas. A massa feroz quis julgá-lo por meter o bebé fora da varanda. Um rapazito é capaz de ter inventado uma história medonha sobre ele que o fez caminhar como um morto-vivo pelo resto da sua existência. As forças medonhas da inveja encarregaram-se de o apanhar a dizer «gosto de me deitar com meninos», ele que, certamente, a pouca felicidade que teve, entre os ensaios cruéis dos Jackson Five, quando era miúdo, foi a de se deitar com os irmãos e adormecerem a rir e a brincar nos motéis onde o pai Jackson os albergava num só quarto para poupar.
Tinha um estilo que era dele. O breakdance fazia-o suave como uma caminhada lunar, como quem emerge da Bronx e atravessa os arranha-céus sobre um fio de luz. Quando gritava o «I’m bad», não havia nada de realmente mau naquele dançarino, mas apenas um miúdo cansado de carregar tijolos às costas. As suas dívidas milionárias são apenas um montão de carros velhos que já ninguém compra. Desse pequeno momento em que dançou com o velho James Brown e se deram as mãos, se pode ter um exemplo do afecto que pode ligar dois homens, no respeito e na admiração mútua, bem diferente desta civilização de machos que se tansformam em gelatina quando cessam de se repetir. E nas lágrimas que Jackson deixou correr nesse momento, enquanto ambos dançavam, como dois moleques de moedinhas, eram Brama e Krishna dançando.
A dança é uma das belas artes e Michael Jackson talvez um dia – se isto lhe vale de alguma coisa – seja visto como um Rembrandt ou um Matisse disso tudo que há em nós: a de que nos mexemos para nascer, nos mexemos para morrer, nos mexemos para dizer uns aos outros na noite escura…eu estou aqui. Por favor não me abandones.
Por isso, quando as pessoas se juntam em Paris e Nova York para cantarem o «I'm bad» tudo aquilo me parece uma acção de graças onde Michael renasce fora do sarcófago e parece-me que lentamente se torna o hino de Neda, o hino de quem se recusa a ser supérfulo.
29.6.09
25.6.09
XXIII - (Re)leituras -- A traição dos intelectuais, de Julien Benda, por André Bandeira
Reler este livro, na versão de 1927, pode ser feito de muitas formas. A da política, República ou Monarquia, Alemanha ou França, Fascismo ou Comunismo, Semitismo ou Anti-semitismo.Eu prefiro lê-lo como uma Obra de Arte. Nesse aspecto, é uma obra singular, em que, em vez de cores, ou imagens,o autor utiliza pensamentos, citações, ideias. Assim,vamos esquecer que Benda se atirava a Charles Maurras, o qual escrevia tão bem como ele. Vamos esquecer que Benda se traíu a si mesmo, apesar de ter realçado tanto a vaidade letal dos intelectuais, quando escrevia isto em 1927 e,19 anos depois, se fartou de perseguir os colaboracionistas como Brasillach, ou os traidores como Nizan, quando estes estavam encostados ao cêpo, sem se traírem a si mesmos, enquanto Jean Paulhan, verdadeiro Resistente, lhes tentava defender a Vida. Vamos esquecer que Benda acabou a apoiar Estaline. Vamos apenas concentrar-nos nessa quimera que Benda persegue, a de que talvez haja uma ideia para tudo. Ele, que critica a venenosa mania da «prática» em quem se devia dedicar à Beleza, acaba por idealizar tudo, aquilo tudo que é uma colecção das coisas práticas de um leitor: cada obra, uma bibliografia, um estado de alma de um Escritor, uma máxima, um entusiasmo. Benda critica os «práticos» mas não sabe que ele é um prático da Arte e escreve como um artista quando pensava que era um intelectual. Triste sina a de um judeu, eternamente procurando uma pedra onde descansar a cabeça. Afinal essa pedra era o benfajezo cansaço da sua própria cabeça. Dreyfus foi um mártir da brutalidade humana mas muitos dos que o condenaram morreram honradamente como mártires. Quem quer saber destas dores antigas, mas também destes sonhos, como na canção de Marlene Dietrich? Talvez aqueles que não queremos ver no martírio final de Farrah Fawcett o que será Cristiano Ronaldo daqui a uns anos, ou que não queiramos ver em Berlusconi um homem como os outros ou em Nede, a nossa filha que devíamos ter protegido de apanhar um tiro. Também nós, jornalistas activos ou passivos, somos artistas que confundimos o sonho com a realidade e queremos uma ideia para tudo, quando as ideias são outra coisa, graças a Deus, e perduram apesar dos nossso estados de alma. Aprendamos, com Julien Benda, que a arte vale por si, seja ou não fiel às ideias e, contra Julien Benda, que a arte pode ser traída por quem busca a glória no talento. Se nos lembrarmos, agradeçamos a Deus, de cada vez que nos sentamos e podemos pôr um prato de sopa à nossa frente. Quão raro e fugaz é o pão deste mundo.
16.6.09
XXII -(Re)leituras - The Civil War Diary of Emma Simpson, de Barry Denenberg, por André Bandeira
As guerras civis são fenómenos horrendos. A guerra é algo que não se pode expulsar facilmente das nossas existências mas, quando ela é civil, quer dizer que expulsá-la é como abater as paredes e o teto da própria casa para se lutar mais à-vontade.Este diário de 1864, duma rapariga de quinze anos do Sul dos Estados Unidos, faz-me lembrar esse grande actor Patrick Swaize, que decidiu enfrentar a morte inevitável com cancro do pâncreas, sem tratamentos. Ele protagonizou, em tempos, uma bela série de Televisão sobre a Guerra da Secessão norte-americana. No diário de Emma Simpson, vai-se passando de um cenário de elegância e amor, até ao pesadelo diário, sem se sair de casa. Curiosamente, na família desfeita dos sulistas Simpson, restam duas tias velhas, a própria escritora e dois escravos negros que não as largaram. Todos morrem tragicamente excepto a escritora, a quem o amor por um soldado confederado, que teve a sorte de ter sido feito prisioneiro, permitiu sobreviver. Os exércitos garbosos do Sul, vitoriosos à partida, acabam por desfilar em frente à casa, desfeita, descalços, agonizantes e desvairados. Um soldado ferido do Norte depositado pelos seus camaradas nos jardins da casa agradece a água que a escritora lhe dá, antes de morrer, dizendo apenas:«Um homem com sede agradece-lhe, senhora».Os animais são mortos, os soldados pilham, violam, aterrorizam. Os negros fogem para o Norte, em busca da Liberdade e alguns vingam-se, nomeadamente aqueles a quem os patrões batiam ou que lhes separavam as famílias, vendendo um filho ou a mulher e impedindo depois as visitas. É todo um mundo que rui, em loucura e terror, onde dantes havia injustiça e crueldade mas onde este terror não cura nada, antes faz da crueldade uma orgia completa. No meio da brutalidade sem limites, qualquer gesto de delicadeza adquire um valor incrível, como se um simples bom pensamento fosse a única recordação de que a noite acabará um dia. E todos nos precipitamos neste poço como que obrigados. Para quê? Só para emergirmos um dia e, para num outro dia ainda voltarmos a cair. Quando já nem nos lembrarmos porquê, por que bandeiras, por que brilhos, por que slogans...há certamente, qualquer coisa na sucessão dos dias e das noites, dos passarinnhos que voltam a cantar de madrugada, que nos diz essa outra palavra sem som e que dura uma eternidade a ser pronunciada.
11.6.09
XXI - (Re)leituras: o discurso do Cairo, por André Bandeira
O discurso do presidente norte-americano na Universidade do Cairo, pode começar agora a ser julgado. Certamente que não se tornou significativo porque houve antes o «discurso de Osama», o qual julgávamos meio-morto e que disse, em resumo, que o discurso de Obama de pouco valeria enquanto os americanos andassem a matar e deslocar milhões de pessoas no Paquistão. Também nos tempos do «Equilíbrio do Terror», as novidades duma parte eram antecipadas pela outra, que dizia saber tudo. Muito antes de Bush ter reinventado o ataque antecipado, já todos nós o sabíamos e começámos a atacar por antecipação, em todo o lado, não como quem pretende provar que é mais rápido mas como quem se consegue libertar mais depressa de ilusões e hipnoses, nomeadamente na Bolsa de Valores. Enfim, o animal que triunfa na actual conjuntura da luta pela vida é uma espécie de lôbo negro, que não faz ruído e ataca de noite quando o dia é ainda e apenas um rio nocturno.Mas o «discurso de Osama» não preveniu o de Obama. Ante tantas guerras, acidentes e angústias, as palavras de Obama vão fazendo sentido. Primeiro: uma rapariga pode decidir usar um lenço na cabeça, mesmo na sala de aula, mas só se o fizer livremente. O que significa isto? Direito à privacidade na Educação. Uma confissão religiosa pode decidir mobilizar uma percentagem dos rendimentos para esmola. O que significa isto? Direito à propriedade. « A Paz esteja convosco». O que significa isto? Não tenho o direito de desejar para o outro o que desejaria para mim porque o outro pode ser diferente de mim. Há mil e duzentas mesquitas nos EUA? Existe pelo menos um país onde o convívio e as leis que o regem, permitem cultos diferentes. A civilização islâmica deu-nos imensos contributos? Que bom. Quem salva alguém salva a Humanidade inteira. Todas as religiões defendem um princípio de que não se deve fazer aos outros o que não queremos que nos façam a nós? Então quem mata e tortura em nome de uma religião, é preferível que reze.
Não. Osama não tirou o tapete a Obama. Não sabemos se Obama se foi apenas dirigir a uma das religiões que mais se expande no mundo, entre aqueles jovens que têm a riqueza enorme da sua juventude e que têm a vida e a Esperança do lado deles, mesmo quando estão a dormir. Mas o que ficou foi apenas esperança, espelhada no rosto de um homem bem intencionado. Mas Deus: Tu conheces o nosso coração.Então temos uma certeza: Deus tem Conhecimento.
Não. Osama não tirou o tapete a Obama. Não sabemos se Obama se foi apenas dirigir a uma das religiões que mais se expande no mundo, entre aqueles jovens que têm a riqueza enorme da sua juventude e que têm a vida e a Esperança do lado deles, mesmo quando estão a dormir. Mas o que ficou foi apenas esperança, espelhada no rosto de um homem bem intencionado. Mas Deus: Tu conheces o nosso coração.Então temos uma certeza: Deus tem Conhecimento.
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