2.12.09

1 de Dezembro - por André Bandeira

No Primeiro de Dezembro, recordo a independência de Portugal. Sim, a independência. Durante muito tempo, imaginei-o como um acto de coragem de um punhado de portugueses que atacou o centro da ocupação castelhana antes que esta pudesse reagir. Tudo recomeçara ali. A guerra demoraria 28 anos. Não estou crente que, se o Conde-Duque de Olivares tivesse optado por reprimir Portugal, em vez de reprimir a Catalunha, que Portugal não moveria a mesma resistência. Portugal foi sempre um projecto extra-europeu. Em 1648 e 1649, nas duas batalhas de Guararapes, os portugueses do Brasil, expulsaram os holandeses que poderiam, a partir do Recife e Pernambuco, ter iniciado um Brasil inteiramente diferente.Em 1959, os holandeses partiram definitivamente, derrotados pela gente de um português do Brasil, Vidal de Negreiros, de um índio, Felipe Camarão e de um comandante negro, Henriques Dias. Henrique Dias não foi um santo. Jogou com os seus interesses, serviu-se da liberdade de muitos escravos mas usou a escravatura de outros. Foi um comandante notável duma gente notável.Sem a batalha de Guararapes e sem o Império do Brasil, Portugal não teria crédito, no continente, para comprar armas a França e reagir contra Espanha.
Portugal deve a sua independência também à batalha de Guararapes. Não há uma única estátua a Henrique Dias ou a Felipe Camarão, numa praça de Portugal.
Henrique Dias era negro. Foi-lhe prometida uma comenda. Nunca lha deram. Tentou viajar a Lisboa para a reivindicar. Viajou mas não lha deram.
Morreu pobre e ignorado.
Enquanto Portugal não honrar aquilo que foi universal, recusando-o como «História», Portugal ver-se-á a morrer, todos os dias, à frente dos seus próprios olhos.Talvez num quilombo perdido do Brasil, a campa rasa de portugueses negros esperem ainda o que lhes é devido. E talvez assim, Portugal se reconcilie consigo próprio e não se deixe sangrar, imparavelmente, todos os dias.

1 comment:

Anonymous said...

Importante libro "Portugal na historia", de Hermann Keyserling, 1932