11.10.05

Sampaio e a Corrupção; a Europa e a Turquia; Eu e Tu. Por André Bandeira


[Mudado de país, de posto e acompanhando a nova estação do ano, André Bandeira retoma as suas crónicas no Duas Cidades depois das eleições republicanas (ou republichinas) do 9 de Outubro.]

Chegou a bruma e vem o frio, no relógio e no calendário. Mesmo que o sol brilhe e as temperaturas sejam altas, os relógios de ponto vagueiam como um risco na superfície de um lago.

O Eu, como ilusão de refúgio, o Eu como um ponto de fuga que escape ao paradoxo Kantiano insolúvel de outros Eus e que os abafa pela vertigem e pelo barulho. O som e a fúria.

O Eu, ponto fictício. Quanto mais eu, mais vazio, quanto mais vazio, mais fraqueza, quanto mais fraqueza, mais mal. O vazio espraia-se com a descida das águas. Tudo é possível e impossível ao mesmo tempo. Todos correm aos títulos para sobreviverem e o pânico do vazio que inunda o fim da tarde nunca gerou tanto ressentimento e tanto ódio. Os Títulos como “dôtô” ou “Directô” são pequenas libertações de ar belicosas, de peitos tensíssimos e o “eu-eu” , ao fundo, é como um latido despeitado.

Sampaio fala da corrupção, como um Tu a que todos se poderiam dirigir mas que já não tem autoridade pois, cego, não vê o seu próprio Eu socialista, silencioso, de boca cheia e mãos sujas. O eu socialista misturou-se no Nós, nostra, cosa nostra. Sampaio prega no deserto, cego, e desfasado, pela luz dos holofotes, pelos brilhos do orvalho jornalista.

Três arguidos, três mulheres de César foram reeleitos. Em Parvoar mandam os parvoeiros, e os irmãos Escobar, em Medelin, na Colômbia, também resolviam os problemas do dia-a-dia.

Mas a corrupção começou na carne. Noticias vertiginosas, cenários mundiais diferentes todos os dias fazem dos sentidos uma loucura miudinha, de espasmos, de fomes, de esvaimentos e pululares répteis.

Deve ser de novo, um Homossexual masculino quem comanda. Com a masculinidade em desvario, que troca o duelo original pelo xadrez de quem fica ou não fica por cima.

De tanto esperar, a liberdade já se rasga e seca. A bisnaga deixa de ser a cornucópia das abundâncias para se no incauto espetar como um detrito de metal.

Mas o Mundo quer ver o fundo ao tacho. A mãe, sem pai ao comando, defende o filho, que é bonito ( e os Homens não se querem bonitos). Com tantas promessas de fim da História e Paraíso na Terra, ninguém é capaz de se levantar de manhã sem ter arrecadado algo. A Morte, claro que há-de vir mas o que todos querem é honrarias e pedras preciosas. Ah, isso da Morte trata-se depois com os Seguros.

Não, Macbeth não sacia a sua sede de sangue. Nem o furacão o demove, porque nele dançam as bruxas e o vodu branco floresce. Continuemos onde tínhamos ficado: se “guerra” fria não é guerra, voltemos ao ponto em que os russos se espraiaram pela Europa e abandonaram o Irão, quando ainda não tinham forças para comprar beduínos, pretos, índios, bonzos e paxás

O homossexual masculino que comanda já se sujou tanto que a água onde mergulha vira sangue. Tanto se escondeu que só nos resta, para salvar o danado, sair a rua, de corda ao pescoço e dizer” Eu sou homossexual também! Eu sou o pior dos pecadores!”. Aí podemos como no belíssimo filme “Jacob, o Mentiroso” ( o melhor papel de Robin Williams) ser mártires de mentira na mão, em nome de uma verdade inapreensível. Talvez só assim possamos restaurar o verdadeiro Amor, um Amor de Homem pela Beleza sem fim, sempre virgem, e pura e digna. O Amor que guia o Cavaleiro andante, por entre a floresta de espinhos, trespassando o dragão como o Sol rompe entre as nuvens.

Este feminino e este Masculino balizam a nossa breve passagem pela Terra. Benditos os amantes infelizes, os esposos desapontados que ainda puxam o cobertor sobre o filho adormecido, os namorados pobres, os enjeitados valentes. Bendito o que é rejeitado e ainda se ajoelha em louvor, bendito o que há-de amar uma pedra.

Porque desta cisão, desta tragédia renasce o direito e o esquerdo, o alto e o baixo, o perto e o longe. Bendito o desejo ordenado, bendito o espontâneo que salta, benditos os que alinharam de madrugada.

O Mundo não deixará de ser o que é, só porque as nossas mentes se distorcem de pesadelo. Ele é conduzido humildemente por S.José que conduz a Providência, que é mula, tenaz e humilde, levando o nosso Rei e Sua Mãe à garupa.