Uma Carta para o arraial do barrete frígio
por Manuel Alves
Sob o título "Aos Republicanos", o historiador João Medina publicou em tempos
no Jornal de Letras, uma Carta que julgo deve merecer a atenção de todos
os que, como eu, entendem que a Instituição Real é a que melhor pode
servir na Suprema Magistratura de um Estado verdadeiramente republicano e
português.
Pedindo perdão aos seus "compatriotas de barrete frígio", João Medina vem
dizer "com franqueza e sem quaisquer intuitos de desafio ou provocação, a
dois anos do centenário da data da implantação da I República", "em termos
simples, cordatos e benévolos": "... não creio que valha a pena preparar,
oficialmente, ou mesmo em meios académicos, a celebração dum mau defunto
que foi esse regime de década e meia de vigência atarantada, e que, bem
feitas as contas, teve nada menos do que 47 governos que a desgovernaram
por trancos e barrancos (...) de atribuladíssima e caótica duração, com
muitas bernardas castrenses de permeio, sedições várias, tumultos
constantes e quase sempre mais ou menos sangrentos, de atropelos à
legalidade e ditaduras disfarçadas ou às escancaras, sem falar da Ditadura
das Urnas, com o 'partido democrático' do dr. Afonso Costa (aquele homem
de Direito que foi uma vez ao Porto, em 1902, com uma soqueira, para
agredir à traição o Sampaio Bruno), mais uma participação em tudo funesta
e catastrófica nos conflitos europeu e africano, e, por fim, uma degola
que nos privou da Liberdade, com certa lógica fatal depois de tanta
bagunça, desassossego, insensatez política e falta de implementação mínima
dum regime sério de Cidadania, Educação generalizada ou Progresso
material, porquanto nem se educou o povo, nem se fez de cada português um
cidadão livre, nem se melhorou a vida dos portugueses".
A concluir, João Medina lança aos correligionários algumas perguntas: "Em
2010 vamos, em suma, celebrar o quê? O começo dum erro imenso e desastroso
para o país que somos? A nova versão da comédia offenbaquiana da monarquia
constitucional, agora em versão sanguinolenta? (...) Não seria melhor, em
vez de celebrarmos o 5 de Outubro, rezarmos-lhe um responso (laico) pela
pobre alma penada que ele foi? Antes isso do que comemorar uma República
sem republicanos, como a nossa é."
Fazemos nossas as palavras citadas do seu balanço da I República, mas
acrescentamos ao desalento das suas interrogações finais: se o que é
nefasto não se celebra, pode no entanto ser comemorado com a História
diante dos olhos, como aliás o historiador, o ensaísta, e Professor
Catedrático da Faculdade de Letras de Lisboa, acaba de fazer nos trechos
que escolhi desta Carta. Como deixou escrito D. Jerónimo Osório, nas
vésperas do nefasto 1580, "A História é proveitosa para adquirir
prudência, poderosa para despertar virtudes, saudável para sanear as
feridas da República".
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