3.8.10

LIII - (Re)leituras: Introdução à Antropologia Cultural, de Mischa Titiev, por André Bandeira

Um clássico de 66. O que parecia óbvio, na geração dos «baby-boomers» e de Kennedy, e agora se oxidou, ficou a parecer um pouco esquisito. O Dr.Lynd e a mulher, na década de 20, foram estudar os índios Murcie em Indiana, nos EUA. Eram sociólogos e estudavam uma tribo primitiva. Faziam etnologia viva. Aplicaram então - outros por eles - os mesmos métodos à sociedade moderna e passámos todos a parecer índios. Estava em curso a descolonização. Para que o comunismo não ocupasse a alma dos índios, os EUA passaram a considerar-se, eles próprios, índios (o que era conveniente) mas, visto bem à luz de hoje em dia, o que eles passaram, foi a tratar a sua própria sociedade como algo distante, no meio do deserto. Urinar dentro de casa ou dentro da casa-de-banho, era uma questão de ordem dos factores. Se cheira mal ou não, era uma questão de gosto. Portanto: tudo era moldável e encadeável em séries diferentes. Tratava-se tudo de composição dum filme, umas cenas atrás e outras à frente. O importante era reduzir tudo a fotogramas.
Claro que Mischa Titiev canta, no fim, o hino do costume, ou seja, assobia que todos somos humanos, que nenhuma cultura é superior à outra, enfim, o credo da ONU. Contudo, o que restou de nós todos foi um gesto de estranheza em que nada era óbvio, em que nada tinha continuidade, como se as «culturas» perdidas não fossem do conhecimento ou não tivessem contribuído para a evolução das culturas «dominantes», enquanto não fossem fotografadas pelo olho distante do antropólogo. Enfim: os desmandos todos eram possíveis, porque éramos todos tribos.
Conclusão: a pretexto de não esmagar as culturas primitivas, a Antropologia cultural dos EUA licenciou o direito a acharmos tudo estranho, anacrónico e considerar que, se as pessoas não forem assim, não constituem sociedade, logo não têm direitos.
Quando, hoje, o Gen. Michael Mullen diz que tem um plano de ataque ao Irão, para além de isso ser uma estratégia de dissuasão por medida, o que ele nos diz é que somos todos tribos e, portanto, temos o direito de atacar com o machado de guerra.
Não foi Ruth Benedict, uma indivídua de afectividade anacrónica, que nos disse que ou só podíamos ser austeros (apolíneos) ou tresloucados (dionisíacos)? Pois é: cristão que não sacrifica ao Imperador, roda na arena dos leões. Já era assim, no mundo dos velhos e dos modernos bárbaros.

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