28.1.07

Dia 28 de Janeiro - S. Tomás de Aquino






Fresco de Fra Angelico

Reproduzo aqui um fragmento do estudo de Eric Voegelin sobre o "intellectus bovinus" como lhe chamaram. (Tradução a publicar em breve nos Estudos de Ideias Políticas)

A obra de Tomás de Aquino (1225-1274) absorveu-o literalmente - morreu exausto antes de perfazer 50 anos - e absorveu-o existencialmente porque foi a expressão de uma vida ao serviço da investigação e ordenamento dos problemas da sua época. Afirmar que foi um grande pensador sistemático é uma meia-verdade. Sabia aplicar a sua mente imperial à multiplicidade de assuntos que o atraíam e distinguia-se por ter uma personalidade rica em sensibilidade, magnanimidade, energia intelectual e espírito sublime. A exclusiva vontade de ordenamento poderia produzir um sistema que fosse mais notável pela coerência do que pela captação da realidade. A grande receptividade poderia ter originado uma enciclopédia. Mas as duas faculdades combinaram-se num sistema que assinala o impulso dinâmico de Deus para o mundo através da causalidade criadora, e do mundo para Deus através do desiderium naturale:

A origem desta combinação deve-se ao sentimento que fez de Tomás um santo: a experiência da identidade entre a verdade de Deus e a realidade do mundo.

"A ordem das coisas na verdade é a ordem das coisas no ser". Esta frase da Summa Contra Gentiles significa que o intelecto divino está impresso na estrutura do mundo; que a descrição ordenada do mundo resultará num sistema que descreve a verdade de Deus: que cada ser tem a sua razão e sentido na hierarquia da criação divina; que cumpre a finalidade da existência ordenando-se ao fim último que é Deus.

A frase também se aplica ao homem individual. Ontologicamente, o intelecto humano veicula a marca do intelecto divino. Metodologicamente, o uso do intelecto revela a verdade de Deus manifesta no mundo. Praticamente, a tarefa do pensamento significa a orientação da mente para Deus.

Na história do pensamento político, Tomás de Aquino divide duas eras: os seus poderes de harmonização foram capazes de criar um sistema espiritual que absorveu os conteúdos do mundo em transição: o povo revolucionário, o príncipe natural e o intelectual independente. O seu sistema é medieval enquanto manifestação do espiritualismo cristão: é moderno porque expressa as forças que vão determinar a história política do Ocidente até aos nossos dias - o povo organizado com constituição, a sociedade comercial burguesa, espiritualismo da Reforma e o intelectualismo da ciência. Alcançou esta espantosa concentração do passado e do futuro mediante o milagre da sua personalidade. Absorveu e manteve em equilíbrio sentimentos muito distintos. Tinha algo da receptividade de Frederico II às forças da época, mas ultrapassa-o em espiritualidade. Realça o individualismo de carácter de João de Salisbury pelo personalismo espiritual cristão; o seu humanismo digere Aristóteles e cria o estudo das instituições israelitas; o individualismo espiritual de S. Francisco aparece ainda mais radical no espiritualismo de Tomás; o populismo franciscano é continuado pela evocação da comunidade do homens politicamente livres enquanto a limitação de Cristo aos pobres é ultrapassado pelo reconhecimento das funções do príncipe; a consciência secular de Fiora é traduzida nas ideias da expansão da Igreja no mundo. O horizonte estreito da irmandade monástica é alargado à visão imperial de um mundo de comunidades perfeitas cristãs; o intelectualismo de Sigério é equilibrado por uma orientação mas com uma espiritualidade igualmente forte.

Através destes equilíbrios, Tomás de Aquino tornou-se figura única que pôde dar voz à Cristandade medieval imperial na linguagem do Ocidente moderno. Ninguém como ele poderia ter representado no estilo grandioso o homem ocidental espiritual e intelectualmente amadurecido.

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