26.4.07

Abril, por Pedro Cem

Abril é um belo mês, em Portugal. Havia mesmo uma canção que fez moda, nos anos sessenta, quando ainda havia canções, titulada "Abril em Portugal". Depois veio o 25 de Abril. Cada vez me convenço mais que a História marcha sózinha, furando muitas vezes as folhas de papel vegetal das nossas representações e quimeras. E, quando digo História, não sei o que isso é, senão umas historietas com que nem me não dão crédito.
Salgueiro Maia era um ilustre português. Parece que sim, que foi com uma granada para se suicidar em conjunto com o Brigadeiro que se lhe opôs,se este o quisesse prender. E morreu depois, jovem, com cancro, devagarinho, recusando todas as honrarias que a taina dos abrileiros lhe queira dar. Não sou ribatejano mas reconheço a raça desta gente.
Sei também hoje que Abril foi feito à tôa e que se não fossem as pessoas estarem fartas de um regime que não se resolvia, provavelmente os militares fariam um segundo golpe falhado, como a "Marcha" das Caldas de Março anterior, até que o regime cairia mesmo. E talvez com as mesmas coisas que levaram ao 25 de Novembro e as mesmas soluções disparatadas para as colónias, talvez (quem sabe?)com um pouco de mais bom-senso e menos comunistas de 26 de Abril, prontos a todas as touradas. Mas cada vez mais me convenço que, salvo honrosas excepções, não somos actores da História política. Ou somos manipuláveis e muitas vezes manipulados por quem é profissional ou temos que nos fazer manipuladores. Os portugas eram boa gente, melancólica e de coração. Mataram muito menos gente que todos os seus confrades coloniais. Mataram muito menos gente que as guerras de libertação dos anti-coloniais. Por isso, foram de cravo ao peito, o símbolo da ferida aberta, chaga ao peito como o coração de Jesus. E, sobretudo porque era Abril, mês de esperança, Ano Novo de tibetanos, persas e xiitas, os que adoram Nossa Senhora de Fátima. Porque o céu se dota de uma côr e a água vem molhada de luz e o coração se embriaga duma esperança sem razão nem porquê. Morrer em Abril não custa e, por isso, os soldados que receberam a ordem de metralhar Salgueiro Maia na rua, se recusaram, um Alferes primeiro, um Cabo depois. Um português não mata se não lhe encherem a cabeça que todos à volta se matam uns aos outros e assim é que é.
E foi, trinta e três anos depois, no que caímos: vamo-nos matando uns aos outros, irmão não conhece irmão, o filho não conhece a mãe.
Salgueiro Maia e Zeca Afonso, que eram boas almas, diriam coisas muitas estranhas para os abrileiros, se ainda hoje fossem vivos. Morreram e deles ficou, nem o protagonismo revolucionário de quem queria um Verão eterno depois da Primavera, nem a grandiloquência de uma História Pátria autista que quer um Inverno longo, pela cobiça da Primavera. Um era soldado, o outro poeta. Profissões ingratas e obscuras onde o único salário garantido é o da humildade e o do silêncio.

8 comments:

Anonymous said...

Avril au Portugal? era um belo mês para os cantores folclóricos do salazarismo. Desde lá com o aquecimento global e a continuação da política de atrás da paróquia Abril foi â vida, em termos climáticos.

Na Rússia as "almas" eram os servos, Zeca Afonso e Salgueiro boas almas? Não entendo.

"Parece~lhe" que Salgueiro Maia era um ilustre português. Ou era ou não era. Para quê agarrar nas pinças da condescendência? A verdade é que os tinha no sítio. Isso será sempre ilustre em terra de capados e papa-hóstias.

Morrer em Abril custa tanto como morrer noutro mês qualquer. Sobretudo quando não se é budista, e por isso só se tem uma vida.

Os portugas eram boa gente? Onde é que vivia? Um bando de carneiros, e como diz justamente manipulados e manipuláveis. Capados mentais, culturais - sem memória.

Les bonnes personnes, em França, é sinónimo de palermada, e em Portugal de sacristas, para sermos claros. Os rurais boa gente é o mitozinho salazarista.

Os ribatejanos com raça? Copos, touros, machismo, cavalhadas. Por onde tem andado? A menor literacia do país. Talvez um campoino ou outro tenha lá a sua graça, mas a figura do ribatejano é a essência do cabo de forcados, um alarve, de patilhas, semi analfabeto, com um traje ridículo a imitar o do
toureiro.

A sua ideia que a História marcha sózinha acho que é certa e shakespeariana. History? A tale told by an idiot, full of sound and noise and meaning nothing.

Depois vem uns homenzinhos, semierectos e muito empertigados, chamados políticos e historiadores e tentam dar sentido, e intepretar no sentido dos seus cordões o que se passou.

Não viu ainda que isto é um país de neuróticos, sempre a rifar-se a si mesmo, injustamente de resto, porque não há prémio para ninguém.
Mas a vil aldrabice permanece à esquerdalha e à direitalha e no triste centro.

Cumprimentos, e embora em discordância deste post do Pedro Cem (Cem Pedros ou Pedro Sem Terra), parabéns pelo seu blog.

Anonymous said...

Caro Anónimo ( daqueles que não sei mesmo quem é, bençãos sejam dadas à internet por essa possibilidade e contra códigos de conduta)
Esperando pela resposta do André, pois foi ele que escreveu este Pedro Cem - às suas objurgatórias - cá vai um sentido agradecimento pela sua reacção: embora anónimo, está vivo.

O essencial das suas preocupações aparte criticar algumas ambiguidades do texto é dizer que o país é inviável. Mas olhe que oitocentos anos inviabilidade é obra. Eu tenho uma opinião totalmente difernte. O país é absolutamente viavél desde que pense em grande, pessoal e colectivamente. O emigrante português sai de cá porque isto é uma choldra. mas pensa em grande e triunfa lá fora. Descobertas e mar é marca portuguesa no planeta; até a austrália ficou como descoberta secreta. Agora uqnao portugal dá para a mediocridade , é inexcedível porque a inveja tapa tudo e por aí tem razão. Não a história não marcha sozinha, embora a ideia seja gira para acabar com o género "o homem faz-se a si mesmo" Nós empurramos coisas para dentro da história.
Volte sempre

Anonymous said...

Obrigado pelos vossos comentários. O texto tem as suas ambiguidades, pois tem mas não são deliberadas se acreditarem, como eu, que Deus é um sapateiro e que nos vai experimentando nos sapatos uns dos outros até nos deixar adormecer no seu grande chinelo, como uma ratinho que eu tolerei durante três anos no meu quarto de estudante. Este texto veio-me à ideia porque até para quem ache que não havia nenhuma generosidade na gente que fez o 25 de Abril, ainda aqui surge esse estranho binómio português entre soldados e poetas.

Penso que, como o Anónimo fala, deve saber mais que eu mas vi em Salgueiro Maia, sobretudo na obscuridade em que se deixou morrer, muito mais que o herói-Macho. Vi a condição humana ambígua de que todos somos feitos. E perdoe esta constatação.Vejo nele determinação mas também uma humildade que me diz ter ele bem a noção -- que sabia de África-- de que somos humanamente frágeis. Amei um dia alguém ribatejana, que me deixou mas não deixei de apreciar aquilo que achei ser a sua "raça", a sua direitura moral por vezes rude. E, acredite, não usava suíças.

Sobre Zeca Afonso, penso que o modo como morreu o fez semelhante.

Penso que Portugal é viável, não apenas como opinião mas tampouco como absoluta certeza. Mendo, já podemos começar a falar em 900 anos, mas uma coisa me lembro bem, apesar das alhadas políticas de Maia e Afonso: ambos não discutiam a sua condição muito clara de serem portugueses.

Anonymous said...

Duas coisas de que me esqueci sem querer ser puntiglioso mas porque não quero uma ambiguidade falsa:

O "Parece-me" sobre Salgueiro Maia é porque no meu Panteão entram primeiro aqueles que são mansos e humildes de coração. E que fique claro: eu penso que Salgueiro Maia era um deles. E eu quero também ser...

Sobre a História Mendo: sabes bem que eu não acredito numa História que não podemos, nem um bocadinho, mudar. Mas tenho aquela imagem filmada do homem que se levanta calmamente da areia e se afasta enquanto a onda do Tsunami se vai aproximando...o pouco que ele mudou sabe-o Deus, quando virou as costas, olhou para trás e pensou qualquer coisa...

Anonymous said...

Ao andré. Está tudo mais esclarecido. estraá aparecer um npovo Pascal? O que dizia que "ne pouvant pas faire que la justice soit forte, je me résigne à que la force soit juste"

Anonymous said...

Os actores do 25 de Abril foram os capitães, os autores do script foram os alferes milicianos com cursos ou em vias de acabá-los que estavam nas Áfricas. Foram eles que comunicaram, para bem ou para mal, as suas ideias aos capitães.
Estes, aparte duas ou três excepções, mal sabiam falar, e menos juntar duas ideias seguidas.
No Largo do Carmo quem falou âs "massas" , e claramente porque ninguém sabia falar, foi o Tareco, mais conhecido por Francisco Sousa Tavares, de voz de basso profundo, graças à genética, ao tabaco e em não menor medida ao whysky.

O 25 de Abril não foi uma revolução, foi um passeio. O Estado Novo, os top people, há muito que era composto de gente senil, borrada de medo, apoiada na PIDE e na polícia e na GNR e nas brigadas do reumático.

O Salgueiro Maia, bem como os outros capitães e alferes milicianos de África por ter estado em frentes de combate tinham resiliência e resistência e alguma noção do que é ser guerreiro, do poder guerreiro.

Pelos frutos se vê a árvore, deixou uma filha gira pelo menos, gira e forte, lúcida e autêntica.

Num país mole, cabisbaixo e cobarde o 25 de Abril nem foi dificil. E foi bonito, sobretudo aquela história dos cravos teve estilo, foi inédito, se bem que houvesse em 1961 os People going to San francisco with flowers in their heads. Ou seja, a flower revolution já andava no ar. Embora não creio que os capitães tivessem tripado com LSD 25, se bem que muitos fumaram erva angolana e moçambicana, vermelha, forte, magnífica.

Portugal acho que faleceu, ou entrou em coma disléxico há uns 400 e tal anos. Justamente tempos depois da descoberta. Compreendo a vossa esperança, mas não a partilho. O destino disto vai ser espanhol. Lamento-o. Talvez seja útil para que daqui a uns cem anos haja um sopro novo.
Nem sequer vão invadir-nos. O dinheiro basta. Não é só o Pina na TVi e o Patrício Gouveia no Corte Inglês. Há muitos mais miguéis de vasconcelos, primos, tios, parentes, amigos (!) com o euro-peseta a correr no sangue.

Um punhado de astérixs a desafiá-los? O retorno de Viriato. Outro 1640? Para as defenestrações nem todas as janelas de Lisboa chegavam. Lírico e unfeasable. As nações são organismos psico-físicos e tem os seus ciclos de corrupção e decadência, inclusive de desaparecimento.

Mas neste momento, o país está paraplégico, quer TVi e automóveis, a pança cheia e futebol e que não o lixem, entretanto o Cardeal é neurótico, e fuma, a Igreja desinspirada e triste (O Bispo Ortiga!), as seitas estúpidas avançam, os partidos que temos são cinzentos, desinspirados e pequeno.burgueses, todos sem excepção, com um deficit de alma colossal. Zeca Afonso seria corrido pela Assembleia da República em peso, bloco incluído, o Salgueiro despromovido. O 25 de Abril foi um dia lindo que nasceu e morreu nesse mesmo dia. É estúpido o revivalismo, os portugueses tem a mania de indiustrializar a sua saudade de maneira recorrente. Isso só dá entrada garantida na subconsciência, donde nada se passa de real, e tudo acontece em planos fantasmas.

Eu agora vivo retirado, em Trás-os Montes, como o Jacinto. Já andei metido, qual Quixote, numa série de causas. Desta vez, estoicamente, sei que são tempos como diz o I-Ching de quando o "homem pequenino" avança o homem superior se retirar. Não que eu seja superior, não sou é pequenino, homem massa.

As ideias do Agostinho da Silva são muito infantis. Um país sem massa viva é como um cesto podre onde não se mete uva nova. E o problema é crucialmente esse: a maior parte dos meus contemporâneos estão mortos, na alma e nas sensações. Ou adormecidos, ou mentalmente escravizados por uma qulquer ideologia e não há salvadores. Ou por outra, sempre que os há, segue-se um sono secular.

Dito isto vou podar as minhas oliveiras, é tempo disso por cá. Espero que a minha careca não fique parecida à do Herculano.

Saúde e paz,

por razões óbvias o Anon, retirado das lides com patente de capitão miliciano.

Anonymous said...

PS

Mch,

esclareça-me isso do que é "pensar em grande e colectivamente", porque isso me soa a fernando dos Santos do benfica. Pensou em grande, queria o Campeonato, a Taça e a Europa e colectivamente, a equipe a jogar para equipe.
Já perdeu dois dos pensamentos grandes, e muito certamente perdeu o terceiro.

O destino das nações é sempre feito por uns poucos, que tem poder pessoal, aura, carisma, destino, fatum. Ou uma estrela na fronte ou o que quiser. Foi assim antes da decadência longa, do coma profundo em que Portugal caiu após as Descobertas - muito mal geridas, pior digeridas com consequências que chegam em calamidade até hoje.

As Descobertas foram 50% de tiro escuro 50 % de preparação cientifica, militar. Não houve Escola de Sagres nenhuma, como sabe. Isso é uma construção salazarista a posteriori, e do Edgar Prestage, en passant. Mas houve um estado de alma superior duns quantos e uma vontade real muito individualizada e nada colectiva.

Anonymous said...

CAro Anom:
O facto de ser cap. mil. na reserva deve dar-lhe senão autoridade pelo menos experiência para falar do subsolo do 25 de Abril a Guerra de África e suas sequelas. Acho que tem razão nas suas críticas e impaciências. Acho que a sua atitude de vergastar o povão das chamuças e coratos está certa. Mas para mim pior é a linha de Cascais. Em tempos o Balsemão pediu dinheiro Às tias para fundar o expresso. Hoje mete o Pina Moura "porque é bom gestor". Esta decadência e anquilosamento da "classe dirigente" é fatal.
Pois tem razão quanto ao "alguns" a que chamo a classe de serviço. "Ministro" vem de servus ministerialis. Onde isso lá vai...Esses gajos são mesmo maus. Mas tenho a convicção que o país resiste e que vem aí um novo ciclo. Anacefaleose, diziam os restauradores. Que palavrão. Olhe uma abraço e boas podas no seu vale de Lobos. Olhe que o TGV espanhol vai passar a uns 20km de Bragança.

O "pensar em grande e colectivamente" não é Benfica, Amália nem Fátima. Aliás estes "3 eventos" nasceram um bocado espontanemanete e sem grande engenharia social. Chama-se a isso catláxia, a ordem espontânes. Portugal é bom nisso por isso tem novecentos anos. O nome popular da cataláxia é desenrascanço, mas isso é muito inexacto. A acção tem origem individual, a sustentação é social, o fio condutor em parte nas nosas mãoes em parte nas mãos de deus (grande ser, tao, etc) é histórico. O que faz de Portugal não uma sociedade liberal pura ( EUA) nem colectivista ( URSS, a velha Alemanha) mas uma mistura de indidviduso e comundiades que de vez em quando acerta no grande projecto (Alcobaça, Ribacoa, Lisboa, Alentjo do sec XVi, Descobertas, região do Douro XVIII, agricultura XIX, barragens, turismo sec XX, penso que se perfila as actividades do mar no XXI.
A sequência de