24.4.07

Imaculada Conceição


A Rita Barata Silvério escreveu o seguinte numa das suas crónicas
Por ela enfrentaram-se correntes doutrinais, levantaram-se edifícios e talharam-se obras de arte; é fonte de inspiração para Cantatas de Bach, romarias populares e fenómenos extraordinários com velinhas na Avenida da Liberdade; exemplo de caridade e amor, a essência da maternidade. Maria. Nunca houve mulher que contribuísse mais para a discussão filosófica no Ocidente e nenhuma mulher mereceu mais devoção que ela. Pura, virgem e imaculada. Mas também caridosa, auxiliadora, mística, dolorosa, reconciliadora ou milagrosa. E a mulher que se espera sejamos todas as que viemos depois. Concordarão que não é propriamente fácil sobreviver a um modelo destes. E não me leiam aqui como uma iconoclasta radical de esquerda, sou só realista. Como alcançar tamanha virtude num mundo pejado de excessos carnais, publicidade erótica na televisão e incentivos à evasão fiscal? Não se nos terá exigido demais ao género feminino? Não poderiam ter escolhido Maria Madalena, pecadora, mas arrependida apesar de tudo? (continua...)

E eu respondi-lhe:


Rititi
Parabéns. Já não a lia há que meses mas surpreendeu-me com este post. É mesmo uma intelectual que sente, coisa tão rara como o Engenheiro Álvaro de Campos que, felizmente, não teve de provar se tinha diploma. O seu ponto neste post é que as glórias de Maria são conseguidas à custa da desumanidade da mesma. Como corolário, a doutrina do cristianismo não se aguenta pois pede uma utopia, e uma chata ainda para mais. Alguém falou em comunismo ou marxismo-Leninismo? O seu protesto humano, demasiado humano como dizia o outro, tem todo o sentido e não tenho uma resposta para ele. Santos e pecadores, eles andam por aí misturados.
Em todo o caso lembro-me disto. Dos quatro dogmas sobre Maria, o 1º, A "Imaculada" foi analisado foi si razoavelmente, tanto quanto a ignorância da escolástica lhe permite. Atenção. Não leve isto a mal. O que quero dizer é que acertou no centro da questão mas não percebe muito dos arredores. O 2º dogma é a "Assunção" de 1950, a subida ao "céu". Contudo Pio XII não quis proclamar as outras duas propostas de dogma que jazem nas gavetas do Vaticano, a Mediação de todas as Graças e a Co-redenção. A serem proclamados colocariam Maria quase a par de Jesus Cristo nas suas eficácias teologais. Já viu: a mãe de Deus pare, salva, ajuda e sobe ao Céu como o filho de deus. Deus é feminino, ou quase. Agora , sff, ponha entre parênteses, como os matemáticos e os fenomenólogos, se estas ideias são falsas ou verdadeiras. Nenhum de nós é teólogo, não as vamos discutir. Concentre-se apenas no que elas significam em colocar a mulher a par do homem, como orientação. Uma religião que pensa assim não deixa usar burkas, nem fazer excisões, nem segregar do trabalho, nem diminuir os direitos, nem mandar as virgens servirem no céu os "mártires" violentos. Uma religião que exalta Maria como tão "desumana" talvez crie o mesmo efeito com meios transcendentes que a Jane Fonda que nos seus sessenta bem puxaditos, com aeróbica e cremes, ainda é um regalo imanente. Vê onde eu quero chegar? Não me passaria debater se é verdade ou mentira o conteúdo daqueles dogmas marianos - os proclamados e os por proclamar. Mas vendo os efeitos, as consequências, e os frutos dos mesmos a mulher saiu mais defendida do que noutras culturas -islâmicas, budistas, "you name it"- que se marimbam para as suas Marias.
Com estima
mendo henriques

4 comments:

Luís Aguiar Santos said...

Caro Mendo, salvo erro, Jesus, ao dirigir-se aos "homens", estava também a dirigir-se às mulheres e também trouxe a elas a salvação da Nova Aliança. Nada há no Novo Testamento (sobretudo nos evangelhos) que permita defender um estatuto de inferioridade para as mulheres. Pelo que a criatividade dogmática de Roma na inflação do estatuto da Virgem Maria na economia da salvação é um conjunto de inovações que - escusando-me de dar-lhes aqui outras adjectivações merecidas - não só desnecessário como contraditório com as Escrituras.

Anonymous said...

Caro Mendo,

O Budismo tem as suas "marias", ainda que não se debata muito se tem ou não selo de virgindade. São elas Avalokiteshwara, no Budismo Chinês e nipónico e as várias formas de Tara, Mãe Celestial, no Budismo Tãntrico Tibetano.

Mas tenho um problema, como é que Maria dos católicos pare e continua virgem?

Anonymous said...

Caro Tenzin Osel
Pois tem razão sobre o Feminino no Budismo. Também na religiao Ba'hai é assim.
Quanto ao problema e que é uma antinomia pura, não tem solução, donde a afrrmação dogmática do Mistério. Para quem conhece a psicanálise das religiões de Mircea Eliade é compreensível. O meu ponto é que "pelos frutos os conhecereis"

Anonymous said...

Caro luís Aguiar:
Sobre a "criatividade dogmática de Roma" sobre a "Virgem Maria", não sei não. O problema é mesmo a Igreja é não os Evangelhos. A inferioridade biológica da mulher é um facto que tem como contrapartida o ser mãe. Numa sociedade rural e sem tecnica , A virgem Maria elevou a mulher. Agora em pós-undustrial e pos codigo genetico, até a mulher pode dispensar o homem para a reprodução, e o homem está em inferiroridade. Maria volta a ser importante como Mãe. Gosto deste "imnmedio virtus"