Eis um livro que, como organização editorial, não é muito simpático. O diário que Angelo Roncalli manteve desde os seus catorze anos, não nos diz muito sobre o período da Segunda Guerra Mundial e, depois, tem um apêndice a especular sobre as origens aristocráticas deste bom Papa, que nasceu pobre, morreu pobre e foi sempre duma família pobre.
Mas o que é bom no livro, é que o que de espiritual lá está, salva tudo o resto. O Papa João XXIII, o do Concílio Vaticano II, teve muitos dias de sofrimento e de inspiração, teve muitos mesmo e pôde deixar-nos escrito o seu testemunho. Uma coisa que se aprende com o livro é que este Papa teve a enorme vitória de pecar muito pouco, graças a uma disciplina, graças ao Amor a essa imagem viva que chamava Jesus e Maria, contando talvez com uma família amorosa e solidária, que permaneceu pobre mas com Esperança.Penso que morreu em paz,tendo perservado essa herança de amor às pessoas, à sua família, à sua terra e a toda a Humanidade que considerava desde muito pequeno, como a coisa mais preciosa a perservar. Outro aspecto importante do livro é que nada desta sua proeza se conseguiu sem uma enorme força e dolorosas renúncias. Apesar de tudo, Deus parece ter-lhe dado a Graça de não ter sido muito tentado, de não ter caído em transes dum desalento infame ou de uma turbulência louca, como acontece até às vezes com alguns Santos. Foi um Papa suave, certamente muito dorido com trabalhos mas pouco assaltado pela dúvida. Do que nos ensina, resulta talvez mais clara a ideia de que quando temos a Graça de fazer o que devemos, a integridade do Bem é tão cósmica que esperar reconhecimento em vida, seria a mesma coisa que gravar um disco com os sons do Espaço ou tentar fazer montanhas russas movidas à velocidade da Luz, nas Feiras populares. Como aguentar esta desesperança de ser compreendido, não é fácil. João XXIII citava o Santo Cura de Ars, esse santo tão forte: quem diz mal de ti é teu amigo, quem diz bem, não é. Por fim recordo-me de uma coisa bonita deste Papa que foi diplomata de profissão, apesar de ter duas mudas de roupa: dizia que sofria muito na Grécia, onde as pessoas são tão belas e fascinantes mas adorava o povo turco, que nem era cristão e ficava às vezes a contemplar o Bósforo, onde os pescadores turcos juntavam os barcos de noite, com candeias, para pescarem atum em grande algazarra. Neste fogo nocturno, da Humanidade que se entreajuda, o solitário barrigudo, ficava a olhar sózinho, no intervalo dos trabalhos a que chamava repouso nocturno, com o seu sorriso de menino pobre italiano, que era demasiado tímido, ou gordo para participar na brincadeira, mas a quem os olhos se alumiavam com este milagre que é ter uma vez existido.
24.4.09
16.4.09
XVI - (Re)leituras: From Recession to Recovery: How soon and how strong? do FMI, por André Bandeira
Este capítulo terceiro do Relatório do FMI, sobre a crise, deixa a sua marca na crise que sentimos. E sentimo-la porque é uma crise. Se fosse uma catástrofe, tínhamos deixado de sentir. A conclusão não é boa e vem aí nos jornais: esta crise está para durar e a recuperação será lenta. É este, em suma o recado do FMI, pensemos o que quisermos de quem o dá.
Dois ou três pontos interessantes: a crise é pior do que a de 1929, na medida em que o sistema financeiro mundial está todo interligado. Tal quer dizer que as indústrias que não dependem muito do crédito mas sim da procura externa, ou arranjam clientes em Marte, ou não vão ser excepção. Estas indústrias são aquelas que produzem bens altamente vendáveis, fluídos,completos, destinados a satisfazer a nossa sêde, como computadores. Mas Marte parece que já tem água, continuando sem Internet. Segundo aspecto: a crise já estava aí, ao longo de 2008, e, em Portugal, na segunda metade. Terceiro: se, em 1929, se podia adivinhar o que ia acontecer, pelas restrições ao crédito antes da crise rebentar, o mal não está na restrição mas na febre avassaladora da corrida ao crédito. Quarto: a política de redução fiscal não tem grandes efeitos em aumentar o consumo privado, se o Estado está muito endividado, aparentemente porque a Sociedade, que concede crédito ao Estado, não se fia das benesses ou confianças desse grande gastador e começa a poupar ainda mais, se o Estado lhe deixa mais algum. Portanto, parece que o grande arrepio de frio de não gastar um tostão e de cortar nas despesas todas vai ser um sentimento geral, mesmo que o Estado, gastando mais e endividando-se graças ao seu bom nome, decida gastar mais, para estimular a Economia e manter os preços a um nível em que mereça a pena ser-se vendedor. Em suma: o excesso de financiamento, em vez de «febres produtivas»,destinava-se a juntar o mais rapidamente possível, um conjunto de liquidez, em vez de juntar as paredes duma casa, ou as peças duma máquina. Isto provocou um tal sentimento de culpa, que nem no Estado se confia. E eu acrescento: na nossa carteira já não está recheada só com poupança. Vamos procurar outras coisas para os dias de chuva. Não sei quais, mas esta procura, esgravatando no chão, mete-me medo pois o que passa a ser considerado valioso deixa de ser discutido em público. Em vez do segredo ser a alma do negócio, o negócio passará a ser a alma do segredo. O Estado tem uma grande carteira e os bens que decidir lá colocar não podem ser só bens de consumo. o Estado tem, agora, nos seus gastos, de ter um sentido visionário, tem de apontar para novos valores, para novos monumentos, à sombra dos quais morreremos e os filhos dos nossos filhos brincarão. Se o Estado não o fizer, a Sociedade terá de o fazer, mesmo contra o Estado. Os tempos vão ser de gastar forças para criar, ou não serão sequer tempos, mas apenas abismos.
Dois ou três pontos interessantes: a crise é pior do que a de 1929, na medida em que o sistema financeiro mundial está todo interligado. Tal quer dizer que as indústrias que não dependem muito do crédito mas sim da procura externa, ou arranjam clientes em Marte, ou não vão ser excepção. Estas indústrias são aquelas que produzem bens altamente vendáveis, fluídos,completos, destinados a satisfazer a nossa sêde, como computadores. Mas Marte parece que já tem água, continuando sem Internet. Segundo aspecto: a crise já estava aí, ao longo de 2008, e, em Portugal, na segunda metade. Terceiro: se, em 1929, se podia adivinhar o que ia acontecer, pelas restrições ao crédito antes da crise rebentar, o mal não está na restrição mas na febre avassaladora da corrida ao crédito. Quarto: a política de redução fiscal não tem grandes efeitos em aumentar o consumo privado, se o Estado está muito endividado, aparentemente porque a Sociedade, que concede crédito ao Estado, não se fia das benesses ou confianças desse grande gastador e começa a poupar ainda mais, se o Estado lhe deixa mais algum. Portanto, parece que o grande arrepio de frio de não gastar um tostão e de cortar nas despesas todas vai ser um sentimento geral, mesmo que o Estado, gastando mais e endividando-se graças ao seu bom nome, decida gastar mais, para estimular a Economia e manter os preços a um nível em que mereça a pena ser-se vendedor. Em suma: o excesso de financiamento, em vez de «febres produtivas»,destinava-se a juntar o mais rapidamente possível, um conjunto de liquidez, em vez de juntar as paredes duma casa, ou as peças duma máquina. Isto provocou um tal sentimento de culpa, que nem no Estado se confia. E eu acrescento: na nossa carteira já não está recheada só com poupança. Vamos procurar outras coisas para os dias de chuva. Não sei quais, mas esta procura, esgravatando no chão, mete-me medo pois o que passa a ser considerado valioso deixa de ser discutido em público. Em vez do segredo ser a alma do negócio, o negócio passará a ser a alma do segredo. O Estado tem uma grande carteira e os bens que decidir lá colocar não podem ser só bens de consumo. o Estado tem, agora, nos seus gastos, de ter um sentido visionário, tem de apontar para novos valores, para novos monumentos, à sombra dos quais morreremos e os filhos dos nossos filhos brincarão. Se o Estado não o fizer, a Sociedade terá de o fazer, mesmo contra o Estado. Os tempos vão ser de gastar forças para criar, ou não serão sequer tempos, mas apenas abismos.
13.4.09
XV - (Re)Leituras -- The UN Security Council and the Politics of International Authority, editado por Bruce Cronin e Ian Hurd, por André Bandeira
(Como é Primavera, ninguém acha bera). Mais um livro de vários autores, desta vez aqueles ligados a Tony Blair, aos socialistas de armas na mão. Começo por evocar Antero de Quental: era um homem impulsivo, generoso e suicidou-se, penso eu por uma mistura explosiva de Amor e Honra. O livro diz que o grau de autoridade do Conselho de Segurança das Nações Unidas expande e contrai-se segundo a legitimidade dos seus membros. Antero suicidou-se porque não podia cumprir o seu dever de alimentar a sobrinha, o que era a única coisa que lhe restava da mistura de amor ao direito à Liberdade e ao dever de solidariedade. Irão as Nações Unidas acabar, se não reformam o número dos membros do Conselho de Segurança? Eu penso que é legítimo pensar que as Nações Unidas, resultado duma vitória na Segunda Guerra Mundial, têm de alterar o seu esquema de Directório do Mundo. Mas, para isso, teriam que ter um poder regulador económico que não têm, não poderão ter e não é bom que tenham. Portanto, só restará à ONU ser um modelo moral.E o modelo moral é sempre de poucos.
Cabe neste modelo moral, o direito a intervir à força em países, como o Iraque de Saddam, para sustentar os Direitos Humanos, ou secar o mar da Somália para acabar com os piratas, ou invadir o Paquistão para acabar com os terroristas que se reclamam do Islão? Todas estas questões eram tão legítimas como aquelas que a Sociedade das Nações nem sequer conseguiu formular ante a Alemanha Nazi, a Rússia Soviética, a Itália invasora da Abissínia e o Japão invasor da China. Eu penso que não, por uma razão complexa que reza assim: se a minha verdade (Lei internacional) é apenas particular, porque a Parte nasce antes do Todo, há partes mais diferentes do que eu poderei algum dia imaginar. Então, para ser justo, eu preciso de ter consciência do Todo. Mas Tudo saber é igual a tudo perdoar. Como nunca saberei tudo, terei de actuar (intervir), mesmo correndo o risco de ser injusto (provocar guerras). Mas quem me disse que devo actuar? Para fazer pior (acabar com regimes ditatoriais mas sustentar guerras sem fim)?! O que eu devo é extrair-me da minha ilusão do Todo, reconhecer a minha profunda ignorância e não pretender conquistar a Verdade. Extraindo-me do Todo, eu deixarei a Verdade, pelo menos, pura das minhas distorsões, não me confundirei com o Todo, ao qual pertenço (não farei a Lei substituir o Costume internacional). Como ensina a moderna Ciência atómica, afinal a Parte é um corredor para o Todo e é melhor que eu me concentre sobre o meu próprio Todo. Se um dia me dominar a mim próprio, já terei cumprido o meu destino histórico.Tudo o que eu disser será sempre parcial e, muitas vezes injusto. Quando muito poderei existir (inclusive defender o meu país no Estrangeiro), para que o meu Todo coexista com os outros Todos, porque as Partes, afinal, são muitos Todos, não há um único Todo e, se é assim, então, «Tudo» (e não Todo) são ligações que se religam quando parece que iam morrer (a Comunidade Internacional vai para além das Nações Unidas). Assim reza o credo pacifista: como podes desarmar o Mundo se não te desarmas primeiro (ou seja: deixa de actuar como se fosses o Centro do Mundo)?!O único Direito Humano é o Direito à Vida e estou certo que há uma forma das vidas todas poderem coexistir, apesar de tal ideia, em qualquer momento, parecer ilógica.Mas se a Vida fosse lógica, já a teríamos pisado por distracção.
Com isto, volto a entrar na máquina do Tempo e vou aparecer ao lado de Antero de Quental, em Angra do Heroísmo, quando ele se sentar no banco de jardim que tem «Esperança» escrito por trás e segurar-lhe com força a mão onde ele empunhou o revólver, dizendo-lhe:«Antero, não te mates. Nós precisamos muito mais de ti que do teu Amor e da tua Honra».
Cabe neste modelo moral, o direito a intervir à força em países, como o Iraque de Saddam, para sustentar os Direitos Humanos, ou secar o mar da Somália para acabar com os piratas, ou invadir o Paquistão para acabar com os terroristas que se reclamam do Islão? Todas estas questões eram tão legítimas como aquelas que a Sociedade das Nações nem sequer conseguiu formular ante a Alemanha Nazi, a Rússia Soviética, a Itália invasora da Abissínia e o Japão invasor da China. Eu penso que não, por uma razão complexa que reza assim: se a minha verdade (Lei internacional) é apenas particular, porque a Parte nasce antes do Todo, há partes mais diferentes do que eu poderei algum dia imaginar. Então, para ser justo, eu preciso de ter consciência do Todo. Mas Tudo saber é igual a tudo perdoar. Como nunca saberei tudo, terei de actuar (intervir), mesmo correndo o risco de ser injusto (provocar guerras). Mas quem me disse que devo actuar? Para fazer pior (acabar com regimes ditatoriais mas sustentar guerras sem fim)?! O que eu devo é extrair-me da minha ilusão do Todo, reconhecer a minha profunda ignorância e não pretender conquistar a Verdade. Extraindo-me do Todo, eu deixarei a Verdade, pelo menos, pura das minhas distorsões, não me confundirei com o Todo, ao qual pertenço (não farei a Lei substituir o Costume internacional). Como ensina a moderna Ciência atómica, afinal a Parte é um corredor para o Todo e é melhor que eu me concentre sobre o meu próprio Todo. Se um dia me dominar a mim próprio, já terei cumprido o meu destino histórico.Tudo o que eu disser será sempre parcial e, muitas vezes injusto. Quando muito poderei existir (inclusive defender o meu país no Estrangeiro), para que o meu Todo coexista com os outros Todos, porque as Partes, afinal, são muitos Todos, não há um único Todo e, se é assim, então, «Tudo» (e não Todo) são ligações que se religam quando parece que iam morrer (a Comunidade Internacional vai para além das Nações Unidas). Assim reza o credo pacifista: como podes desarmar o Mundo se não te desarmas primeiro (ou seja: deixa de actuar como se fosses o Centro do Mundo)?!O único Direito Humano é o Direito à Vida e estou certo que há uma forma das vidas todas poderem coexistir, apesar de tal ideia, em qualquer momento, parecer ilógica.Mas se a Vida fosse lógica, já a teríamos pisado por distracção.
Com isto, volto a entrar na máquina do Tempo e vou aparecer ao lado de Antero de Quental, em Angra do Heroísmo, quando ele se sentar no banco de jardim que tem «Esperança» escrito por trás e segurar-lhe com força a mão onde ele empunhou o revólver, dizendo-lhe:«Antero, não te mates. Nós precisamos muito mais de ti que do teu Amor e da tua Honra».
9.4.09
XIV - (Re)leituras -- Democracy's Good Name, de Michael Mandelbaum, por André Bandeira
Ninguém discute o bom-nome da Democracia. Todos se reclamam democráticos, apesar do discurso de Péricles dizer que os monumentos à Democracia , ficarão para o Bem e para o Mal ( há alguns monumentos na Grécia, a maior parte deles, ruínas, que estão aquém do Bem e do Mal, como também vestígios de cataclismos vulcânicos se situam, hoje, em paisagens bucólicas). Em tempos dizia-se o mesmo da Cristandade, ou do Islão,e, mais tarde, dizia-se o mesmo do Socialismo.Todos eram cristãos, o Islão era Paz, todos eram socialistas. Há nisto algo de revoltantemente covarde, de Maria-vai-com-as outras, de camuflagem no caos da feira das vaidades. Confúcio -- e isto já se tornou uma chavão (pergunto-me se na hipnose colectiva em que nos encontramos haverá algo mais que chavões, não tendo aparecido ainda um Poeta que os desfaça) -- Confúcio dizia que tudo se reduzia a reatribuir os nomes correctos às coisas. Mas Wittgenstein, o tolo Positivista que nos tiraniza, dizia que não havia coisas, só factos, e os europeus continuam a ir sempre ao mesmo jogo de futebol, entre nominalistas e idealistas, rindo-se à socapa dos padres que acreditam na substanciação (Cristo é muito bonito mas o cristianismo é apenas uma notícia). Enfim, isto da Democracia, neste livro americano panfletário que escolhi, é sobretudo uma marca. Agora que houve uma oportunidade de negócio, há que vender a Democracia a toda a gente, dizendo, entre outras banhas da cobra, que é facto histórico provado que as democracias não se guerreiam umas às outras, e que as democracias só têm crescido desde que se aboliram os Reis e se implementou o princípio da auto-determinação nacional. Enfim, sempre houve profetas do fim da História, de quem, depois, os historiadores se encarregam de tomar nota quando eles passaram, mas o Tempo continuou a correr. Claro que, além deste profetas, ficam as pessoas sensatas que têm de organizar um Mundo cheio de diferenças e de desníveis, de mudanças de ritmo e de equívocos, além de terem em conta esse mundo do Corpo e da Mente, que é pouco democrático e que continua também a sua «História Natural».Alguns até lhes chamaam Santos, mas eles próprios não o sabem. Enfim, este livro, de 2007, diz duas coisas úteis: as democracias acabam quando acontecem grandes cataclismos económicos ( como a nossa crise estava aí há muito tempo, aplique-se o raciocínio à Democracia moderna). Por fim, o livro faz-nos pensar num facto,a noticiar urgentemente: a Democracia é uma questão de bom-nome. Aprendamos, portanto -- ao contrário de Confúcio -- a ver a Alma que está para além do Nome.
7.4.09
XIII (Re)leituras: The Assault on Reason, de Al Gore, por André Bandeira
Diz uma leitura do teorema de Goedel, esse grande matemático de origem vienense, que, de dois prémios ou nada, há sempre uma fórmula de tirar o melhor prémio, muitas vezes desprezando o prémio menos bom. Para este adágio dos liberais de que «A sorte protege os audazes», o livro de Al Gore, escrito para combater esse mandato de pesadelo que foi o de Bush/Cheney, parece uma grande ode ao «livra-te do medo», quando nós vivemos em medos contínuos, de perder o emprego, de perder o pouco de alento ou felicidade que ainda temos, ou de perder a própria Vida. Mas vemos que as palavras são belas em Al Gore, como se o facto de que ele «costumava ser o próximo Presidente dos Estados Unidos» não é algo que nos deixe a pensar. É muito lindo falar contra o medo, contra os medos que nos foram deliberadamente induzidos pela Administração Bush, por meios de milhões de Dólares em propaganda televisiva. É muito lindo reconhecer o analfabetismo a que chegaram os milhões de telespectadores do Mundo Ocidental, citando até o afro-americano Douglass que descobriu que as grilhetas da escravatura, no Séc. XIX, eram verdadeiramente as da incultura. Tudo isto é muito bonito de ouvir. Como se Al Gore não recortasse e colasse slogans de outras Administrações que também parecerão ultrapassadas quando a Administração de Obama chegar ao fim do seu ciclo. E digo «quando» porque nem os mais espertos marxistas se atrevem a dizer que Marx, agora, vai ter razão. Talvez tenha mais razão Lénine que disse, depois de o seu irmão ter sido executado ( e depois de ter pedido para que só o culpassem a ele e poupassem a vida aos cúmplices) que «nunca mais actuaremos assim». Na realidade, se o irmão de Lénine tivesse sido poupado, talvez lhe tivesse acontecido como Dostoiewsky e esse outro pesadelo chamado URSS não tivesse nunca acontecido. É muito fácil ladrar contra o medo, erguer o cálice à Liberdade e aconchegar-se numa Loggia como se a História fosse uma Ópera. Mas os medo e as limitações vêem-se todos os dias, ao cair da Noite. Por isso, este repositório de Al Gore, pelo Partido Democrático, contra Bush, não passa de um panfleto como foi o seu livro sobre a Ecologia. E ainda uma outra conclusão que serve para criticarmos a América, não apenas pelo grau de analfabetismo a que a sociedade de consumo do modelo americano a reduziu: talvez na Bíblia se dessem centenas de anos de idade aos patriarcas porque não havia demografia suficiente na época, onde pudessem caber tantas experiências de sabedoria. No mundo moderno, a multiplicação de cabeças, de braços e pernas, multiplica também não só as histórias, como a História, pelo que é ridículo tentar manter o discurso ao nível épico da República moderna, em que já ninguém se reconhece. O Tempo é de S. Francisco, os milagres geram-se todos os dias, sem testemunhas. Cada pessoa, tantas pessoas, tantas almas. Tudo isto para que quando tivermos de enfrentar a inevitável Morte (que se não talha ao nosso gosto) possamos dizer algo de diferente de «eu costumava ser o próximo Presidente de mim próprio».
3.4.09
G 20 e a Avestruz
O provincianismo português está a vir ao de cima no meio da governamentalização em curso. Enquanto a longa marcha dos G20 lá teve mais um passo em Londres, não consta que Durão Barroso tivesse uma única palavra sobre Portugal até porque no seu blog nem consta a nossa língua. Que bom é ter dois chapéus para esconder a falta de verticalidade da cabeça! Nem consta que Francisco Louçã estivesse entre os anarquistas da antiglobalização que partem montras; estará já a preparar-se para a aliança com as cisões do PS à esquerda, ou para ser ministro de coligação após 5 de Outubro de 2009? Entetanto, vemos os jornais preocupados com Lopes da Mota que, antes do Eurojust, foi secretário de Estado da justiça de Guterres e exerceu funções em Felgueiras; preocupados com um Licínio Batista, nome improvável de imperador romano e de uma confissão cristã mas cuja profissão é apitar jogos. Mas não se preocupam que na Assembleia, a ministra da Educação pretendesse passar a palavra a um ajudante, tratando os deputados como adjuntos da governamentalização em curso; preferem ficar ao portão da Procuradoria-Geral da República, para que a Drª Cândida Almeida diga coisas, entre corvos e papagaios. O provincianismo português está nisto: olha com admiração para a cimeira do G -20 e, qual avestruz impotente enterra a cabeça na areia, pensando que está escondido porque nada vê. Estamos nisto; uma sociedade global com economia e geofinança globais, mas sem uma república global de regulação da economia e das finanças. Mas Portugal, perdido entre lícinios, lourdes, cândidas e lopes nem sequer está interessado em bater-se pelo seu lugar.
Subscribe to:
Posts (Atom)