7.4.09

XIII (Re)leituras: The Assault on Reason, de Al Gore, por André Bandeira

Diz uma leitura do teorema de Goedel, esse grande matemático de origem vienense, que, de dois prémios ou nada, há sempre uma fórmula de tirar o melhor prémio, muitas vezes desprezando o prémio menos bom. Para este adágio dos liberais de que «A sorte protege os audazes», o livro de Al Gore, escrito para combater esse mandato de pesadelo que foi o de Bush/Cheney, parece uma grande ode ao «livra-te do medo», quando nós vivemos em medos contínuos, de perder o emprego, de perder o pouco de alento ou felicidade que ainda temos, ou de perder a própria Vida. Mas vemos que as palavras são belas em Al Gore, como se o facto de que ele «costumava ser o próximo Presidente dos Estados Unidos» não é algo que nos deixe a pensar. É muito lindo falar contra o medo, contra os medos que nos foram deliberadamente induzidos pela Administração Bush, por meios de milhões de Dólares em propaganda televisiva. É muito lindo reconhecer o analfabetismo a que chegaram os milhões de telespectadores do Mundo Ocidental, citando até o afro-americano Douglass que descobriu que as grilhetas da escravatura, no Séc. XIX, eram verdadeiramente as da incultura. Tudo isto é muito bonito de ouvir. Como se Al Gore não recortasse e colasse slogans de outras Administrações que também parecerão ultrapassadas quando a Administração de Obama chegar ao fim do seu ciclo. E digo «quando» porque nem os mais espertos marxistas se atrevem a dizer que Marx, agora, vai ter razão. Talvez tenha mais razão Lénine que disse, depois de o seu irmão ter sido executado ( e depois de ter pedido para que só o culpassem a ele e poupassem a vida aos cúmplices) que «nunca mais actuaremos assim». Na realidade, se o irmão de Lénine tivesse sido poupado, talvez lhe tivesse acontecido como Dostoiewsky e esse outro pesadelo chamado URSS não tivesse nunca acontecido. É muito fácil ladrar contra o medo, erguer o cálice à Liberdade e aconchegar-se numa Loggia como se a História fosse uma Ópera. Mas os medo e as limitações vêem-se todos os dias, ao cair da Noite. Por isso, este repositório de Al Gore, pelo Partido Democrático, contra Bush, não passa de um panfleto como foi o seu livro sobre a Ecologia. E ainda uma outra conclusão que serve para criticarmos a América, não apenas pelo grau de analfabetismo a que a sociedade de consumo do modelo americano a reduziu: talvez na Bíblia se dessem centenas de anos de idade aos patriarcas porque não havia demografia suficiente na época, onde pudessem caber tantas experiências de sabedoria. No mundo moderno, a multiplicação de cabeças, de braços e pernas, multiplica também não só as histórias, como a História, pelo que é ridículo tentar manter o discurso ao nível épico da República moderna, em que já ninguém se reconhece. O Tempo é de S. Francisco, os milagres geram-se todos os dias, sem testemunhas. Cada pessoa, tantas pessoas, tantas almas. Tudo isto para que quando tivermos de enfrentar a inevitável Morte (que se não talha ao nosso gosto) possamos dizer algo de diferente de «eu costumava ser o próximo Presidente de mim próprio».

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