12.5.09

XVIII - (Re)leituras) - Santo António de Lisboa, o Santo de Pádua, de Franchetti Ferrante, por André Bandeira

Este livro dos anos sessenta sobre Santo António, tem mais valor de análise histórica, que de investigação sobre as origens do Santo (o qual foi o único amigo que tive, durante muitos anos, em Lisboa e a quem rezo todos os dias). O título arruma a questão sobre de que cidade é o Santo. Demonstra também uma certa admiração pelos portugueses, pois associa a tenacidade do Santo a quem S. Francisco conferiu o direito de estudar, sendo ambos duma Ordem que, na sua origem, desprezava as vaidades do saber em favor da prática da solidariedade e do testemunho cristão. O autor chama-lhe «íbero» e, por ser assim, Santo António era tão duro nos seus jejuns e exercícios espirituais, tendo sobrevivido a S. Francisco, apenas porque só entrara para frade aos 25 anos e, até aí, desenvolvera-se fisicamente como cavaleiro, provavelmente, como militar. Santo António é duro, sim, duríssimo. É duro quando ataca a corrupção do clero, é duro quando ataca os heréticos albigenses (que ficaram sempre com uma aura de serem mais cristãos que os católicos mas que o respeitavam porque sabiam que António era ainda mais forte que eles), é duro quando ataca os maus costumes da gente do Norte de Itália e do Sul de França, é duro quando ataca os reis e os Imperadores. E é duro quando não toma partido, nem por uns nem por outros, remetendo-se a um silêncio que chicotea na cara, quando se abstém de escolher entre aqueles que dizem que o Poder de Deus passa primeiro pelo Imperador, os outros que acham que ele passa primeiro primeiro pelo Papa. Santo António podia não ter levantado os peixinhos, ordenados dos mais pequenitos para os maiores, como conta a lenda, mas tenho a certeza que qualquer humano que o ouvisse, se levantaria electrizado. Porque o que dizia Santo António, vinha de uma determinação que começava no silêncio e nos actos, como quem, a partir do momento que repete o acto do nascimento de cada vez que acorda, o cavalo do tempo já lhe vai à frente e ele larga a correr atrás dele. O tempo de António foi de crise, de falsidade, de partidos que nenhum tinha mais razão do que o outro, de duelos, de vinganças, de desilusões, de tragédias, de loucuras e, depois, de assassínios, de violências, de guerras entre cristãos e muçulmanos, de perseguições de judeus e de ambições. Santo António deixou de limpar pratos na ordem franciscana, uma vez por acaso, quando lhe disseram para ser ele a dissertar esse dia sobre a Escritura. Tomou a tarefa, como quando se atirou voluntário para ir pregar para o Norte de África onde, certamente, não duraria vivo muito tempo e onde o aguardaria uma morte lenta, como aconteceu aos seus predecessores. E tomou a palavra, o saber, a sua busca de argumentar com a ciência do seu tempo, como um cajado para combater a ilusão que nos envenena. Sentiu-se mal, uma vez depois de comer o pouco que comiam os franciscanos da altura e caíu, com os irmãos em torno. Entrou a correr no outro lado sobre o qual sabemos pouco. E acredito que o milagre que lhe aconteceu, quando, uma vez encontrou um senhor que lhe deu aposentos para poder estudar, aquele do Menino Jesus lhe ter pousado sobre os livros e brincado com ele, talvez fosse produto da Imaginação, dele e de quem o viu. Sim, a Imaginação que nos resta dum Mundo melhor que não abandona os nossos corações mesmo quando a Realidade, até ao Fim, é terrível. Hoje, Santo António, lembra-te de todos nós, da Humanidade.

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