17.8.09

ROBERT MUSIL - UM HOMEM SEM QUALIDADES Parte 1


Primeira publicação in Portugueses, nº 8, 1989

ROBERT MUSIL - UM HOMEM SEM QUALIDADES
"Tenho para mim, que é mais importante escrever um bom livro do que governar um império. Aliás, é mais difícil."

Musil não será o mais conhecido romancista alemão do nosso século mas talvez seja o mais importante pelo que nos revela acerca dos destinos do indivíduo e da sociedade.
O sucesso literário de Robert Musil começou cedo, em 1906, com o seu romance "Os Tor mentos do Jovem Toerless" e sucessi vos artigos e obras de que se desta cam "Os Exaltados", "Três Mulheres", e "Vincenzo". Mas, para surpresa de todos, Musil decidiu abandonar o caminho convencional da literatura e empenhar-se num romance profético que compôs desde 1930 até à sua morte: "O Homem sem Qualidades".

Robert Musil nasceu em 6/11/1880 em Klagenfurt, de pais de origem checa e austríaca. Passou pela Academia Militar, cursou Engenharia Mecânica e Filosofia, sendo-lhe oferecida a cáte dra de Psicologia em Munique e Ber lim. Fundou ainda uma fábrica de tintas onde aplicou patentes suas. Entretanto, escrevia.

Engenheiro, doutor em Filosofia, capitão do exército austro-húngaro na 1.ª Grande Guerra, condecorado com o grau de Cavaleiro por feitos em combate, Conselheiro Federal em Viena entre 1920 e 1922, o nobre Robert von Musil a tudo renunciou, como se fosse louco, para ser apenas o Escritor, paupérrimo no final da sua vida, apenas ajudado por sua mulher Martha, e morrendo solitário em Ge nebra em 13 de Abril de 1942. Oito pessoas acompanharam o funeral daquele que fora o Mozart da Lite ratura.

Quem era Musil? Um asceta da arte? Um masoquista moral? Um aven tureiro do espírito? Um equivocado na profissão? O que o terá conduzido a tanto desprezar as comodidades da vida, o prestígio social, e o sucesso artístico até atingir a solidão da poe sia? Porque acreditou que fosse esse o seu destino?

Seria por desprezar a vida e o corpo? De modo algum, pois que até à sua morte por apoplexia, Musil sem pre praticou uma hora de ginástica por dia; sentia-se um descobridor. Seria por espírito de utopia e de revolta contra a sociedade? Pelo contrário, porque sempre teve uma profunda compreensão da história da sua pátria e do mundo. O certo é que a par do descobridor e do pensador havia um irmão melancólico de Dostoievsky que só agia movido pelo sofrimento e espi caçado pelo dever.

O destino pessoal face ao des tino do mundo - eis a questão de Musil. O século XX trouxera à super fície das pátrias germânicas, o senti mento trágico que constituiu, do princípio ao fim, o cerne da existência do escritor. Só a grande sombra histórica da Guerra e da Violência permite que se vislumbre a fraca luz do indivíduo. Em 1933 deixa Berlim; em 1938 aban­dona Viena; e nos últimos 3 anos leva para terras suíças o último bem que possuía e que a guerra estava a des truir - a sua mensagem. Qual seria a realidade mais forte: a obra ou a guerra? Quem estava louco: ele ou Hitler? Qual o sonho que iria termi nar: o seu ou o do século? Restava a Musil escrever cada vez melhor e com mais vigor, pois não era com um par de frases que o espírito germânico se poderia reencontrar a si próprio, de pois de atravessar tão profundos cata clismos sociais. Por isso escreveu "O HOMEM SEM QUALIDADES", o seu legado espiritual à posteridade.

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