18.1.11

LXI (Re)Leituras -- Os danados da Terra, de Frantz Fanon, por André Bandeira

Vai fazer cinquenta anos que este livro foi publicado. Redigido por um psiquiatra argelino, na fase final da Guerra da Argélia, é um manifesto político anti-colonialista, no decurso de uma Guerra que custou três milhões de mortos à Argélia, dezenas de milhares à França e vários milhares à Tunísia e a Marrocos. Quatro quintos do livro são os mais conhecidos: navegam nas águas turvas confluindo da incredulidade soviética quanto aos seus peões no Terceiro Mundo com a cobiça chinesa de os fazer seus. É um grande pastiche hegeliano, romântico, onde um europeu da periferia (naquela altura, mais longe que a periferia de Paris)flutua nas massas, as quais apontavam o caminho, como uma moça bem feita, desde que Ortega y Gasset as viu em esplendor solar nas praias da Andaluzia, em 1920. Mas o último quinto do livro é de um Médico que descreve casos clínicos de Guerra. Mensagem: evitar a Guerra a todo, todo o custo. Muito do que sofremos é infinitamente mais valioso que uma Guerra. Mas Frantz Fanon pode também ser lido como um autor que, há cinquenta anos, já sabia tudo o que de falso e postiço existiria no período post-colonial em África e descreve as situações sob o colonialismo de um modo exactamente igual a algumas reportagens que ouvimos hoje sobre o Norte de África. Mais: Frantz Fanon é considerado um dos iniciadores do Terceiro-mundismo. Se se substituir algumas palavras no seu sonho de uma terceira via, quase tudo podia ser dito por um islamista radical. E, contudo, ele é ateu. Para além do valor da prosa e das verdades que vai dizendo no meio de uma enxurrada romântica, bem europeia (faz lembrar Heinrich Heine, na Alemanha pós-napoleónica), Frantz Fanon fala das sombras interiores das pessoas, que a resistência anti-colonial não soube apagar e faz-nos lembrar -- com alguma alegria para o diagnóstico -- que essas sombras são muito mais vastas e antigas. Mais antigas e embrenhadas que as fronteiras ou o nosso domínio da História. Aceito, com ele, que a «Europa» massacrou milhões «por uma experiência espiritual». Exijo que se chegue a um resultado depois de se andar a experimentar, morrendo desolado. E a observância das Religiões não nos serve de desculpa. No Norte de África, como em outros sítios, as pessoas precisam de comer.

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