2.5.06

Francisco Adam ou o Morrer Jovem, por André Bandeira


A morte é um lugar elegante, onde todos falam em voz baixa. Um dia, um amigo a quem a vida agarrou pelo pescoço, disse-me que deviam ter dado um prémio ao Publicitário que criou num cartaz, aí pela altura em que a Lady Diana morreu, com uma fotografia de uma menina portuguesa, legendando-a assim: morrem várias princesas por mês, na estrada para o Algarve. Só o meu amigo João sabia isso, ele a quem o Amor não sorriu e que amava as suas duas filhas como um pai estremoso, talvez por não ter tido pai, nem ter tido um irmão, talvez porque se punha em pé, como as marmotas no deserto, contra o vento mau do Universo.

Adam não era um grande actor. Não era um grande general como Alexandre da Macedónia. Eu sei que os céus não choraram por ele, porque os céus choram em Abril e em Março, e até em Agosto.

Vi uma foto de José Eduardo Moniz a consolar o pai de Adam. E vi que, sinceramente, aquele homem de êxito, não sabia o que dizer. Os céus também não sabem o que dizer e, por isso, choram de vez em quando, quando rimos e riem-se quando choramos.

Morrem jovens, aqueles que os deuses amam, diz-se. Estes deuses são como belos corsários que nos atacam de noite e nos levam o pouco que temos, as flores breves que nos crescem entre os calhaus cortantes do chão, onde labutamos de pés nus, até cair.

Simplesmente a Morte. Como uma saída para qualquer passo de dança.

Abraão tinha feito um pacto com Deus. E levou o seu filho para o monte. Levou também uma faca. E Deus disse: não o mates. Assim como te ordenei que o fizesses, agora ordeno que o poupes. E Abraão voltou a chorar de alegria, às escondidas, atrás do filho, no caminho de volta. Apesar disso, os filhos de Isaac continuam a ir constantemente ao monte, com uma faca escondida.

Portugal, estás triste, não estás? Até me pareceu ver o Carlos Lopes e o Fernando Mamede, a Rosa Mota ou o Joaquim Agostinho, ou até os cavaleiros de Aljubarrota, a correrem quando as portas do Casino se abriram. Mas era apenas uma alucinação da minha mente...

Adam era um moço belo. Como é bela a juventude e uma noite de estrêlas, cálida, num Algarve longe da gente, ao largo da estrada tranquila onde as cigarras sustentam o Universo, em rêde. Belo como as juras de Amor feitas bem longe dos dancings e dos Casinos, nascidos de um código de gestos e de olhares, como aqueles das princesas mouras e dos cruzados desgrenhados, para fora daquilo tudo, dos mercados de Silves de há mil anos ou das luzes psicadélicas. Como tantas juras de amor escritas na água com espadas de coral, que voltam intactas com a maré.

E se a dor inconsolável nos unisse? Se a minha Alma resistisse à Dor, como um espírito?

Estás triste, não estás, Portugal? Adam morreu como morreu o sorriso dos casapianos e de todos os outros jovens que nem um Julgamento alguma vez terão...como se a única coisa que tivéssemos, fosse o rosto de Adam pousando para a fotografia num tempo que ficará para sempre onde parou, sem que tivéssemos que crescer e tornarmo-nos em alguém, nas praias de Portugal, a quem um polinésio, chegado numa piroga, perguntaria se não estávamos ali por engano.

No fundo choramos todos, porque o nosso corpo está bem regado, de prazeres e preguiças, transbordamo-nos em libações por um jovem deus que morreu a tempo – qual levado por uma águia divina – de se não tornar feio e miserável como quem vendeu a inocência.

E agradeço ao homem jovem que era Adam, talvez por ter até arriscado um pouco, para deixar o que era, onde ficou, limpo e claro. Que maravilhosa que era a sensação de se deixar a quem se amava, com uma promessa, pois o espírito do Amor é um espírito, para longe da multidão, como um brisa começa a correr pela madrugada, da côr da Esperança que não é apenas a última a morrer, porque é imortal...

1 comment:

Anonymous said...

e o que dizer agora revelados os resultados da autopsia e de uma revelação bombástica numa novela da TVI que em horário nobre associou a cocaína ao emagrecimento. Isto começa a preocupar-me...