22.4.08

V - (Re)leituras: "Das Spektrum Europas" de Keyserling, por André Bandeira

Hermann Von Keyserling escreveu em 1928 este perfil dos Povos da Europa, mas em 1931 acrescentou-lhe um capítulo sobre Portugal. Keyserling era tido como um ensaísta, um generalista que dizia muitas coisas gerais que pareciam verdade, todas pouco comprováveis ( e, talvez ouvindo falar de Colombo, dizia que Marco Pólo era português). Keyserling era considerado um Spengler mas sem pessimismo. Quando morreu, no Tirol, em 1946, este aristocrata báltico de cultura sueca, tinha visto a Europa toda,,de frente e de verso, e acreditava que ao mundo acontecia uma tragédia, de "quatro em quatro semanas", como as térmitas, mas que o futuro seria "ecuménico". Na aparência, que foi o seu Meio, teve razão. Sobre a sua comunidade, digamos que era daqueles da época de trinta a dizer que se tinha de combinar Sócrates com o Tao,ou Platão com Vivekaananda.
Sobre Portugal: começa por dizer que nunca viu tantos superlativos de cortesia como entre os Portugueses ( sic. Unamuno) tais como Excelência, "Vossa Senhoria", etc. Que ninguém falava tantas Línguas tão bem como os Portugueses. Que não havia nenhuma diferença entre Espanha e Portugal, excepto a negação total de Portugal feita a Castela,negação de resto partilhada pelos Galegos ( repete o episódio também ouvido das Invasões francesas, em que o Super-Poder do Duque de Alba entrando em Portugal, em 1580, numa ponte da fronteira, deparou como um indivíduo que de chapéu na mão lhe barrava o caminho e se aproximou dele dizendo " esteja tranquilo que eu não lhe faço mal"). Onde o castelhano era orgulhoso e brutal, o português era humilde e mesquinho. Também nunca vira tantos diminutivos, como numa canção em que a Morte era tratada por "a mortinha". A equação portuguesa era insolúvel, Portugal "uma varanda sobre o infinito". Nunca vira uma tão grande combinação de tipos raciais, onde todas as combinações e reaparições eram possíveis. O português era o mais explosivo dos caracteres europeus. Assim, Portugal só superou as suas contradições no Império, quando chegou ao máximo da combinação de um máximo de caracteres díspares. Só dois Povos, segundo Keyserling, se assemelhavam aos portugeses na Europa: os alemães, porque a sua "Sehnsucht" era a única coisa europeia comparável à Saudade, esse mecanismo para assentar em algo harmonioso, quando a desarmonia do Presente se reconhecia insuperável. E, acima de tudo, os Gregos: Portugal era grego ( Grécia qual, aliás, para Keyserling era o Sul da Rússia, acrescentando muito curiosamente que as discussões com Sócrates eram tão insuportáveis como aquelas que mantivera com estudantes de Moscovo -- só então me dei conta com a semelhança do busto de Sócrates com um velho russo). Portugal, como os Gregos, cultivava um passado eterno e glorioso, só para acabarem no total caos da realidade. Com uma diferença: os gregos acabavam no caos dos paradoxos intelectuais. Os portugueses, acabavam no caos dos paradoxos emocionais, o qual disfarçavam com um total virar das costas ao estudo do coração e um apêgo teimoso, mesquinho, ao Objectivo.
Keyserling tem muita razão e dá-nos porventura uma chave para o tempo horrível que Portugal atravessa: caos emocional.

4 comments:

Anonymous said...

Embora o tempo horrível possa anunciar outro ainda pior, ou talvez, se todos os pensadores do "positivo" derem à manivela, um tempo menos gravoso, mas ainda assim medíocre, Keyserling roçou a caricatura. Não acertou na mouche. Portugal não é grego - mas a qual grego se referirira: o ático ou do assaz degenerado do seu tempo, misturado pós-passagem turca e com dinastia alemã de permeio? Portugal não é ortodoxo,quase não tem filosofia, não vive a hora, suspende-se numa espera do Mahdi, do Messias, de Dom Sebastião, da Europa, da modernidade, do sétimo império porque o quinto já não chega e azeda...chame-se o que se quiser, encontra sempre um ícone maior de adiamento. Isso, porém, não obsta a que possa ser veladamente politeísta (atrás da cruz, o diabo. Candeia acesa a uma e a outro, et pour cause). Além disso, Portugal não tem Dionisos, tem a sua versao em calão romano, Baco, e não tem Apolo, e o que tem vem emprestado da Itália (Arquitectura de Lisboa, solares do Minho). De Vénus foge, porque persegue Messalina. A Minerva desenvolveu imuno-resistência.

O sensucht, de que falou Carolina de Michaelis, equivalendo-o à saudade, harmoniza-nos em sentimento e emoção com os godos, visgodos, alanos, suevos, etc, que em mistura qb se entrincheiram no nosso genoma, mestiçado ainda de fenício, etrusco e semita, de negro, canário, etc . que cedo fez de nós os mestiços da Europa, e de Portugal o "captador magnético" (cf. Pessoa) de todas as sensações da Europa. (Nada mau, ao menos sensorialidade do Sul e de mestiço face ao Norte racional e todo mental do tique pseudo branco). Keyserling tinha uns tiques de ariano condescendente. Sócrates era-lhe insuportável, pois claro, porque debatia e não falava de cátedra, como Hegel, ou do meio da ponte do livro, sempre a horas, cronometricamente, no mais estilistico alemão de sempre, como Kant. Se calhar, Sócrates caía de bêbedo (O Banquete é púdico) e com o vinho grego retzina aforismos ordenados que permitam aflorar uma mathésis pelo menos da hora não saem, antes erínias, e língua pouco ática, nada "areté". Mas quem disse que não havia filosofia e apurada, capaz dos devires da impermanência, também nas cavalariças ou atrás das tabernas escusas?
Portugal em vez de varanda sobre o infinito (parece programa de rádio do Zé Augusto dos anos salazares: Varanda da Europa) era varanda dupla sobre o Atlântico das fugas em direcção ao bacalhau (comida primeiro, Império depois), sobre o fim do Mediterrãneo, ou seja sobre o mais sistemático contrabandismo que é o que caracteriza esse mar de trocas e passagens, combinatório de piratas e filósofos, do Crescente e da Cruz, do terceiro ladrão e do 13 apóstolo. Curioso nunca se ter falado do sul do sul, da sua postura azeitonada de Portas do Contrabando Maior. De mercadoria sobretudo, mas, depois, de ideias.Saberia ele como somos bons em contrabandismo de ideias, em contrafacções intelectuais, em adaptações, glosas, plágios e pleonasmos? Um psitacismo notável, embora seja sempre menor, apesar de eclético e de aparência zoon e bios, cheia de um kairos bordado e cosmopolítico?

Caos emocional, os nossos dias? Sim, de facto. Mas mais do que isso, porque com isso lidamos desde o tempo de Camoens (e antes): caos ontológico total, incapacidade de ser, e de ser justamente infame, assumido contrabandista, mentiroso de génio, enfim, justamente Ulisses e grego.. Era isso que deveríamos tentar ser, no sentido lato e translato antes de...


Entretanto não há como pretende Keyserling, uma vez formuladas equações insolúveis. Podem ser é de 3º. 4º. 5º e n grau. Mas todas se resolvem.

O português diz ele é "o mais explosivo dos caracteres"... Deve ter tido sorte em encontrar um tal carácter, porque o português, já que estamos em matéria de pólvora ontológica, se é alguma coisa, é sobretudo "implosivo" ou ainda late retard bombástico. Mas é bombástico no sentido pirotécnico, não como o alemão que é um bombástico prático, brutal e mineiro. O português bomba para se ver, o alemão para ver o que faz a bomba. Eine wunderbar differenz.

Cumps, e faça Vexa. o favor de continuar com os seus posts sobre clássicos.

Cristovam de Saa
celta, anti pessoano

PS correndo o risco de parecer petulante faço notar que Portugal não tem um Destino a Cumprir, como queria Pessoa, o que seria de facto fatal, literalmente e em todos o sentidos, e pouco libertador mas tem isto, e imensamente diferente: um Destino em Devir, que será inexorável na medida da alma que o dirige, num deslize de identidade, e não num monadismo fixo. E aí a "dobra" pessoística é interessante, e a sua não identidade propugnada poderoso estímulo para o teatro de personagens possíveis depois do caos emocional- a catharsis final antes da descoberta dos devires da identidade - pasado o arquétipo. E falo deste modo porque estou a falar com iniciados. Para os outros, soprem-se pelo mundo, primeiro, partam pelas vias que dissolvem a anóia. We may talk after. Many corners has the world and God in his works.

mch said...

Cristovam,

Obrigado pelo seu comentário. Não sei muito o que dizer pois o li como algo que me ensinou mais do que o que eu tinha lido. Estou um bocado de acordo consigo. Primeiro é preciso explicar que este "tempo horrível" a que me refiro dura há centenas de anos, de tal modo que uma pessoa se pergunta se não dura desde sempre, o que poria em causa a consistência do assunto que tratamos, devolvendo-nos a dor que vai e vem, e tirando o alívio da nossa conversa. Estou muito de acordo com essa do "caos ontológico", acho que percebeu porque é que escolhi este livro, e desenvolveu o conceito muito bem. Sobre o Pessoa, alguém que ainda leio e me faz perlar lágrimas nos olhos, acho que tinha um enorme ideal em relação a Portugal e quando decidiu vir da África do Sul ( é curioso que tive um colega na Universidade, que talvez foi dos melhores Homens que conheci e que fez o mesmo percurso, provando-me a recorrência do fenómeno), uma vez chegado, já não podia voltar para trás. Contudo, acho que, apesar da sua luta ter sido gigantesca e, finalmente, fracassar, foi sempre um Homem com um grande coração e Alma, até ao fim, algo testemunhado na sua Amizade por Ofélia e na sua paciência com Sá-Carneiro. O mesmo se diga das posições que tomou e que, provavelmente, explicam, num mundo de maus carácteres, o mero segundo prémio da "Mensagem". É isto que acho em Portugal, e Keyserling não deixou de notar, tendo-nos dedicado um capítulo quando muitos outros países ficaram amalgamados: a explosão de alguns, mesmo que lenta, quixotesca (sem Sancho Pança, que sempre trazia Quixote à realidade)não pode deixar de ser. Esqueci-me de dizer que Keyserling diz haver um único Povo que achou semelhante aos Portugueses, fora da Europa: os japoneses que definiu, "também" como "complexos e explosivos".
Já não penso que fosse um "ariano condescendente". Ele tinha mais de sueco ( a quem censurava, aliás, a mania de quererem ser felizes)e, no fim, acho que se tinha verdadeiramente universalizado, ou europeizado com uma grande inclinação para o Sul, a qual não pôde desenvolver, porque morreu.O báltico acabou com os olhos postos no Mediterrâneo, sim senhor.
Houve em Keyserling, do que li dele, algo, muito curioso, que tem um valor em "Ciência" política tantas vezes obscurecido pelo medo de falar. Eu sei que soa a uma dessas sínteses publicitárias e, estou certo que se Keyserling tivesse vivido no tempo da TV, teria um "show" às nove. Ele diz que "sem a Revolução bolchevique" não teria havido o nacional-socialismo, o fascismo e o kemalismo. O terceiro elemento acho muito curioso ele tê-lo enumerado porque o -- a meu ver -- injustamente tido como "exótico" ou periférico, faz-nos esquecer aquilo que Keyserling quer precisamente dizer: que no séc. XX, o maior acontecimento de todos foi de certeza a Revolução bolchevique até pelo record de mortos que provocou. Tudo o resto são consequências dela, inclusivamente aquilo que consideramos ser apenas uma modernização autoritária, fora da Europa, com um cilindro grená na cabeça. Isto faz-nos lembrar as semelhanças entre todas essas "personalidades fortes", algo que -- percebi -- Keyserling rejeitava, inclusive em Sócrates, pois não é um Banquete levado até às últimas consequências, que consegue superar a diferença entre "chatear-se" como o Diabo no Inferno e despertar jovial como um Jove. E esta grande massa romano-bizantina além dos Urais, às vezes parece-me ser a anti-matéria da Europa, que os europeus escondem, como uma "paixão ancilar" (ou não fosse a Governanta de Salazar quem o governava). Sim, os Gregos de Keyserling são aqueles viciados a que se refere mas onde a gente "retornada" da Jónia, teimava em trabalhar e empreender.

André

Anonymous said...
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Anonymous said...

o