David Servan-Schreiber surpreende-nos todos os Natais com um bom livro. E dá-nos uma nova concepção ao «best-seller». O livro vende-se bem? Então não é só num romance, destinado a absorver e alhear o leitor da barbárie informativa do dia-a-dia, mas tem de ir para a estante do leitor como uma lista de bons conselhos que se podem consultar caso a caso, ou consultar em geral. Por exemplo, quando ele nos dá, com uma técnica de imagem que já não é livresca, o «prato anti-câncer». Bom… este livro não é (mas pode ser) para hipocondríacos.
Na parte que não pode deixar de ser livro, o autor revela-nos aquilo que só se sabia superficialmente dos livros anteriores. Servan-Schreiber, judeu francês e filho do fundador dum dos Semanários mais importantes da França, o l’Express, obviamente ganancioso pelos EUA (onde é Professor), como todas as elites bonapartistas, depois de ser um jovem e arrogante neurologista, descobre durante uma brincadeira com os colegas, que tem um tumor maligno no cérebro. Quinze anos depois, venceu o tumor, mesmo depois de uma recaída e é sobre as técnicas de sobrevivência bem como de prolongamento da vida, e da busca incontornável do seu sentido, que ele exerceu o seu dever de nos informar. Ele dá muitos exemplos reais e tocantes que nos deixam calados. Pode dizer-se que a dieta mediterrânica é um bom preventivo mas também que a Civilização ocidental, que vem perdendo o domínio no Séc. XXI, deve ser afastada de um regime saudável de vida. Em suma, o modelo protestante anglo-saxónico faz objectivamente mal à saúde ou – como eu interpreto – é uma tal armadilha que, realmente, quem sobrevive nele, é porque travou com sucesso uma batalha bárbara que faria corar qualquer democrata liberal e sorrir de cúmplice a um antropófago. Concedo que Servan-Schreiber, como muitos judeus europeus, quer fugir de um ghetto interior, e que se expôs deliberadamente a todo o orientalismo da romaria norte-americana, com ioga, tai-chi e ecologismo radical. Mas o que ele nos ensina tem de ser ouvido: para sobrevivermos todos os dias, já não bastam os optimismos naturalistas da Europa romântica. É preciso comer e mover-se como um habitante do ghetto de Varsóvia, antes de mais uma levada. Não é paranóia. É a realidade e, neste aspecto, o Povo judeu da diáspora mantém intacta a sua força profética. A Democracia faz mal à saúde mesmo com um Serviço Nacional de Saúde.
Mas que vivemos num tempo de trevas espirituais profundas, parece-me que só uma pessoa acometida por uma doença assim o pode testemunhar. E não adianta proclamar a «Liberdade», que só um doente de cancro, absolutamente inocente, pode dizer-nos o limite de mais essa arrogância. Reduzir o mundo a uma dialéctica Esquerda-Direita é como matar por amor a um Clube de futebol. Mas, também, ver o mundo como Servan-Schreiber o vê, é esquecer o que disse o seu conterrâneo Bichat: « a vida é o conjunto das funções que resistem à morte». Mesmo aquelas que nos dizem que estando qualquer um de nós, morto, a prazo, resta-nos o dever de combater a Morte. Cada um de nós é uma «função de Bichat» e talvez este Natal seja melhor gastar mais em jogging, como os pastores do presépio e menos em camelo, como os Reis magos.
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