Para sondar as profundezas da noite escura da alma de um João da
Cruz, ou da noite escura de Deus de Nietzsche, penetrar no mistério da Shoah em
Auschwitz , pode desenterrar-se um morto, como fez Tengiz Abuladze no
seu filme de 1984, Arrependimento , a forma de mostrar o horror causado
por Estaline e seus cúmplices .
Arrependimento (georgiano: მონანიება, Monanieba, russo: Покаяние) foi
filmado em 1984, mas proibido na União Soviética devido a ser uma crítica
semi-alegórica do estalinismo. Estreou-se em 1987 no Festival de Cannes,
ganhando o Prémio FIPRESCI, Grande Prémio do Júri e o Prémio do Júri Ecuménico.
No plano prosaico, é a história do
pós-estalinismo e mesmo da perestroika com as regiões russas a tentarem
libertar-se do pesadelo do passado. Mas Arrependimento é tudo menos prosaico; é
um poema filmado, cheio de surrealismo.
Tudo no filme vale a pena. Todos os
personagens transportam-nos a um tempo e espaço próprios do que todos nós, fora
da Geórgia, achamos que terá sido a Geórgia dos anos 50, a mesma terra onde
nasceu Josef Vissarionovich Djugashvli dito "Staline", o homem de
aço.Varlam, o vilão é uma mistura de Estaline e Hitler e Mussolini de aldeia,
com as capacidades de um herói de ópera bufa. A música não podia ser melhor
escolhida, do bufo ao heróico, do hino à alegria de Beethoven ao cântico
final místico em que as vozes parecem responder à velha senhora
que pergunta "Para que serve uma rua, se não conduz a uma Igreja?".
Feito antes da queda do Muro, Arrependimento mostra como o Muro teria de cair.
Cheio de pormenores surrealistas, o
filme tem várias culminâncias, como a cena em que Abel aterrorizado se vai
confessar a uma figura invisível., afinal o seu pai Varlam, o tirano da
vila, que dele se ri. "Vieste confessar-te ao diabo!" E assim
, entre medos e arrependimentos, somos levados às profundezas da
noite escura de que poucos hoje falam mas que está sempre aí, na consciência.
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