5.12.06

Ezra Pound

ezraSaudando o Diogo Chiuso, abro hoje aqui uma nova frente bloguítica: as minhas leituras literárias. Creio, primeiro, que a melhor homenagem a escritores é lembrarmo-nos de cor, de coração, dos seus trechos e poemas, sem notas de rodapé nem consultas. Se fosse ao vivo, pediria para declamar; na net não tem senão como ser breve na evocação e pedir ao google que nos mostre as obras completas.
Começarei por falar de Ezra Pound por nenhum outro motivo que não seja ter sido o primeiro nome que me veio à mente. Não o li muito, não li cedo, não li sequer no original. Mas li há uns trinta anos o suficiente dos Cantos, para perceber que esse Ezra era um trovador de génio. Li o suficiente da biografia de ele para perceber que tinha muito de louco, o que até condiz com os elogios a Mussolini que iniciou em pleno 1940 e ser passeado em gaiola de ferro, quando preso em 1945 e depois internado durante doze anos. Ezra Pound não cabe em nenhuma posição política dos manuais de relações de ciência política e de relações internacionais, ele que até escreveu muito antes de Bloom sobre a decadência do espírito americano. Mas tem o seu lugar nos cumes nebulosos da metafísica e da poesia e da pintura e do cinema que são habitados por individuos como Borges, Pessoa, Santayana, Chirico Kubrick, e outros, e de que têm medo os zoilos que hoje recebem prémios Nobel e Óscares.
Afinal de que me recordo em Ezra Pound? De uma atitude como a Odisseia. O mais importante está para trás; mas agora é preciso partir para muito longe, uns dizem que para regressar a casa, outros que é para morrer no caminho. Na verdade, não se sabe o destino mas tudo e todos são símbolos que têm de ser lidos e cantados porque senão a viagem não tem sentido nenhum e seremos ainda mais infelizes. Donde os Cantos, a oração dos ateus. Lembro-me do seu Canto sobre Sordello; só há um Sordello que não é o hamletiano fabricado por Browning mas sim o inebriado de vida. Lembro-me do navio afundado de quilha partida e engrinaldado de algas e que lá ficou no fundo do mar como símbolo das nossas esperanças que eram tão bonitas e tão frágeis, afinal. E lembro-me de uma enorme cultura cheia de símbolos que abraça todo o mundo, desde os ritmos chineses de Koung Fou Tseu aos anagramas de Lao Tsé, passando por egípcios, gregos, muitos gregos e romanos da bela Itália e medievais e renascentistas; precisa de dizer que a única luta séria da alma é pelo tempo e pela história, deixando a luta pelo espaço para o corpo.
Pelo caminho, no meio da viagem , Ezra Pound perdeu-se com certeza; mas deixou marcos tão subidos e tão profundamente sofridos do seu itinerário pelos ninhos de cucos do século XX que o irei reler agora, saudando o companheiro e negando a infelicidade.

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