30.7.05

Gilberto Freyre - O processo brasileiro e 1889


"Considere-se - voltando a um nítido problema de sociologia da política - o caso da substituição do sistema monárquico-parlamentar de govêrno pelo republicano-presidencial em nosso país. Foi essa substituição resultado de uma específica revolução republicana que, para a solução radical por ela representada, aparentemente contasse com a adesão da maioria dos brasileiros? Sou dos que pensam que não. Revolução assim específica e realmente, em vez de aparentemente, radical, não houve em 1889; nem o 15 de novembro foi sua culminância.
O que explodiu a 15 de novembro foi um episódio num processo brasileiramente revolucionário que vinha já de longe. Vinha de dias remotos. Continua. Continua entre nós como continua a desenvolver-se um processo revolucionário nos Estados Unidos, outro, na Argentina, outro, na França, onde agora mesmo a sistemática presidencialista de govêrno, favorável à intervenção direta do Executivo na vida nacional, alcança novos avanços sôbre a rotina parlamentarista, constituindo-se num nôvo tipo de organização política e social, através de uma série de substituições, algumas revolucionárias, de técnicas de govêrno.
Não significou, no caso brasileiro, o episódio de substituição da Monarquia pela República, em 89, repúdio absoluto do brasileiro ao regímen monárquico e sim a alguns dos seus característicos, entre os quais o abuso de centralização de poder, contra o qual vinham se acumulando, em numerosos brasileiros das diversas Províncias do Império, vítimas daquele abuso, ressentimentos seguidos por pendores descentralizadores ou, em têrmos políticos, federalistas. Era um abuso que poderia ter sido corrigido dentro do sistema monárquico de govêrno: a idéia, aliás, de Joaquim Nabuco: o Joaquim Nabuco naqueles dias mais revolucionário do que conservador, grande participante que fôra, de modo românticamente radical, da campanha abolicionista, também ela - essa campanha - antes expressão de um processo brasileiramente revolucionário, vindo de época pré-nacional do desenvolvimento social brasileiro, do que revolução específica no sentido convencionalmente patibular ou trágico de revolução. "
In FREYRE, Gilberto. Forças armadas e outras forças: novas considerações sobre as relações entre as Forças Armadas e as demais forças de segurança e de desenvolvimento nacionais na sociedade brasileira. Recife: Imprensa Oficial, 1965.36p

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