13.4.06

Vietnam, por André Bandeira

‘Quod bellare semper peccatum est”
S. Tomás de Aquino
“ A Guerra é um Sol negro que murcha as almas”
Jean-Marie Le Pen

A Primavera está aí e até soterrados a sentimos.Que tempo maravilhoso para viver e como a nossa memória é curta. Por isso, façamos como se fôssemos deuses: nem Passado, nem Futuro! Falemos da Guerra no Vietname e da sua estória que é um Passado que desaparece no Presente e reemerge no Futuro. Estão todos vivos, até os mortos, menos o Jimmy Hendrix.

Dizem que a Guerra é a Primavera da História...

Ora a Guerra entre os Vietnames do Norte e os do Sul, saídos dos Acordos de Genebra de 1954, já foi confessada ter sido provocada pelo ataque forjado dos Serviços secretos dos EUA, sob nome de código OPLAN34, infligido sobre o seu próprio navio Maddox, para pretextar os bombardeamentos sistemáticos acima do paralelo 17, sobre o território de Hanói e de Ho Chi Min, Giap, Le Duc Tho. ‘Rolling Thunder”! Assim, entre 1964 e 1972, Washington mandou deitar o dobro de toneladas das bombas largadas durante toda a Segunda Guerra mundial. Morreram mais de um milhão e meio de pessoas, foram feridas ou decepadas muitas mais e deixou não sei quantos milhares a lutarem com sombras e demónios pelo resto das suas vidas. Recordações também para o Napalm e o “Orange Agent” que desfolhou milhões de hectares de floresta equatorial, matou de cancro não sem quantos soldados dos EUA, fez gerações inteiras nascerem e cresceram em cidades debaixo da terra onde muitas vezes se morria asfixiado com gás mostarda. Lembremo-nos de Dien Bien Phu, uma década antes, onde Legionários Estrangeiros, com nomes Kurt e Fritz, sobreviventes de desminarem a Normandia, depois das salamandras lhes passearem sobre as feridas, se arrastavam para combater, já sem uma perna, ou sem um braço.

Mas a Guerra renova o mundo...

Lembremo-nos dos soldados vietnamitas que arrastavam toneladas de artilharia durante a noite, se deitavam debaixo das lagartas dos tanques quando estes adornavam na lama, que se organizavam em pelotões suicidas para atacarem o reduto francês de Tonquim. Recordações para a Ofensiva de Tet, começada em Janeiro de 68 com um ataque suicida dum guerrilheiro VietCong, na porta da Embaixada Americana em Saigão, e que levou logo 7 atrás de si. E ainda dos 20.000 mortos vietcongues desta vitória americana. E ainda de Khe Sahn, onde os marines venceram com perdas de batalhões inteiros numa só hora, ou apenas alguns minutos ( um batalhão tem cerca de 800 homens). E da batalha corpo a corpo nas ruas de Hue, a Guimarães dos Vietnamitas, outra vitória americana. E do monge budista que se suicidou como uma tôcha humana em 54, num episódio que a cunhada do presidente Diem, de Saigão, católico e personalista, chamou de “barbecue”. E depois do religioso norte-americano, Quaker, que fez o mesmo em frente ao Pentágono. Recordações para os 12 milhões de dólares em papel higiénico que apareceram a crédito nas contas da Guerra e nunca a débito. Do Presidente Lyndon Johnson que parece ter impedido pessoalmente o médico de John Fitzgerald Kennedy, assassinado em Dallas, de lhe fazer a autópsia. O mesmo Johnson que sonhava, como Democrata, em fazer dos EUA uma “Great Society”, com Justiça Social e as minorias integradas mas que teve de acabar por renunciar, um dia, ao sonhar com o seu antecessor Wodrow Wilson, entrevado por uma embolia cerebral, implorando à mulher para lhe administrar o Gabinete. E lembremo-nos do jovem Procurador-Geral Robert Kennedy, que se batera sem quartel, contra a Máfia, candidatando-se em 66 à nomeação do Partido Democrata, mas anunciando “que se iam passar coisas más”. E passaram: Luther King gritou que 13% de Negros não podiam ser 28% de baixas no Vietname, com apenas 2% dos Oficiais e morreu. Kennedy morreu pouco depois e Norma Jean foi ser bonita e triste para o Paraíso, assassinada. E, enquanto o Senador esquerdista McCarthy perdia a nomeação para Hubert Humphrey, apesar dos seus amigos Rubin, o Judeu pobre, e Dellinger, o académico remediado, que faziam as primeiras manifestações contra a Guerra ( juntando, uma vez, os primeiros “Veteranos contra a Guerra”, de medalhas obtidas por heroísmo em combate nos seus casacos rôtos, marchando na fila da frente), Richard Nixon porfiava a nomeação no Partido Republicano, com um plataforma de retirada, que deixava Saigão responsável pela sua própria Defesa. E foi o mesmo Nixon, segundo o seu fiel Chefe de Gabinete Robert Haldmann (o mesmo que foi enterrado vivo com o caso Watergate) quem se aproximara da China, para fazer frente à expansão soviética.Haldmann disse logo no processo que o “garganta funda”era Gordon Liddy ( para quem trabalhava este, afinal?).

Mas a Guerra é a parteira da Civilização...

E lembremo-nos do Ministro da Defesa de Kennedy, Mc Namara, o obsessionado pelos factos, a quem Johnson, que já fôra médico legal, diagnosticou um colapso nervoso, se teve de demitir, foi para o Banco Mundial e só voltou a piar em 81, e falar na primeira página do International Herald Tribune, 17 anos depois, vangloriando-se (!?) de que a Guerra fôra totalmente inútil. Ou do Almirante Westmoreland, que depois de repelir com êxito os vietcongues, se propôs descobrir o que o fazia perder na frente interna de Saigão, se era a prostituição, ou o narcotráfico, ou o crime organizado e a tirania, para receber logo o bilhete de regresso a casa.

Já na altura se criavam factos, se cozinhavam as notícias, se faziam ataques “preventivos” e “cirúrgicos” que só faziam o tumor saltar a correr da cama do hospital e disfarçar-se de cirurgião-chefe, na hora das visitas.

Mas a Guerra, mas a Guerra....ah! Calem-se...

Foram no Outono mas deviam ser na Primavera. As manifestações como aquela no Pentágono, com Timothy Leary e Joan Baez, mais a fotografia do seu marido que se recusou a combater por objecção de consciência e do Doutor Benjamim Spock que disse que não andava a ensinar as mães americanas a criarem bébés para que os filhos fossem morrer no Vietname. Quando as raparigas começaram a meter flores nos canos das espingaradas dos Guardas Nacionais e rebentou a maior violência civil da América depois da Guerra da Secessão, deixando quatro estudantes mortos, no chão do Ohio. Nixon disse que uma das raparigas mortas era “lixo”. O pai dela foi à Televisão e só disse, sem chorar e sem se aperceber que ela já não estava entre os vivos: ”A minha filha não é lixo”.

E quando vejo uns desgraçados a caminharem em cuecas num sítio do Mundo, expulsos duma prisão para o deserto ao qual, como dizia Tácito, chamaram Paz, lembro-me de Shylock, o Judeu que todos somos, pela voz de Shakespeare:

“Não tem um judeu olhos? Não tem um judeu mãos, orgãos, dimensões, sentidos, afectos, paixões? Não é alimentado pela mesma comida, ferido pelas mesmas armas, sujeito às mesmas doenças, curado pelo mesmo Inverno e pelo mesmo Verão que um Cristão? Se nos picais, não sangramos? Se nos envenenais, não morremos? E se nos fazeis mal, não nos havemos de vingar?...se um judeu faz mal a um cristão, onde está a Humildade? A Desforra…Porquê? A Desforra!

"A baixeza que nos ensinais, sou eu quem a executa!”

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