20.7.05

Jantar num terraço de Roma, com o terrorismo ao fundo; por André Bandeira


Jantei com uns amigos. Importantes ( pelo menos para mim mas também para si, leitor). O primeiro: Vincenzo Macri, Procurador-Adjunto Anti-Mafia ( sim, um dos substitutos do Juíz Falcone, que foi pelos ares) actual campeão da luta contra a N’Drangheta, a Mafia da Calábria, da Magna Grécia. Homem pequeno, calado, honrado até à perdição, conhecido em Itália por ter descrito na TV um diálogo Mafioso interceptado pela polícia: ( Sub-Boss: “Fui ao monte ver o nosso depósito de vários milhões de Euros. A chuva penetrou e parte da massa está pôdre.” Boss:” Quanto achas que é a parte estragada?”, Sub-boss: “ Aí dois milhões…que devo fazer?”, Boss: ‘Queima-os.”). Ao lado estava um colega belga, com a carreira destruída por se ter oposto até ao risco da vida contra o tráfico de vistos num país de Leste. Candidato ao Prémio Rafto dos Direitos Humanos, por muitos tido como preliminar ao Prémio Nobel da Paz. Descendente de corsários holandeses e socialista honrado, sem Partido, da tradição germânica, com um toque de humanismo francês, lembrando um pouco Henri de Mann. Defendeu a tese que, se o Médio-Oriente não tem solução, é porque os judeus mandam no Governo dos EUA. Ainda um sociólogo do CeMiss, o Think-tank mais prestigiado de Itália, especialista na prevenção de conflitos. Viera com a Mulher e pareciam o símbolo da unidade de Itália. Ele, de Torino, ela siciliana.

Falou-se do Terrorismo e a conversa inspirou-me os seguintes pensamentos:

Religião, rito, prática religios, os velhos fantasmas que voltam a emergir: sim, o símbolo imediato, a purificação contra a blasfémia interior, são mais importantes que a pontualidade, que o espírito prático, que a eficácia. O símbolo tem uma eficácia perene, que sobrevive a tempos e marés. A eficácia, sózinha, esquece a possível última razão das coisas e deixa tudo em fragmentos singulares, cheios de vazio entre si. Uma Educação virada apenas para a eficácia é feita de vazios. Só aparecem unidades fragmentadas, desligadas e separadas, entre as quais medram livremente os demónios do tempo, repescando os que se julgavam adormecidos.

Bill Clinton tem uma enorme culpa em tudo o que aconteceu e vai acontecer, a começar no Iraque. A mania da legitimidade democrática ( melhor: mediática) que criou a anedota do “politicamente correcto” mentiu tanto e tantas vezes que acendeu os demónios do tempo, dentro de nós. O Partido Republicano encheu-se de descontentes, vindos de todo o lado da sociedade Americana, da esquerda liberal e tolerante, judia, de Nova Iorque até aos activistas negros, dos anarquistas liberais, de muita gente decente e de trabalho. Como Clinton viera dos descontentes de Mc Govern, dedicados à ciência e à técnica de conquistar o Poder, persistente na conquista, primeiro, do Partido por dentro. Cuidado com Hillary ( Lady Macbeth): ela representa o que há de mais inconformado nesta corrente.

Pelo vazio das unidades singulares e fragmentadas, unidas pela Razão, o sono dos sentimentos criou monstros. Com medo de sermos robotizados, abrimos as portas aos instintos mais primitivos. Ficámos rapidamente com o crime e a gestão por objectivos. Como já nos esquecemos, Mohammed Atta e os terroristas em geral, eram e permanecem recordistas de Gestão.

Abandonados entre fragmentos, tudo são “second thoughts”, pressentimentos, má-cosnciência ( má porque sistematicamente atrasada). De tanta aflição por não podermos naturalmente intuir uma realidade fragmentada, vivemos permanentemente em ressaca, às aranhas, com medo de acordar e a casa ter-se decomposto em bits singulars, levada pelo vento cósmico. Chamamos a tudo, sem saber de onde vem: ”stress”. E se tudo são “second-thoughts”, então a doutrina da “pre-emption” é justa porque os EUA sabem o que é que virá depois, sob forma de recuo, depois dos bons pensamentos exibidos, nomeadamente pelos islâmicos moderados.

Enfim: a doutrina, posta para salvar o que há de natural em nós, atribuível a muita mulher maternal e veladora da ninhada, que insistia teimosamente no êxito profissional e que se deleitou com a competição desenfreada do tempo dos “yuppies”, já tem, pelo menos, vinte anos. Isto quer dizer que os terroristas de Londres já nasceram derrotados, sem mesmo poderem alinhar para qualquer competição. Em suma: já há uma chusma de excluídos, em “ghettos”. Sim, Mário Soares tem razão no que diz.

As Revoluções morrem todas com a barriga dos 40 anos de idade. As belas Mariannes ficam irreconhecíveis. Mas todas elas podem deixar algo de válido se não perdermos a Memória.

O cérebro foi lavado pelo Actualismo desenfreado. Mas não é o actualismo de Gentile e da gente intelectual do Fascismo Italiano. É um actualismo que vem das Notícias, onde, portanto, o Sujeito é primeiro estimulado pela Realidade e não ao contrário, como defendia Gentile. É um actualismo que me proíbe, sob pena de morte, de reflectir, que me pergunta qual a utilidade dos mínimos instantes da minha vida. E, depois de os contar todinhos, um Actualismo que separa, em tom de profeta, o Bem do Mal. Ora um Bem e um Mal fragmentados um do outro, como dois produtos alternativos na estante de um Supermercado, rapidamente se misturam, por mais bruto e actualista que eu seja. É que, distinguir o Bem do Mal não está adquirido, por ser um dom da Graça e da Providência.

Tudo o que nos resta é a Memória, mesmo a querida memória da Culpa que nos lembra que caímos e fomos expulsos do Paraíso. A Memória impede a actualização constante. E a Saudade, ao menos, repõe, irresistivelemente, o Assunto. Por isso, não se preocupem de serem, por vezes, distraídos e ineficazes. Como dizia o Comandante Cervaens Rodrigues: já só tenho memória para as coisas mais antigas!

Que queriam dizer os “Velvet Underground” de David Bowie, Lou Reed, de Iggy Pop quando, tão singularmente adiantados no início da década de sessenta ( tinham lá dentro, tudo o que a música pop veio a desenvolver depois, desde o Punk, aos Beatles, aos neo-românticos Duran-Duran, ao techno de hoje) falavam em “Tomorrow’s parties”? Sabia-se que os “parties” loucos de Andy Wahrol foram verdadeiros preliminares satânicos dos pactos com o Diabo…mas seriam os “Parties” Partidos políticos?

Penso que sim. Tenho medo dos socialismos de amanhã. Blair, na senda de Clinton, gere paroquialmente o rastreio e a prevenção dos tranquilos terroristas assassinos. Mas o controle genético de quem somos ou podemos ser, já tem vinte anos nos Laboratórios. Não confiemos nos “sentimentos”, nas ‘Intuições”, no “Coração” dessas mães de ninhada ricas que governam as Chancelarias. Nem sequer nos Sonhos. Spots publicitários continuam a manipular-nos como enviados da Manchúria, em pleno sono.

O Pai, destroçado pela dor e semi-louco, de Mohammed Atta, anunciou, na sua casa do Cairo, uma Guerra de 50 anos. Não liguemos aos anúncios, venham eles de quem vierem.

Falar muito em Guerras, sem o espírito castrense que tantas vezes as evita, é preparar genocídios, durante os intervalos…

2 comments:

alexandre simas dias said...

Boa tarde professor!
Não imagina as saudades das suas aulas. Há muito que não passava pelo seu site, e agora a descoberta deste blog proporciona-nos uma fonte de alimento, de nos sabermos encontrados - ainda que apenas em uma das cidades (permita-me a presunção!).

alexandre simas dias said...
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