Que bom-senso se pode exigir de um condenado à morte, prestes a ser executado? Nenhum. O bom-senso abandonou quem o condenou à morte e, portanto, não há nada a fazer, no capítulo do bom-senso.
Claro que há aqueles que têm consciência de que não há piedade para si e tomam a morte como uma espécie de alívio em que os homens todos se somam ao Eu exteriorizado do condenado, fechando a porta no escuro ao que resta - o Homem interiorizado - o qual só deseja que se abra uma luz qualquer, mesmo se ela brilhar para além da Morte.
Depois, porque a vida é feita de ritmos e, às vezes, a curiosidade é mais forte que o próprio instinto de conservação.
Reparei como, no Domingo, o Mundo se tornou sêco. E tão vazio e tão sêco, que, melhor que ele, só mesmo o dia de trabalho. Ora, se o Domingo é assim, não admira que as Igrejas se encham de rituais para ao menos podermos cantar ( há pessoas cujo único momento em que podem cantar, é, de facto, na Igreja) e reconstruirmos, de pé e de joelhos, os movimentos básicos da existência social.
Que quero dizer com isto? Quero dizer que o nosso tempo livre se tornou tão sujo e ritmado pelas pressões do consumo e o nosso dia seguinte ficou tão poluído pela "Imprensa Livre", agarrada ao microfone a anunciar a próxima novidade, que já nem sabemos quem somos. Sonhamos até com o que nos mandam sonhar. E, por todo o lado, corre um frenesim elétrico de urgência, de "última oportunidade".
Ora, com isto tudo, não admira que o Ontem seja igual a Hoje e o Hoje seja igual ao Amanhã. Isto tudo, até a velhice e o cansaço nos fazerem tropeçar para cima de um automóvel em movimento.
Alguém que nos lembre esta monotonia, lendo as linhas da mão, as linhas do astros ou os nossos lábios e, por isso, cobre dinheiro, só tem mesmo possibilidade de enriquecer e até chegar a dirigente político. Há muitos caminhos que levam lá: uns escuros como o de Hitler, outros mais claros como os de Ronald Reagan, outros nem escuros, nem claros, como os da "Terceira Via"".
Porque a vida é curta e como somos ainda uma espécie tão atrasada nas entrelinhas, parece óbvio que uma só boa intenção, precise de passar de mão em mão, por várias gerações, até conseguir um pouco de realização.
São poucos os que não testemunharam a beleza divina da sua própria juventude, são muitos os que se admiram de rever uma pessoa a quem a vida transformou completamente até se tornar irreconhecível e são menos, mas mesmo assim bastantes, os que encontram alguém numa situação de circunstância e se lembram de o ter ao lado a fazer juras eternas de amor. Por isso, a infância, a juventude e até o Passado de um país submergem na História, inteiros, a uma luz eterna de meio-dia, como as cidades de Pompeia. O seu reaparecimento periódico nas nossas mentes, chama-se Saudade. A Saudade é um pensamento que se continua a pensar, mesmo depois de o termos, há muito, mandado calar.
Não admira, portanto, que o que já se se esqueceu, se venha a realizar no futuro e descubramos, abismados, que se realizou ponto por ponto, inteirinho, conforme tínhamos recordado, sonhado, ou alguém mais observador nos houvesse dito.
O problema é que, cada vez mais coisas se realizam mais depressa e mais predições se confirmam. E, tudo isto é porque estamos de tal modo automatizados que até, de olhos abertos, vamos em sonambulismo, caminhando se possível para o abismo, porque cumprir a bruxaria - e quanto antes - acaba por ser a única esperança de nos libertarmos dos encantamentos.
Entretanto, os astrólogos, os operdores de sondagens, mas também os patifes e programadores, vão dizendo B para conseguirem A e conseguindo A para terem C.
Perante isto tudo, há que ter coragem de ter Fé e de Pedir como seres livres, para que o que pedimos - como diz o Evangelho - nos seja concedido. Não, não se trata de de Pedir apenas como ser livre mas de ser puro para pedir, pois a Pureza é o único conteúdo possível da Liberdade, palavra para a qual os filósofos, não encontraram nenhum conteúdo.
Quem é capaz de Pedir? Quem é capaz de solicitar abarcando com todas as consequências disso?
Só aquele que for livre - quer dizer, puro - aquele que sem pestanejar se libertou duma vez da escravidão dos sentidos, venham eles estimulados pela TV, pelo simples olhar ou pelos vigaristas da superstição, seja ela científica ou tradicional.
E veja-se qual é o mecanismo desta Agressão quotidiana, por aí solta, à desfilada: a divisão dos nossos sentidos obriga-nos a um tal exercício de memória que as poucas vezes em que conseguimos ser precisos, é quando nos obrigam a tal, muitas vezes à ponta de pistola.
Ou seja: nunca somos exactos quando queremos mas quando nos dão a oportunidade. Revoltados, cada vez ficamos mais dependentes dos oportunistas, uma vezes chamados pelo seu "sentido de oportunidade".
Somos os nossos próprios bruxos, não porque possamos definir o nosso próprio Destino ( frase que nos depressa queima a língua) mas porque nos embruxámos deliberadamente, ao querermos desenhar o Destino.