25.1.06

Um Rei Exorcista, por André Bandeira


Estranho título este. Ficava mais elegante chamar-lhe taumaturgo. Assim, parece uma mistura de irredentismo miguelista com aquele filme que passou nos cinemas há uns anos. Dizem-me que tenho a mania do Diabo, mas não falo agora de mim.

Sim, um rei exorcista que exorcizasse o mal-estar, a secura e a falta de esperança a que chegou a política portuguesa, que dissesse que o céu não é o único limite a qualquer louco ambicioso. Um Rei que nos protegesse dos excessos da política, em quem um acontecimento familiar fosse como um momento à lareira da alma que é o Presépio, mesmo para aqueles que nunca terão um família ou que nunca a tiveram.

Sim, um Rei que nascesse e morresse como uma Era da Pátria, que não passasse à tangente, um Rei que nascesse e morresse como um longo dia de Verão. E um Homem ou uma Mulher que soubessem caber dentro desse nome de Rei.

Um Rei que ensinasse que não vale tudo para conquistar e manter o Poder e que por mais que se lavre, há que deixar repousar umas árvores antigas ao lado do campo. Um Rei levado em ombros, mesmo que o povo da aldeia tivesse que ir buscar uma velha árvore arrancada pelas necessidades do desenvolvimento e a voltasse a plantar no mesmo sítio, esperando pacientemente que ela voltasse a florir. Para que os amantes desavindos, quando passassem por lá, se lembrassem que, um dia, tinham lá gravado um coração, com o nome de um, à direita, e o nome do outro, à esquerda. Para que o velho burro se lembrasse que aquela era a árvore ao lado da estrada, pouco antes da velha Igreja, a uns passos da velha casa em ruínas.

Si, um Rei Exorcista, pelo qual valesse a pena morrer de boca aberta a cantar, ou sentar-se na cadeira de torturas e, mesmo sem dentes, nem olhos, não abrir a boca para nunca pronunciar o doce nome dos camaradas, como sombras antigas duma recordação de infância.

Um Rei por quem Zé do Tilhado e João Brandão, saíssem da fila, com um passo em frente, barbados e sujos, resplandecendo ao sol.

Um Rei, que como todos os escravos, no chão, disseram " Eu sou Spartacus".

Sim, um Rei que me atasse ao leme, mais forte que o monstrengo que minha alma teme e dizer "El-Rei", ou "Ré", fosse tão doce como dizer " Liberdade".

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