1.10.06

Falcão e Borsalino, por André Bandeira

Vai estrear em Itália um filme sobre Falcone, o Juiz anti-máfia, que foi pelos ares com a sua mulher.
Falcone costumava-se chamar a si mesmo, o "morto que caminha". Era siciliano como grande parte dos seus antagonistas.
Neste tempo de inocentes a ir pelos ares, Falcone não era inocente. Sabia com quem lidava. Um dia, um dos seus guardas queria casar-se e pediu para ser transferido. Ele ia dar-lhe a transferência porque aquele posto não era muito bom para a saúde. Perguntou-lhe se o guarda gostava do trabalho. Ele disse que não. Mas não se transferiu. Perguntou-lhe depois: mas afinal não te foste embora? Já gostas do trabalho? Não, respondeu o Guarda. Mas gosto de si.
Falcone ria pouco. No mundo onde nasceu e onde acabou por morrer, não há muito para rir. A terra é pobre, desprezada, era melhor se calhar ser independente para chorar sozinha, foi invadida por tipos de fora, desde que há memória mas Falcone acreditou em Roma. Ou não acreditou, mas acreditou que há uma Ordem qualquer, uma razão de ser para isto tudo. Alguns dos mais fiéis de Mussolini, até ao fim, eram sicilianos que, como se sabe, abriram a estrada para Roma aos Aliados, não sem antes matarem um comunista, Tresca, que se bateu contra Mussolini desde o princípio depois de Mussolini o deixar sair. Foi em Chicago mas o mafioso que votou contra, matou depois o tipo que mandou liquidar Tresca. Os sicilianos de Mussolini eram juízes e advogados, meteram-se a soldados nas Brigadas Negras. Homens calados, quando chegavam às aldeias dos partiggiani, pediam para falar: deixavam-se ficar, de braços cruzados atrás das costas, expostos às balas fazendo os seus discursos pela honra da Itália, pela Ordem que era melhor que o caos, etc. Ninguém os ouvia mas tinham conseguido quebrar o seu silêncio interior, guardado de séculos, para cantarem aquelas palavras em que tinham acreditado. Muitas vezes era o seu último canto.
Aqui há pouco tempo, um destes sicilianos cansados de caos, que se recusou a pagar o pizzo, e andava com a cabeça a prémio, perguntaram-lhe numa entrevista porque fazia aquilo. Respondeu ao jornalista: porque quando morrer, tu terás de me amar.

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